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12 Urologia Vida e Etica 2bb22

Helio Begliomini

Ensaios, Crônicas, Cartas e Desenvolvimento de Doutrina sobre Ética Médica, particularmente em Urologia

Expressão & Arte Gráfica, São Paulo – 2006,

292 páginas.

 

Prefácio I: Nelson Rodrigues Netto Júnior

Com grande alegria, recebi o honroso convite do Dr. Helio Begliomini para prefaciar seu livro “Urologia, Vida e Ética”.

O Autor escolheu muito bem o título de sua obra, pois Urologia foi a atividade à qual dedicou sua Vida, sempre com o apoio da Ética.

Sem dúvida, a razão do convite foi a grande amizade, respeito e admiração que sempre pautou nosso longo convívio.

Senti que não haveria dificuldade em comentar sua atividade profissional e social, visto serem muito ricas e relevantes, servindo de exemplo para os mais jovens. A participação familiar, sem dúvida, teve papel preponderante na edificação da personalidade do Dr. Begliomini. Aponto somente uma, dentre as inúmeras atividades do autor, ou seja, sua repetida participação na Comissão de Ética Médica e na Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Urologia, inclusive atuando como presidente (1998-1999 e 2003-2005) e Câmara Técnica de Urologia do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (1994-1996, 1999-2003).

A obra do Dr. Begliomini  é constituída de 3 partes. Na primeira, encontram-se reflexões profundas sobre a Ética Médica, aplicadas em particular à Urologia. A maioria é de  artigos publicados em jornais e revistas urológicas, onde são tratados fatos  médicos, sob forte sinalização ética e moral. Destaca-se como principal característica a luta que o autor empreende no sentido da  preservação e respeito à vida, desde seu mais remoto início, até o final. Os calorosos comentários são embasados em opiniões fundamentadas em aspectos espirituais e religiosos, pelo autor e célebres humanistas de épocas e locais diversos.

O Dr Begliomini preocupou-se inclusive com a apresentação de vídeos  científicos, relação entre  médicos e pesquisadores, com os pacientes e “Qual o Valor da Vida”, concluindo que: “vida é única e indivisa e como tal deve ser respeitada.”

A segunda parte mergulha profundamente na análise da Vida, sob diferentes pontos.

Inicia com o poema Vida, de Vinicius de Moraes, Qual o Valor da Vida, interpelação do autor ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo quanto ao tema Blastócitos Humanos etc.

A obra singular do Dr. Begliomini, além de ser uma fonte literária riquíssima, é de fácil leitura e de interesse progressivo à medida que se percorrem suas páginas. Com a máxima poética de Blaise Pascal encerra: a vida é um grande sonho que vale a pena ser realizado.

A terceira parte é constituída pelos pareceres apresentados por ocasião de sua participação frente à Comissão de Ética Médica e Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Urologia. Aqui, além das características do autor apontadas, permite, também, aos médicos, conhecer ainda mais aspectos de grande importância profissional.

As qualidades literárias exibidas pelo autor justificam uma vez mais sua participação na Academia Brasileira de Médicos Escritores.  Louvando o meritório trabalho do Dr.Helio Begliomini, sinto-me satisfeito com mais esta vitória alcançada e não tenho dúvidas ao afirmar que Urologia, Vida e Ética é o livro que faltava e deverá ser lido e relido por todos os médicos.

Nelson Rodrigues Netto Júnior*
*Formou-se em 1961, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Estagiou na Faculdade de Medicina de Buenos Aires (1973) e na Universidade de Washington – Seattle – USA (1974).
Fez doutorado e livre-docência pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ter sido chefe da Divisão de Infertilidade Masculina e da Divisão de Doenças da Uretra do Hospital das Clínicas.
Atualmente é professor titular e chefe da disciplina de urologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp; chefe do serviço de urologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo e urologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
Foi presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (1991-1993); secretário-geral da Confederação Americana de Urologia (1992-1994), e é o presidente eleito da Endourological Society – USA. É membro de 15 sociedades médicas internacionais. Tem sido editor de 7 revistas urológicas no Brasil e no exterior, além de membro do corpo editorial de outros 9 periódicos nacionais e internacionais.
Tem 20 livros editados no Brasil e 1 no exterior e publicou cerca de 600 artigos em revistas nacionais e internacionais.

