Helio Begliomini
História, Documentário e Biografias
Expressão & Arte Gráfica, São Paulo – 2009,
159 páginas.
Classificado entre os “Livros do Ano de 2009” pela Câmara do Livro da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias (Rio de Janeiro) – medalha de ouro.
Prefácio I: Ives Gandra da Silva Martins
Helio Begliomini é meu confrade na Academia Cristã de Letras. Renomado médico e professor, com obras reconhecidas na área de sua especialização, assim como humanista respeitado, sendo seus escritos de variado espectro cultural, Helio Begliomini decidiu escrever, em homenagem à Academia Paulista de Letras, livro sobre todos os acadêmicos que cursaram Faculdades de Medicina.
Trata-se de um precioso estudo e uma reverência à memória dos grandes nomes de médicos humanistas, que tiveram assento no sodalício paulista, inclusive com presidentes e fundadores entre eles.
Tenho particular admiração pela personalidade multifacetada de Helio. Não só do amigo, cuja estima me enobrece, mas do pesquisador permanente e do estudioso incansável de aspectos novos de realidades antigas no mundo cultural brasileiro.
Não deixa de prestigiar todos os acadêmicos, ao citá-los desde a fundação, vinculados à suas respectivas cadeiras. Dedica, todavia, porque, de resto, é o objetivo de seu livro, especial atenção a grandes confrades médicos, alguns que bem conheci, e a outros, que, por terem conhecido o Criador há mais tempo do que estou na “Stoa” da inteligência paulista, com eles não convivi.
Com precisão cirúrgica e elegância literária esculpe a personalidade de cada desses acadêmicos humanistas, permitindo, pela primeira vez, na história da APL, conhecer-se a influência que a medicina exerceu na vida literária dos imortais companheiros.
Sua iniciativa deveria ser seguida por outros especialistas de outras áreas de atuação, a fim de podermos ter, um dia, na Academia Paulista de Letras a memória consolidada de todos que exerceram as mais variadas profissões, no seu cotidiano.
Cumprimento, portanto, o prezado confrade, pela iniciativa oportuníssima e pela beleza da obra realizada.
Ives Gandra da Silva Martins[*]
[*] Professor Emérito da Universidade Mackenzie desde 1990, da Universidade Paulista desde 1998 e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército desde 1994. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Membro de Diretorias e de Conselhos Consultivos de várias entidades advocatícias, jurídicas, de comércio nacional e de comércio exterior; culturais, beneficentes e esportivas. Professor Honoris Causa da Faculdade de Direito de São João da Boa Vista (SP), da Universidade Metropolitana Unidas (SP) e Doctor Honoris Causa da Universidade de Craiova-Romênia.
É membro da Ordem Nacional dos Escritores, da União Brasileira de Escritores, da Associação Nacional dos Escritores e de Conselhos Consultivos de 12 revistas especializadas concernentes ao Direito. Recebeu dezenas de prêmios, comendas e títulos das mais diversas entidades judiciárias, culturais, políticas, militares e universitárias.
Publicou mais de 40 livros individualmente; 150 em coautoria e 800 estudos sobre direito, economia, filosofia, política, história, literatura, sociologia, música, nos seguintes países: Alemanha, Angola, Argentina, Bahamas, Bélgica, Brasil, Bulgária, Cabo Verde, Canadá, Espanha, Holanda, Inglaterra, Portugal, Romênia, Rússia, Taiwan e USA.
É imortal de 17 Academias: Academia Paulista de Letras; Academia Paulista de Letras Jurídicas; Academia Paulista de Direito; Academia Paulista de Educação; Academia Brasileira de Letras Jurídicas; Academia Brasileira de Direito Tributário; Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes (Presidente 1982-1983); Academia Internacional de Direito e Economia (presidente 1986-1988 e 1997-1999); Academia Internacional de Cultura Portuguesa (Lisboa-correspondente); Academia Mato-Grossense de Letras (correspondente); Academia de Letras da Faculdade de Direito da USP (honorário); Academia Brasileira de Ciências Políticas e Sociais; Academia Luso-Hispano-Brasileira de Direito; Academia Cristã de Letras; Academia Jundiaiense de Letras (patrono); New York Academy of Sciences e Academia Brasileira de Filosofia.
Foi presidente da Academia Paulista de Letras no biênio 2005-2006.
Prefácio II: José Renato Nalini - O que seria da História da Humanidade não fora o devotamento dos pesquisadores?
HELIO BEGLIOMINI, capaz de conciliar o exercício ético da Medicina com o lavor das letras, oferece a seus leitores mais uma obra de investigação histórica. Contempla todos os acadêmicos bandeirantes que também aliaram Medicina e intelectualidade. A ponto de merecerem o ingresso à Casa por excelência da Literatura Paulista que é a Academia Paulista de Letras.
