Helio Begliomini
História, Documentário e Biografias
Expressão & Arte Gráfica, São Paulo – 2012,
232 páginas.
Prefácio I: Moacyr Scliar
Há muito em comum entre literatura e medicina. Ambas têm a ver, em última análise, com a condição humana; e nada é mais revelador da condição humana do que a doença. Quando a pessoa está doente, sobretudo quando está gravemente doente, caem suas máscaras, suas defesas, e ela se revela tal qual é. Mas esta é uma situação que precisa ser expressa através da palavra e de novo, este é um elo comum.
A literatura usa a palavra como instrumento estético; a medicina usa a palavra como forma de investigação, como meio de comunicação e também como terapia – a “talk therapy”, que é a denominação dada pelos americanos à psicoterapia. Finalmente, tanto literatura como medicina têm a ver com narrativa, no primeiro caso como obra de um escritor, no segundo como a forma pela qual o paciente fala de seus problemas.
A literatura, tanto a literatura de ficção como a ensaística, pode nos falar da doença e da medicina de um modo original e revelador, mais revelador às vezes de que os próprios manuais médicos. Exemplos não faltam. Temos “A Morte de Ivan Illich”, de Leon Tolstoi, uma dilacerante narrativa sobre um homem que tem uma doença grave e não consegue comunicar-se com seus médicos ou com sua família; “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, no qual a tuberculose faz com que pessoas examinem suas vidas. Por outro lado, os médicos sempre foram cultores do texto. Desde a antiguidade, a obra hipocrática disso é um exemplo, o texto escrito se constitui numa forma clássica e respeitada de transmissão do conhecimento profissional. Médicos leem, médicos escrevem.
Diante disso, não é de admirar a existência de uma verdadeira linhagem de médicos-escritores, ou de escritores-médicos, habitantes deste fértil território comum partilhado pela medicina e literatura. Isto sem falar nas obras de médicos-escritores como François Rabelais, Anton Tchekhov, autor da frase famosa: “A medicina é minha esposa, a literatura é minha amante, mas consigo satisfazer a ambas”; Miguel Torga, António Lobo Antunes...
No Brasil, a lista inclui Joaquim Manoel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida, Jorge de Lima, Guimarães Rosa, Pedro Nava. Maravilhosas descobertas podem ser feitas no comum território partilhado pela medicina e pela literatura.
Agora, o doutor Helio Begliomini, conceituado urologista, pessoa de vasta cultura, autor de várias obras, dirige seu interesse humanístico para uma área específica do território comum medicina-literatura. Em Esculápios da Casa de Machado de Assis ele faz um levantamento dos médicos que fizeram ou fazem parte da Academia Brasileira de Letras (ABL). Uma pesquisa muito original e que tem fundamento: não foram poucos os médicos que integraram a casa de Machado. Coisa que não era, aliás, pacífica; quando o grande Oswaldo Cruz, que era um homem erudito, de amplo conhecimento literário, inclusive, candidatou-se à vaga deixada pelo poeta Raimundo Corrêa, as opiniões se dividiram. De um lado, estavam aqueles para quem unicamente homens de letras (e eram só homens, mesmo, naquele tempo) podiam fazer parte da ABL; de outro, aqueles para quem a instituição deveria estar aberta a pessoas que fossem expoentes da cultura e do intelecto e que, em defesa dessa ideia, citavam o exemplo da Academia Francesa, da qual haviam sido membros o médico Félix Vicq d’Azyr e o naturalista Georges Cuvier, ambos expoentes da anatomia comparada; o fisiologista Claude Bernard e o próprio Louis Pasteur.
Comentava, em artigo, o conde Afonso Celso que não existia no regulamento da ABL “definição taxativa de homens de letras. Ao contrário, o intuito dos fundadores da Academia foi de que ela constituísse o expoente completo da mentalidade e da cultura brasileiras e reunisse não somente poetas, romancistas, dramaturgos ou jornalistas, mas todos aqueles que se notabilizassem com qualquer demonstração de superioridade intelectual. E particularizava: “No dr. Oswaldo Cruz há, simultaneamente com o sábio, um fino intelectual, conhecedor e apreciador das obras-primas da literatura.”