 

Prefácio II: José Renato Nalini - O Tônico da Esperança

A mais nobre missão de um ser humano é salvar vidas. Por isso é que a Medicina está no topo dentre as vocações. Nem deveria ser chamada profissão, pois não se pode conceber o médico senão como resultado de um verdadeiro chamado. O chamado ao devotamento, ao sacrifício, à outorga de sua vida e de seus interesses, ao sublime serviço de minorar os males dos semelhantes.

Nada pode ser mais gratificante do que salvar uma vida. Ter consciência de que os seus conhecimentos e o seu empenho foram instrumento de recuperação de uma existência que se esvaía. Ou a sensação do dever cumprido. A certeza de haver oferecido o melhor de sua ciência e de sua vontade ao serviço da salvação, a despeito do resultado infausto.

A autoconsciência do significado desse múnus poderia levar a comunidade médica a excessos compreensíveis na auto-estima. Daí a intimidade da medicina com a ética. Formar, manter e estimular o exercício ético da missão constitui preocupação dos mais lúcidos. Densificar a reflexão e a vivência ética representa o zelo permanente para impedir que a inflação do ego possa comprometer, desviar ou anuviar a limpidez de uma carreira a serviço dos semelhantes.

Os profissionais imbuídos desse ideal ético encontram agruras numa sociedade em que os valores se transmutam e são mutilados. A sociedade do contínuo prazer, quanta vez traduzido na insensatez, na perda de parâmetros e no crescente consumo, é arredia às pregações morais.

O avanço do conhecimento faz com que as prodigiosas formulações da ficção científica equivalham a pueris divagações. Fala-se hoje em eleição das características biológicas dos filhos, como direito individual de obter determinadas informações e poder decidir livremente o destino de sua prole. A tese dos bebês escolhidos já é realidade, assim como a eliminação dos fetos indesejáveis, sem falar na cobiça despertada pelos embriões extranumerários.

A bioética, que surgiu como esperança de revalorização da vida, pode se converter, para os desprovidos de ética, na mais sórdida biopolítica. A neo-eugenia a serviço do mercado. A prepotência científica a desprezar qualquer prurido moral, logo inquinado de resistência obscurantista.

Nessa turbulência contemporânea, em que o mundo novo se instaurou no quintal do homem velho – ainda refém de sua falibilidade e de seus vícios –, é essencial que a voz de médicos predestinados como HELIO BEGLIOMINI se faça ouvir.

Concilia erudição e clareza, consistência ética e coragem. Não hesita em reafirmar as verdades que tantos procuram renegar. Reconhece a concepção como termo inicial da vida, realidade complexa, verdadeiro ciclo vital que não pode mais ser interrompido, até o advento da morte natural. Essa verdade científica – e hoje também jurídica, após ratificação pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica – é motivo de escândalo na comunidade científica agnóstica.

Nem por isso deve deixar de ser proclamada. O momento histórico é grave.  Invocam-se argumentos falaciosos, quais a fecundação indesejada como mero desconforto e a autonomia da vontade da mulher como condição suficiente para legitimar o sacrifício de outra vida, inerme e não consultada. O império do corpo, do prazer sensual, do egoísmo e do mais hipócrita pragmatismo avança de forma célere. Nesses tempos, reafirmar a vida como pressuposto de todos os direitos  –  tanto que chamados “bens da vida” – chega a ser heroísmo.

E é de heróis que o mundo está a necessitar. Heróis da luta permanente, da batalha de Davi contra Golias, titulares de um dever que transcende uma história pessoal para revestir-se de dimensão etérea.

Heróis que não se atemorizam ao recordar que a aventura humana neste sacrificado planeta Terra não oferece êxitos palpáveis quando se afasta de Deus. Pois o problema de não se acreditar em Deus não é a descrença em tudo, mas a possibilidade de se acreditar em qualquer coisa. Em se utilizar da medida humana para avaliar tudo o mais, como  se a experiência da criação se resumisse à efêmera passagem de cada criatura pela vida, sem finalidade e sem transcendência.

Tudo isso, HELIO BEGLIOMINI transmite com talento e erudição. Fiel à tradição que faz dos médicos excelentes escritores. Tradição longeva e comprovada no mundo lusófono. Só no Brasil, lembraria Pedro Nava e Duílio Crispim Farina, a quem sucedi na Academia Paulista de Letras. Em Portugal, a figura inexcedível de Miguel Torga. O médico de S. Martinho de Anta, de Trás-os-Montes, que tão bem acumulou à medicina a poesia, façanha que lhe permitiu melhor exercer a virtude: “Por isso, só no amor pelo semelhante, no bem direto que se lhe possa fazer, na ferida que se lhe cure e na dor que se lhe alivie, se poderá testemunhar a fraternidade e a solidariedade dos homens”.