Revela a quem desconhece que a APL foi fundada por um médico, o carioca Joaquim José de Carvalho. Foi ele quem convidou os quarenta fundadores da Instituição, dentre os quais sete médicos. Além dos três médicos escolhidos como patronos, a Medicina ofereceu outros vinte e dois, outros acadêmicos imortalizados na Academia de Piratininga.
Nítida a intimidade entre a arte de curar e a arte de escrever. Os males corporais decorrem de causas complexas, dentre as quais os labirintos da mente não são os menos frequentes. O bom médico é obrigado a perscrutar a intimidade dos pacientes e nessa incursão reabastece-se de um conhecimento denso das criaturas. O contato com seres humanos vulneráveis, aflitos em suas dores, tantas vezes no confronto com a ceifadeira inevitável, fertiliza a imaginação sensível e parteja a criatividade literária.
Sob outra vertente, a familiaridade com o efêmero da existência convence o clínico a escrever. Mergulhar na escrita é uma das alternativas à loucura, reconhecem os terapeutas. A dimensão do pensar não se conforma com os recônditos da consciência. A irresignação vem aos borbotões, imperiosa e incontrolável. Escrever é imperativo da sanidade.
Essa vocação é aquela que predestinou Helio Begliomini. Vê-se, pelo número e qualidade de sua produção, a vastidão do universo de suas cogitações. Literatura científica e ficcional, densos contributos à História e à matéria-prima de cuja carência o Brasil mais se ressente nestas últimas décadas: a ética pública e a ética particular.
Este livro vai muito além da citação dos galenos imortais. Disseca a trajetória da Academia Paulista de Letras desde a sua fundação em 1909. Salienta a presença feminina ainda reduzida, alinha os mais jovens a nela ingressarem, menciona os biacadêmicos: aqueles que tanto integraram a Academia Paulista como a Academia Brasileira de Letras.
Detém-se, é natural, no propósito primeiro do livro: a biografia dos patronos médicos e dos titulares também facultativos da Casa de Letras do Largo do Arouche. Confirma-se aqui o talento do pesquisador consciente e responsável. Esmera-se na elaboração de um perfil completo dessas figuras imorredouras, reverenciando-as quais personalidades históricas que realmente merecem culto no altar da memória coletiva.
Compilou elementos preciosos para a recuperação dessa parcela significativa do primeiro século da Academia. A Medicina ofereceu à literatura bandeirante imortalizada alguns de seus nomes refulgentes. Helio Begliomini propicia a quem o não conheceu, um acesso à vida íntima de um passado de glórias. Glórias literárias, glórias acadêmicas e glórias na mais nevrálgica das profissões humanas: aquela destinada a amenizar as vicissitudes que acompanham os viventes nesta aventura terrena.
A leitura de tais sínteses existenciais constitui experiência notável. Permite comparar o que foram os ancestrais, suas lutas e vitórias, com aquilo que a volúpia do tempo reservou para os coetâneos. Valores esgarçados, ruptura ética, materialismo e consumismo são signos desta era que nos é dada vivenciar.
A Academia Paulista de Letras sente-se desvanecida com a recuperação de sua História – ainda que parcial – neste ano em que celebra seu centenário.
Oxalá outros se inspirem neste livro, para também se proporem mister análogo: a transmissão de vidas ímpares dos que edificaram esta centúria. Uma Casa de Letras é integrada por múltiplas expressões. Nela se encontram historiadores, juristas, prelados, economistas, sociólogos, romancistas, cronistas e poetas.
Estudá-los a uma luz supratemporal para trazê-los como paradigmas às gerações presentes e do porvir, será ratificar a certeza de que a humanidade persiste na senda irreversível da perfectibilidade.
É compromisso dos seres privilegiados que rompem a blindagem do narcisismo para apontarem méritos alheios – e de forma inteiramente gratuita e desinteressada, pois não haverá reciprocidade: os modelos já habitam a eternidade – redesenharem os rumos da experiência humana sobre este sofrido planeta.
Helio Begliomini superou-se ao dar a sua cota. Que outros venham a segui-lo.
José Renato Nalini[*]
[*] Jundiaiense de formação católica – freiras vicentinas, sacerdotes salvatorianos e Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Foi promotor de justiça de 1973 a 1976 e é juiz no Estado de São Paulo há 33 anos.
É mestre e doutor em direito constitucional pela Universidade de São Paulo e leciona ética e filosofia do direito. É membro titular da Academia Cristã de Letras, da Academia Paulista de História e da Academia Paulista de Direito, dentre outras entidades.