Oswaldo Cruz está, claro, na obra do dr. Begliomini, que é muito completa e certamente servirá de base para todos que quiserem estudar o tema. Como escritor e como médico membro da ABL, saúdo esta iniciativa com o maior entusiasmo. O assunto sempre me interessou e não poucas vezes pedi ao pessoal da Biblioteca da ABL material sobre o assunto. Agora, esta lacuna está preenchida, e brilhantemente preenchida, para satisfação de todos aqueles que acreditam em nosso país e em sua cultura.
Moacyr Scliar[*]
[*] Nota do autor: Moacyr Scliar foi o primeiro dos ilustres convidados que contatei a me entregar seu prefácio para este livro, e o fez no início do segundo semestre de 2010. Jamais poderia imaginar que faleceria antes de sua publicação.
Médico e escritor, Moacyr Jaime Scliar nasceu em 23 de março de 1937, em Porto Alegre (RS). Trabalhou como sanitarista e professor universitário. Afamado articulista de várias revistas e jornais, publicou 74 livros em vários gêneros: romance, conto, ensaio, crônica e ficção infanto-juvenil. Recebeu diversos prêmios literários ao longo de seus quase 50 anos de carreira, constando dentre eles, por três vezes(!), o cobiçado prêmio Jabuti, a mais tradicional distinção literária do País: em 1993, pelo romance Sonhos Tropicais; em 1988, pelo livro de contos O Olho Enigmático; e, em 2009, pelo romance Manual da Paixão Solitária.
Era o sétimo ocupante da cadeira no 31 da Academia Brasileira de Letras sob a patronímica de Pedro Luís.
Moacyr Scliar faleceu em sua cidade natal, aos 27 de fevereiro de 2011, com 74 anos incompletos, em decorrência de falência múltipla de órgãos após acidente vascular cerebral. Foi enterrado no dia 28, no Cemitério União Israelita de Porto Alegre.
Prefácio II: Jorge Carlos Machado Curi
Sinto-me honrado pelo gentil convite do colega Helio Begliomini para escrever o prefácio do livro Esculápios da Casa de Machado de Assis. Além de médico, o autor é um grande incentivador da Literatura Brasileira, participando ativamente de publicações voltadas a periódicos nacionais, em diversas modalidades como prosa, crônicas, ensaios, biografias, historiografia e cartas. É sócio fundador da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames, 1988), tendo exercido os cargos de vice-presidente e presidente. Desempenha funções de editor, editor-associado, membro do conselho editorial, do conselho de revisores e congêneres de revistas científicas e lítero-culturais.
Numa decisão louvável de levantar e homenagear médicos que ocuparam e ocupam as 40 cadeiras existentes da Academia Brasileira de Letras, o livro traz detalhes de seus patronos, curiosidades que interessam a classe médica. A Academia Brasileira de Letras foi idealizada no regime imperial pelo professor, poeta, historiador e político Afonso Celso e, no regime republicano, por Medeiros e Albuquerque, jornalista, magistrado e escritor. No entanto, foi em 20 de julho de 1897 que se consolidou a criação de uma academia de letras pelo então advogado, jornalista, magistrado e escritor Lúcio de Mendonça. E, para completar o time dos grandes imortais, foi eleito por aclamação seu primeiro presidente, Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), jornalista, cronista, dramaturgo e romancista, que se tornou presidente perpétuo da Academia Brasileira de Letras.
Em seus 114 anos, a academia contou com 24 filhos de Hipócrates, como descreve o autor, sendo seis médicos patronos. Trata-se de uma obra que resgata a história da Medicina nacional, homenageia a classe médica presente na Literatura Brasileira e destaca os primeiros romancistas médicos: Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882), que escreveu “A Moreninha”, em 1844; José Antonio do Vale Caldre Fião (1813-1876), autor de “Divina Pastora”, em 1847; e Manuel Antônio de Almeida (1831-1961), dono da obra “Memórias de um Sargento de Milícias”, de 1854.
A Academia Brasileira de Letras possui seis médicos como patronos: 1. Gonçalves de Magalhães (1811-1882); 2. Joaquim Caetano da Silva (1810-1873); 3. Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882); 4. Laurindo Rabelo (1826-1864); 5. Maciel Monteiro (1804-1868); 6. Manuel Antônio de Almeida (1830-1861).