Conjuga o médico HELIO BEGLIOMINI em sua profícua existência a medicina e a literatura, sem descuidar da pregação ética. Mais do que curar o corpo, tem presente que as agruras d’alma também merecem o carinho do esculápio. Está convicto de que a escolha o faz crescer em graça e plenitude, até à dimensão possível.  Mais tarde, muito mais tarde, poderá também dizer, como o fez Miguel Torga: “Na minha já longa vida de médico, só tive uma preocupação: entender o sofrimento alheio mesmo quando ele objetivamente me parecia injustificado. Não o julgar em caso algum uma fraqueza a reprovar, mas uma desgraça a remediar. E confessei mais do que observei, vali-me mais do coração do que da sabedoria. Enxuguei mais lágrimas do que receitei. Fiz da esperança a grande arma do meu arsenal terapêutico. Esperança que eu próprio não tinha muitas vezes, mas que, mesmo fingida, fazia milagres”.

Essa esperança é que HELIO BEGLIOMINI partilha com os seus amigos e com os seus leitores. Ele tonifica a esperança de todos nós e nos faz acreditar num futuro mais ético para a medicina.

É o seu testemunho. Testemunho de consciência, de abnegação constante, de quem fez da opção médica uma instância sagrada e do amor ao próximo a justificativa maior de sua existência.

 

José Renato Nalini*
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo. Autor de “Ética Geral e Profissional”, 4ª ed., RT, e de “Ética Ambiental”, 2ª ed. Millenium.
É secretário-geral da Academia Paulista de Letras, membro titular da Academia Cristã de Letras, da Academia Paulista de História e da Academia Paulista de Direito.

 

Prefácio III: Leo Pessini

Agradeço o gentil convite do Dr. Helio Begliomini para prefaciar livro de sua autoria intitulado Urologia, Vida e Ética. Trata-se, na verdade de uma obra que tem um forte cunho de testemunho pessoal em termos de exposição de valores éticos que fundamentam sua atuação profissional no âmbito da saúde, como médico. Esta obra divide-se três partes: Na primeira, intitulada crônicas e ensaios, temos uma coletânea de reflexões éticas que foram sendo publicadas nos últimos anos, majormente em veículos de divulgação na área da medicina e, em particular, em informativos de sua especialidade, a urologia; num segundo momento, temos uma reflexão ética sobre o valor da vida humana, em que a defende convictamente afirmando que deve ser respeitada desde o momento da fecundação até o momento da morte natural, e, finalmente na terceira parte, temos uma coletânea de pareceres deontológicos e desenvolvimento de doutrina ética, emitidos a partir de sua vasta experiência frente à condução da Comissão de Ética Médica e Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Urologia, como presidente.

O escopo deste prefácio não é fazer uma avaliação da obra, mas tão-somente recomendá-la, contextualizando-a na realidade dos fatos críticos do desenvolvimento da tecnociência na contemporaneidade que interferem profundamente na vida do ser humano.

Vivemos num momento histórico marcado por extraordinárias descobertas científicas. Esta nova realidade se transforma num teste diário de nossas certezas filosóficas, éticas, morais e teológicas. O ritmo dos avanços científicos e tecnológicos é muito mais rápido do que a reflexão ética, e isto nos deixa inquietos e, por vezes, até angustiados na busca por segurança de verdades vitais. É bem verdade que ainda lutamos por coisas muito básicas em termos de vida digna e saudável em nossas terras brasileiras. Há que se superar a desigualdade e exclusão que marginaliza milhões de seres humanos nos porões da subserviência humana de um sobreviver sofrido. As conquistas da tecnociência devem estar a serviço da vida, prioritariamente dos que mais necessitam e não simplesmente de uma superelite privilegiada.

Nesta “sociedade do conhecimento”, da rapidez da comunicação (estamos “on line” nesta aldeia global), muitas coisas tornam-se obsoletas do dia para a noite e certezas éticas seculares são questionadas. Raro é o dia em que não somos surpreendidos por novidades que pensávamos fossem simplesmente ficção científica e que envolvem nossa vida no planeta Terra e a vida do ser humano em particular! O que deveria permanecer e nunca mudar? O que deveria e seria saudável alterar?  Trata-se de uma questão difícil, que exige muito aprendizado em termos de diálogo, respeito pelo  diferente e discernimento com sabedoria.