Escreve sobre ética e formação de juízes. Escreveu, dentre outros, os livros “A Rebelião da Toga”, “Ética Geral e Profissional”, “Ética Ambiental”, “Ética e Filosofia Jurídica”, “Por que Filosofia?” e “Justiça”.
É o 17o presidente da Academia Paulista de Letras. Cumpriu seu primeiro mandato em 2008, e iniciou seu segundo e último em 2009, para terminar em 2010.
Prefácio III: Hernâni Donato
Quando Boccaccio propôs ao poder florentino sessões de pública leitura da Comédia alighieriana, ouviu que para o povo mais valeria completar uma calçada do que dar a ouvir poesia.
Dos contraditores nem se conhece os nomes. Mas os de Dante e de Boccaccio são repetidos no dia a dia universal. Exemplo categórico da vitória do espírito sobre o imediatismo, do criativo na busca da beleza. Afirmação que é também um definir a História. Augusto, que jungiu ao seu cetro o mundo de então, teria resumido: – Governa-se com a História.
Na construção do belo, as artes. A de escrever, entre elas. Na preservação do todo, a História. Dos autores e de suas associações. Nesse fazer esmerou-se o acadêmico-historiador-editor-conferencista-fundador e animador de entidades literárias – convocado para dezenas dessas associações – premiado vezes e vezes: Helio Begliomini. Também médico.
Serve-se da ocorrência – novembro, 2009 – do centenário da Academia Paulista de Letras para, homenageando-a, homenagear os médicos que dela foram parte.
Esta simbiose médico-literato é antiga e rica de significado. Exemplo melhor não haverá do que o recordado por Johan Huizinga. Estando Luís XI em agonia e vislumbrando a morte a espioná-lo numa das ombreiras da câmara, fez reunir na outra os melhores médicos e a estes juntou os melhores músicos e poetas da corte, cada qual se esmerando na execução da sua arte. Se os médicos não pudessem prolongar-lhe a vida, os artistas lhe fariam bela a morte.
Pois, sem desvestir a modéstia que não o isola, antes identifica, sem exibir a cultura que o faz singular nas áreas médica e literária, Helio Begliomini inverte, adequado ao tempo, o convênio de Plessis-le-Tour: apresenta-nos médicos, prosadores, poetas, juristas, professores, reunidos para o nascer e o evoluir de uma casa de literatos: a Academia Paulista de Letras.
O autor, aliás, é modelo da personalidade que se propõe a definir: o médico-escritor, aquele que se ocupando com a saúde corporal do paciente, estende suas atenções aos cuidados para com o espírito. E escreve, poetisa, compõe servindo aos leitores uma prosa elegante e bem cultivada. Mens sana...
Begliomini exerce a medicina e as letras. Sua bibliografia é das que se tornam patrimônio, pela originalidade dos temas, a virtuosidade dos enfoques, a isenção das abordagens. Com certeza não se encontra exemplar de obra de Begliomini “esquecido” no banco do ônibus, como satirizava Agripino Grieco as obras dispensáveis. Begliomini presta esse serviço à A.P.L., naquele que é seu vigésimo texto, ao qual dá o título de “Asclepíades da Academia Paulista de Letras”. Já no título uma originalidade que se tornará usança acadêmica: “concebemos o neologismo ‘asclepíades’ – composto de ‘Asclépio’, o deus grego da medicina, e do sufixo ‘íades’ – querendo dar a ele não somente o significado, mas a força que o vocábulo ‘família’ encerra”.
Disso trata o livro: da presença e da atuação dos médicos na Academia, desde sua idealização – por um médico – aos dias do Centenário.
São muitos e seus nomes figuram com igual sonoridade e prestígio, nos dois campos “igualmente exigentes em qualificação e dedicação: a literatura e a medicina”.
Begliomini, literato e médico definiu essa intimização vocacional: “o médico tem um pendor especial para as artes lato sensu... e de modo mui particular e profícuo, à literatura”, eis que “o convívio diuturno com doenças, situações aflitivas e díspares da vida... assim como as mais extravagantes manifestações de psiquismo... são-lhe, não somente candentes lições de humildade, mas também fontes inesgotáveis de reflexão e de inspiração”.
Reflexão e inspiração, moventes de uma dupla fértil atividade. É assim desde os primórdios do fazer literatura no Brasil. “Tradição quinhentista”, fixa Begliomini ao invocar Carneiro Giffoni segundo quem os médicos-escritores somaram, até o século XIX, cerca de 1130 exercitantes.
