Prefácio de Geraldo Nunes, redigido em 16 de maio de 2017
Este é um tipo de prefácio onde não precisarei explicar de antemão os assuntos contidos no livro pelo fato do personagem principal ser bem conhecido da maioria dos leitores, por suas qualidades e efeitos que, aliás, todos os seres humanos possuem. No mundo ninguém é perfeito e o Brasil com os seus 207,8 milhões de habitantes não foge à regra. Além disso é um país cheio de contradições, de mais gente pobre do que rica, onde se mata por quase nada, mas que é, ao mesmo tempo, extremamente belo e cheio de pessoas capazes de sorrir apenas por um olhar. Por essas qualidades e defeitos é que Editora Matarazzo decidiu sair em busca de relatos com a seguinte pergunta: Vamos Falar do Brasil?
A obra reúne uma coletânea de histórias escritas por pessoas que falam a língua portuguesa, por sinal, a maior herança que a Pátria-Mãe Portugal nos deixou e, nesses contos, relatam suas experiências graças às particularidades que só o povo brasileiro possui. Difícil é explicar esses pormenores a quem nunca esteve ou morou aqui, porque só vivendo ou passeando pelo Brasil se faz possível entender. Este é um país para ser sentido. Neste aspecto é que surge a importância deste trabalho conjunto que irá nos ajudar a refletir sobre como é esta nossa terra de inúmeras faces e costumes.
O Brasil é conhecido no exterior pelo seu futebol e se observarmos a seleção brasileira em campo, seja em que época for, perceberá as diferenças deste país aqui entre as demais nações. Não vou entrar no aspecto esportivo, mas a camisa amarela de golas e números verdes, com calção azul e meias brancas, forma um time de jogadores também multicores. Brancos, negros, loiros, morenos, índios, mulatos, mestiços. Nenhum outro país é a assim, terra de um povo multirracial e resiliente, capaz de sorrir mesmo nas adversidades e por isso o carnaval é considerado a maior festa popular do planeta. Somos o quinto maior país do mundo em território e população. Devido a essas proporções continentais as belezas naturais se escancaram a quem nos visita, além de outras virtudes. Quem nos conhece melhor descobre os erros de conduta, corrupção, justiça falha, desigualdades e outros problemas tão difíceis que parecem não ter solução.
A palavra ‘Brasil’ é repleta de significados e muito mais antiga que o nome dado à árvore, cuja madeira cor de brasa, ajudava a colorir as roupas da Europa do século XVI. O escritor Eduardo Bueno, autor de “A História do Descobrimento”, cita uma ilha mitológica, descrita por São Brandão, um navegador irlandês do ano 565 da era cristã, que teria partido em busca de um lugar sem males ao qual batizou por “Hy Brazil”, a “Terra da Bem-Aventurança”. Versões também apontam que a palavra Brazil, assim mesmo com “z”, provém do celta “bress”, origem do inglês bless – que quer dizer abençoar. Ainda pela Europa se dizia, na época dos relatos de Américo Vespúcio, que as novas terras se assemelhavam ao paraíso de Adão e Eva, descrito no Gênesis, onde pessoas andavam nuas e despreocupadas se alimentando dos frutos que natureza lhes oferece, sem precisar plantar ou colher. Tal alvoroço causou a notícia que teria ela propiciado a vinda dos jesuítas para “catequizar” aquela gente.“O Brasil nasceu dançando”, afirma o antropólogo Antônio Risério em uma de suas obras e acrescenta: “Não à toa, quando os portugueses chegaram no local que se tornaria o Brasil futuramente, os índios, ao invés de atacarem, recepcionaram os desbravadores com uma dança. O próprio Pero Vaz de Caminha em sua carta ao rei de Portugal descreve os índios do Brasil de 1500, “...andam nus, sem cobertura alguma, nem fazem caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas...acerca disso são de grande inocência...”
Tais definições vão de encontro a uma outra obra, esta mediúnica, escrita por Humberto de Campos, pelas mãos de Francisco Cândido Xavier intitulada, “Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, onde se afirma que este país veio de um povo que não era orgulhoso, prepotente, elitizado e sim o resultado da união de três raças sofridas. “Somos a miscigenação do branco injustiçado, pois muitos dos portugueses que para cá vieram, banidos do seu país, eram inocentes, não mereciam aquela punição; do negro escravizado e do índio, ser em primário estágio evolutivo. Somos o resultado da união dessas três raças e de cada uma delas temos características.
Do branco injustiçado temos a inquietação diante da injustiça; do negro escravizado temos a submissão, a aceitação da dor, do sofrimento; e do índio temos a indomabilidade. O porquê de tudo isso? A resposta é muito simples. Porque nada ensina mais a amar e a perdoar do que a dor e o sofrimento. ”
Esses pareceres ajudam explicar o Brasil embora existam outros para uma análise científica bem mais precisa e definida, mas para isso a fé e o romantismo, características que também definem o povo brasileiro, teriam que ficar de lado e ao que me parece, este não é o objetivo desta coletânea.
A proposta é de apenas explicar o modo de ser de um povo pela descrição e ponto de vista dele mesmo alicerçado somente pela vivência e experiência do cotidiano. Enfim e sem mais delongas: Vamos Falar do Brasil?
*Geraldo Nunes, é jornalista, escritor e memorialista, integra a Academia Paulista de História, titular da cadeira 26