Diante dessas novidades tecnocientíficas convivem posturas de fascínio acrítico que endeusam tudo o que a tecnociência propõe, com atitudes de inquietação e preocupação angustiante que facilmente descartam toda e qualquer novidade que altere o ritmo da vida humana no seu contexto cósmico-ecológico. O que poderia mudar e o que nunca deveria ser mudado? A natureza humana ficou obsoleta? Podemos conquistar a “imortalidade” e permanecer eternamente jovens? Estas são algumas interrogações em pauta hoje. Não existe resposta simples e fácil. Somos provocados a refletir e discernir possíveis alternativas e/ou diretrizes éticas balizadoras das ações que interferem na vida cósmico-ecológica, e em especial na vida do ser humano.

Este contexto já sinaliza uma agenda de questões que exigem uma urgente reflexão ética. É aqui que surge a bioética como um sinal de esperança neste início de milênio. Cada um de nós, em algum momento de nossas vidas, inevitavelmente já teve algum encontro ou experiência ligada com questões de bioética. Seja no âmbito dos cuidados de saúde (tratamentos, pesquisas e transplantes, etc.) ou em termos de opções em relação à constituição de nossas famílias (planejamento familiar), ou mesmo no âmbito profissional.

Se, ontem, devido ao fato do “não-conhecimento” de muitos processos da natureza humana, estes eram explicados “como obras do acaso” ou então dentro de uma visão de fé como obra “de um ser transcendente”, hoje o ser humano começa a deter um conhecimento que quer mudar e transformar tudo. Conseqüentemente, cresceu muito a responsabilidade humana. Necessitamos de sabedoria ética, que deve funcionar como bússola a orientar esta busca da humanidade, por uma vida melhor, mais saudável, mais feliz, ao singrar mares nunca dantes navegados e com sérios riscos de se perder ou naufragar.

O desafio permanente, nesta área, é de colocar, junto com a crescente aquisição de conhecimento científico, a sabedoria humana, que vai descobrir como companheiras inseparáveis a ousadia científica,  que busca intervir inovando  e transformando,  e a prudência ética,  que nunca  negocia no leilão de mercado aquilo que chamamos de dignidade do ser humano. Isto se quisermos construir um futuro promissor para a humanidade. Precisamos nos educar urgentemente, em termos éticos e bioéticos, nestas questões fundamentais da vida humana ligadas ao nascimento, passando pelo desenvolvimento e maturidade humana, chegando até a conquista de um “digno” e elegante adeus final.

Ao refletirmos sobre estes grandes desafios da tecnociência que interferem na vida cósmico-ecológica e humana, fazemos a experiência de “navegar em cima de um fio de navalha”, em termos de perspectiva de abordagem ética. Qualquer deslize acaba comprometendo a dignidade humana! De um lado, devemos honrar o dado científico, sermos honestos com a verdade científica, sem apressadamente satanizar todo e qualquer novo conhecimento. De outro, a perspectiva, exigente e urgente, de salvaguardar os valores da dignidade humana envolvidos.

É esta desafiante realidade que justifica refletirmos sobre bioética como um grito por dignidade de viver. Na verdade, frente às difíceis e complexas questões candentes da atualidade, buscamos “dar razões de nossa esperança”. Muitos, ao procurar dar as razões de sua esperança, o fazem de uma forma intolerante e fundamentalista, esquecidos de que a estratégia apresentada de como fazer isto acontecer e produzir resultados positivos é de realizá-lo “com mansidão, respeito e com boa consciência”.

Nutrimos uma convicção ética de que o conhecimento científico tem que se transformar num instrumento de libertação e sabedoria, no sentido de ajudar as pessoas a se libertarem da escravidão da ignorância e viverem de uma forma mais saudável e feliz.

Ao parabenizar o autor por “ousar em se expor eticamente”, faço votos de que esta obra tenha ampla divulgação no âmbito da saúde.