A expressividade participativa mostra-se contínua na A.P.L.: “seu fundador; sete dos seus quarenta membros fundadores; três dos seus patronos e vinte e dois dos seus ilustres membros titulares...” O que permitiu ao escritor-doutor Helio assegurar que “os médicos perpassam ontogênica, intrínseca e inextricavelmente a história da Academia”.
E um médico-escritor-historiador de entidades médico-literárias oferece à Academia, como presente de centenário, um capítulo especial da sua biografia social. Relato tão minucioso que aborda o projeto da criação, elenca os entusiastas e os primeiros aderentes, acompanha os passos dos fundadores, focaliza os presidentes, relaciona de A a Z e de 1909 a 2008 todos os eleitos, os patronos, os fundadores de cadeiras.
Bom historiador, é sem dúvida o doutor Begliomini. Especialista em entidades culturais. Percebe-se que dá aos documentos e aos depoimentos os mesmos cuidados com que investiga o paciente e identifica a doença. Prova-o com abundância de informes na parte do livro intitulada Curiosidades e Fragmentos Históricos. A qual se constitui em inteligentemente resumida História da Academia. Aí, Begliomini ministra a lição de como recuperar – afinal, está fazendo História e ao historiador não é dado afeiçoar o ato ao próprio autor – as nuances pitorescas e surpreendentes das recusas, dos conflitos, do originalíssimo protesto à porta da sessão inaugural. E por aí, no que, fora Begliomini um vaidoso, intitularia O Romance da Fundação.
Citando, com pormenores, as fontes em que captou informações – Carlos Alberto Nunes, Brasil Bandecchi –, Begliomini atualiza os dados e em quase cinquenta tópicos redigidos em tom de crônica ligeira, porém precisa e informativa, completa o histórico da entidade: cem anos em poucas páginas, mantido o essencial.
Aos méritos referidos, Begliomini acrescenta o do rigor. Foi dito, a propósito da tarefa de escrever, que o poeta cuida de mostrar o mundo ideal e ao historiador cabe revelar o mundo real. O que sustenta a veracidade mesmo nos detalhes e sanciona a autoridade. E, aliás, o pitoresco que é parte da História Geral vale como tempero dos bons textos. Quem diria – e Begliomini nos disse – que um Menotti del Picchia, um Cassiano Ricardo, um Plínio Salgado foram recebidos na categoria de “excedentes”; que Zalina Rolim Toledo, nome então de primeira plana nas letras, convidada para o quadro acadêmico fundador recusou por não poder ir também o marido; que Roberto Simonsen, apressado no tomar posse, leu seu discurso em sessão ordinária deixando silencioso o orador que o receberia semanas depois, Affonso de Taunay. Um prazer singular – o da intimização com a vida da associação literária – é o que nos dá, também, o doutor-escritor Helio Begliomini.
Certo, as luzes focam preferentemente os médicos acadêmicos – os Asclepíades. Um médico ideou e muito peregrinou para fazer do ideal da fundação uma realidade. Vários seguiram-no.
O essencial, no caso, é enfatizar a presença do médico-acadêmico ao longo do século. Tempo houve em que brincalhonamente, com certeza – a cada aumento da temperatura em plenário ou de curvatura para baixo da linha financeira ou fosse qual fosse o engasgo ou gemido na plateia ouviu-se dizer: – Que venha um médico! Sempre atenderam.
Muitas assinalações terá o centenário da Academia Paulista de Letras. Entre elas ganhará destaque a que lhe dedicou o literato e médico Helio Begliomini.
Não será preciso invocar o querer de Boccaccio – apego ao bom livro – pois “Asclepíades da Academia Paulista de Letras” vem para ser indispensável na História da cultura paulista. Bem-vindo!
Hernâni Donato[*]
[*] Nasceu em Botucatu (SP), no dia 12 de outubro de 1922. Aos doze anos, estudante fundamentalista, começou a pesquisar e escrever para a imprensa local.
Tem mais de 70 livros publicados (cinco romances, três de contos, sete infantis, seis juvenis, treze biográficos, dezoito históricos). Quatro dos romances foram levados ao cinema (representando o Brasil em festivais como o de Veneza); ao teatro, transformados em balés (duas vezes) e teses universitárias. Possui livros publicados em espanhol, braille, italiano, japonês, polonês, romeno e tcheco.
Eleito para a Academia Paulista de Letras, Academia Paulista de História, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do qual é Presidente de Honra, e várias entidades culturais no país e no exterior, recebeu diversos prêmios por seus trabalhos como, por exemplo, o Saci e o Governador do Estado para cinema; dois prêmios da Academia Brasileira de Letras para contos (1977) e História (1988), e quatro vezes o prêmio Clio da Academia Paulistana de História.