Leo Pessini[*]
[*] Licenciado em filosofia pela Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção (1975-1977) e bacharel em teologia pela Pontifícia Universidade Salesiana de Roma (1977-1980). Pós-graduado em clinical pastoral education e bioetics no St Luke´s Medical Center em Milwaukee (WI), EUA (1982-1983 e 1985-1986). Mestre (1990) e doutor (2001) em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção.
É superintendente da União Social Camiliana desde 1995 e superintendente do Círculo Social São Camilo desde 2000. Vice-reitor do Centro Universitário São Camilo em São Paulo e em Cachoeiro do Itapemirim (ES) e professor de bioética no curso de mestrado em bioética no Centro Universitário São Camilo.
É editor-chefe da revista “O Mundo da Saúde”. Escreve mensalmente na coluna de bioética da revista “Família Cristã” e publica artigos na revista “Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus”, desde 1989. Publicou 18, livros sendo um deles traduzido para o idioma croata.

 

Prefácio IV:  Miguel Srougi

A medicina só pode ser exercida na sua dimensão real quando se juntam o conhecimento científico e o humanismo. Será que esse conceito, tão óbvio, é compreendido no seu sentido mais profundo? Se valer o que percebo por aí, acho que não.

A bem da verdade, tanto os médicos, como a própria sociedade têm falhado. Arthur Smith, um autor inglês contemporâneo, escreveu que paciente e médico dançam juntos e um não sobrevive sem o outro. Essa coreografia foi posta de lado quando a sociedade passou a exigir dos médicos nada menos do que a perfeição, não aceitando sequer a derrota para fatos inexoráveis, como a existência de doenças incuráveis ou a morte implacável. Sociedade que assume uma postura quase sempre intolerante, sem levar em conta o ambiente circundado pela indigência, pela violência e pela carência, na qual atua um sem-número de médicos brasileiros.

Os médicos também se afastaram de seus parceiros. Treinados para lidar com números e estatísticas frias e tocados pelos enormes avanços da ciência, passaram a se preocupar em estender a vida, e não em expandir a existência. Ficam deslumbrados quando descobrem que podem prolongar a sobrevida por mais cinco ou dez anos, sem se importar se esses seres ficarão inertes e desconectados diante de uma televisão ou coletando seus produtos em fraldas mal-cheirosas. Ademais, premidos pela indigência que encontram em seu entorno, muitos médicos vão sucumbindo e deixando de lado o espírito da compaixão, da solidariedade e da compreensão do sofrimento humano, necessários para a sua atuação digna.

Por que todos esses comentários? Porque, no presente texto, o Dr. Helio Begliomini demonstra, de forma eloqüente, sua preocupação com o exercício mais digno da medicina. Discorre sobre algumas imperfeições nas ações médicas, mas aponta soluções que podem dignificar cada uma dessas ações. Preocupa-se com a fragilidade humana, incluindo a dos médicos, e indica caminhos para robustecer a atuação desses especialistas. Analisa as debilidades que enfraquecem a relação médico-paciente, mas demonstra como esse processo pode ser conduzido na sua acepção mais genuína. E, sobretudo, ensina sobre o direito à à vida, com conceitos que dão sentido à nossa existência e à nossa atuação como médicos. Por todos esses motivos, a leitura deste livro será obrigatória para aqueles que quiserem exercer a medicina no seu patamar mais elevado. E, também, será obrigatória para médicos e não-médicos que quiserem compreender mais profundamente as coisas da alma e da nossa condição humana.

Miguel Srougi[*] 
[*]Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 1970. Especializou-se em urologia na mesma universidade e dedicou-se à carreira universitária, onde fez mestrado (1975), doutorado (1979) e livre-docência (1985). Fez pós-graduação em urologia na Universidade de Harvard – Boston – EUA, de 1975 a 1976.
Exerceu a vice-presidência da Sociedade Brasileira de Urologia no biênio 1999-2001.
Foi professou titular de urologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, de 1996 a 2005, e, desde então, é o professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Tem 153 trabalhos científicos publicados no exterior e 297 trabalhos científicos publicados no Brasil. É autor de oito livros científicos e um para leigos, todos publicados no Brasil.

 

Prefácio V: Dalton Luiz de Paula Ramos

Felizmente estamos vendo florescer e se consolidar também no Brasil os debates sobre temas bioéticos.  Como afirmou o papa João Paulo II, na sua Encíclica Evangelium Vitae, também dedicada ao tema, “particularmente significativo  é o despertar da reflexão ética acerca da vida: a aparição e o desenvolvimento cada vez maior da bioética favoreceu a reflexão e o diálogo – entre crentes e não-crentes, como também entre crentes de diversas religiões – sobre problemas éticos fundamentais, que dizem respeito à vida do homem”. (E.V., n.27)

Em particular aos médicos, mas também a todos os profissionais da área da saúde, cabe, no melhor da tradição hipocrática, zelar pela vida humana e defendê-la. Para que possam desempenhar esta vocação de forma verdadeira, é imperativo não só o empenho nas questões técnicas visando oferecer, sempre, as melhores opções terapêuticas propostas pela ciência. É importantíssimo, também, que as decisões técnicas sejam acompanhadas por reflexões éticas. O paradigma técnico-científico não pode se sobrepor ao paradigma humanitário, retomado pela reflexão ética; deve-se buscar um equilíbrio entre eles.

Nesse sentido, este livro do médico Helio Begliomini representa uma grande contribuição. À sua conhecida competência técnica, soma-se uma preocupação em retomar e aprofundar o fundamento da vocação médica: o reconhecimento e o respeito à dignidade da pessoa humana representada na promoção da saúde. Essa vocação é posta em prática naqueles “dilemas éticos” que permeiam o dia-a-dia dos profissionais da saúde, alguns deles enfrentados no presente livro pelo autor: o aborto provocado, a vasectomia, as objeções de consciência etc.

Neste campo da reflexão sobre valores e ações, o método de análise, que nos permite reconhecer, entre as idéias, aquelas que são mais verdadeiras, consiste no que podemos chamar de postura realista que se caracteriza por: identificar todos os fatores da realidade (1), tais como os aspectos biológicos e médicos, psicológicos, morais e espirituais da questão, que devem se somar a uma preocupação com uma postura adequada à experiência elementar (2), isto é, aquela que apresenta um significado que melhor corresponda ao “coração” do homem, “coração” aqui entendido como o que de mais profundo e sincero existe no ser humano – seu desejo de realização, de satisfação, de felicidade, de beleza, do bem etc. – e não entendido como desejo imediato de nossa instintividade; e, ainda, a estes dois pontos devemos inserir uma dinâmica de positividade diante do real (3), pois, mesmo quando descobrimos o erro, o caminho de construção ético e cognoscitivo que está sendo traçado tende a crescer.

Neste livro, em que se compilam diferentes textos produzidos pelo autor, como reflexões pessoais compartilhadas com os colegas médicos em artigos publicados no Jornal do CREMESP ou em pareceres emanados da Comissão de Ética Médica e Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Urologia, presidida pelo autor por dois mandatos bienais, esta preocupação em ter uma “postura realista” fica evidente, o que o aproxima, como caminho ou método, da verdade. E a verdade, quando é procurada e desejada, fatalmente nos transforma em defensores da vida humana.

O Dr. Helio Begliomini manifesta, em vários textos aqui publicados, essa preocupação em defender a vida humana, qualquer que seja a situação em que ela se encontre: embrião, feto, deficiente mental, não por meio de bases confessionais, dogmáticas ou religiosas. Essa defesa se faz com base em dados das ciências médica e biológica, buscando um adequado uso da razão que, para ser adequado, não pode prescindir de nenhum fator da realidade, incluindo a fé.

Em uma época infelizmente dominada pelo que se pode chamar “ditadura do relativismo”, que não adota nada como definitivo, uma obra na qual seu autor nos oferece não só as suas opiniões, fundamentadas em uma antropologia que reconhece a pessoa humana na sua dignidade e totalidade como o único fundamento da eticidade das nossas ações, mas também nos apresenta as manifestações de seus opositores é, por si só, um ótimo exemplo de uma postura não preconceituosa e aberta ao diálogo.

Creio que este livro vai interessar, e muito, à classe médica. Mas não só a esta; interessa a todos os que estão preocupados com a vida humana.

 

Dalton Luiz de Paula Ramos[*]
[*] Mestre, doutor e livre-docente pela Universidade de São Paulo - USP. Professor da Faculdade de Odontologia da USP, desde 1982, onde ministra disciplina de Bioética aos alunos de graduação e pós-graduação, mestrado e doutorado.
Foi presidente da Comissão de Ética do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo – Crosp -, membro da Câmara Interdisciplinar de Bioética do Conselho Regional de Medicina de São Paulo – Cremesp, e membro do Núcleo Interdisciplinar de Bioética da Universidade Federal de São Paulo - NIBio/Unifesp -, tendo sido também coordenador dos comitês de ética em pesquisa da Faculdade de Odontologia da USP e da Universidade Ibirapuera.
Atualmente, além de suas atividades docentes na USP, coordena o Projeto Ciências da Vida do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. Atua como assessor sobre questões de bioética da presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB; é membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – Conep –, do Ministério da Saúde, e membro correspondente da Pontifícia Academia Pro Vita – Vaticano.

 

Prefácio VI: Sami Arap

Nossa sociedade vive uma época em que assistimos cotidianamente, pela imprensa, a flexibilização das regras mais elementares de conduta ética, política, moral e social.

Como cidadãos conscientes, não podemos simplesmente aceitar essa situação. Essa talvez seja a maior virtude de Helio Begliomini: sua incansável capacidade de se manifestar, de forma clara e consistente, sobre as questões éticas que afetam nossa profissão, a medicina, e também nossas vidas. Suas opiniões são claras, muitas vezes contundentes, mas sobretudo honestas.

Pode se discordar delas, questioná-las, mas principalmente devemos respeitá-las. A leitura dessas opiniões nos conduz a grande introspecção, e as reflexões decorrentes nos obrigam a questionar nossas condutas.

Foi com grande satisfação que recebi o convite para escrever este prefácio. Na primeira parte do livro temos uma coletânea de suas crônicas, cartas e ensaios mostrando a evolução de seu pensamento em forma de idéias ao longo do eixo do tempo. A riqueza de sua personalidade, sua ampla visão da medicina e da urologia se voltam para iluminar dúvidas éticas de nosso dia-a-dia.

A variedade de temas abordados, tanto médicos quanto éticos ou jurídicos, cobre questões em evidência que preocupam não somente a classe médica, mas toda a sociedade.

Verifico que é mais difícil difundir conceitos éticos do que o ensino de técnica e da especialidade urológica.

A urologia como especialidade é riquíssima em incorporação tecnológica. Foi pioneira no transplante com sucesso de órgãos sólidos, no Brasil e na América Latina. É pioneira nas técnicas de reprodução assistida amplamente difundidas e agora acessíveis também à população atendida pelo SUS. Acompanhei e participei desse desenvolvimento como Professor Titular de Urologia da Universidade de São Paulo e agradeço a todos que, como Helio Begliomini, colaboraram para que entendêssemos os limites de nossa ciência e sua interface com as demandas humanísticas da sociedade.

Na segunda parte do livro temos uma rica análise filosófica do significado da vida. Não é leitura fácil, pois nos deparamos com a multiplicidade de questionamentos interiores gerados por essa simples palavra de quatro letras.

Precisamos estar desarmados de preconceitos para tentar entender o desenvolvimento da vida desde a Criação até nossos dias. Segue-se uma análise científica do fenômeno que nos coloca com os pés no chão.

Os dilemas éticos suscitados são imensos. O autor parte em defesa da vida em plenitude e não se limita a tratar de questões polêmicas como o aborto ou a pesquisa com embriões humanos. Novamente o leitor tem o direito de concordar ou discordar, democraticamente. Contudo, sua curiosidade fica aguçada, abrindo espaço para uma visão mais ampla do fenômeno Vida.

Na terceira parte do livro, de caráter mais técnico, mas não menos interessante, temos pareceres deontológicos e desenvolvimento de doutrina de ordem ética, emitidos durante o exercício da presidência na Comissão de Ética Médica e Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Urologia.

Nesse momento, verifica-se grande transformação da sociedade por influência do conhecimento médico. Casos da prática diária são discutidos à luz da ética e humanismo sem esquecer-se o lado prático e jurídico das questões. Esses pareceres orientam, conduzem, produzem reflexão e, às vezes, até acalmam quem a eles recorreu em momentos de dúvida ou desespero.

O pensamento, as idéias e opiniões de Helio Begliomini passam a integrar de forma afirmativa a doutrina de nossa especialidade, engrandecendo-a. A idéia vira conceito, a idéia vira ensinamento, a idéia vira lei.

A sociedade agradece.

Sami Arap[*] 
[*] Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), onde fez especialização em urologia e carreira universitária. Foi professor titular de urologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí até 1986 e professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP (1986-2004).
É assistente estrangeiro de urologia da Faculdade de Medicina de Paris. Foi presidente da Sociedade Latino-Americana de Urologia Infantil (SLAUI) e presidente da Confederação Americana de Urologia (CAU).
É membro honorário da Associação Portuguesa de Urologia, da Sociedade Espanhola de Urologia e da American Urological Association. É professor emérito de urologia da Faculdade de Medicina da USP.