Em 114 anos de história, outros 24 tornaram-se titulares: 1. Teixeira de Melo (1833-1907); 2. Francisco de Castro (1857-1901); 3. Afrânio Peixoto (1876-1947); 4. Oswaldo Cruz (1872-1917); 5. Antônio Austregésilo (1876-1960); 6. Miguel Couto (1864-1934); 7. Aloísio de Castro (1862-1954); 8. Constâncio Alves (1862-1933); 9. Cláudio de Sousa (1876-1954); 10. Fernando Magalhães (1878-1944); 11. Roque Pinto (1884-1954); 12. Ramiz Galvão (1846-1938); 13. Miguel Osório de Almeida (1890-1953); 14. Clementino Fraga (1880-1971); 15. Peregrino Júnior (1898-1983); 16. Maurício de Medeiros (1885-1966); 17. Ivan Lins (1904-1975); 18. Antônio da Silva Melo (1886-1973); 19. Afrânio Coutinho (1911-2000); 20. João Guimarães Rosa (1908-1967); 21. Deolindo Couto (1902-1992); 22. Carlos Chagas Filho (1910-2000); 23. Ivo Pitanguy (1926); e 24. Moacyr Scliar (1937).
Como todo começo, os primeiros anos da academia foram difíceis devido à situação financeira e locais indefinidos para as sessões ordinárias e reuniões, assim como entidades congêneres do país. Atualmente, com sede própria no Rio de Janeiro, réplica do Petit Trianon de Paris, sua biblioteca possui mais de 90 mil títulos e presta importante serviço à pesquisa literária, entre outras atividades abertas ao público.
A obra é dividida em três partes e traça um paralelo entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia Brasileira de Médicos Escritores. A primeira parte conta a história das academias, dos médicos escritores e da Academia Brasileira de Letras; a segunda refere-se aos patronos médicos da Academia Brasileira de Letras; e a terceira e última descreve os membros médicos da Academia Brasileira de Letras.
Ler Esculápios da Casa de Machado de Assis é mergulhar na história da Medicina, no mundo da Literatura; é voltar ao passado para entender o presente. Deixa-nos um painel da vida desses profissionais que incorporam a Literatura, a Arte e a experiência extramedicina em suas vidas. Parabéns a essas figuras preeminentes da história da Medicina.
Boa Leitura.
Jorge Carlos Machado Curi[*]
[*] Presidente da Associação Paulista de Medicina por dois mandatos (2005-2008 e 2008-2011).
Prefácio III: Raul Cutait
Este novo livro do profícuo médico e literato Helio Begliomini chama a atenção por seu objetivo, que é o de juntar as biografias dos 24 médicos que desfrutaram ou desfrutam da casa de Machado de Assis, a circunspecta Academia Brasileira de Letras. Ao se avaliar a história das vidas desses ilustres acadêmicos, fica a certeza de que, para alguns, a medicina foi o cerne de suas vidas, inclusive quanto à sua produção literária; enquanto que, para outros, o clamor pelas letras não voltadas à ciência foi tão contundente que os afastou, de forma parcial ou plena, do exercício de sua profissão.
Cabe refletir sobre a existência de algum elo que aproxima os médicos escritores de um modo geral, mesmo afastados pela grade do tempo. Para tanto, é necessário regredir à infância e adolescência do futuro médico, quando ele passa a vivenciar um processo interior que o ligará ao bem-estar de seus semelhantes, movido por uma natural curiosidade científica. Para ele, a leitura científica, por dever do ofício, é uma constante, embora isso não implique cercear a curiosidade por outros temas da vida, pelo contrário! Assim, o elo passa pela busca da saciedade intelectual e humanística.
Mas existe um outro elo, que une um grupo mais limitado de médicos, que é o escrever. Há aqueles que dedicam considerável parte de seu tempo redigindo temas científicos, os quais requerem clareza e objetividade, enquanto que outros se encaminham para o mundo da poesia, dos contos, das crônicas, dos romances, das histórias e estórias. Para esses, são necessárias outras prerrogativas, dentre elas a criatividade e a licenciosidade com as palavras. E existem ainda os médicos que se encantam pelo jornalismo, escrevendo sobre os mais diversos temas, da saúde ou não, onde clareza e concisão são fundamentais. O elo é a vontade – e sem dúvida o prazer – de passar para outros ideias, pensamentos, reflexões, sentimentos, sonhos.
Em Esculápios da Casa de Machado de Assis, Begliomini nos permite conhecer um pouco das vidas de médicos que ligaram sua própria história literária não apenas às ciências médicas e da saúde, mas também à literatura no seu sentido mais amplo. Conta-nos dos que foram patronos e titulares da Academia Brasileira de Letras, nomeando inclusive aqueles que iniciaram mas não completaram seus estudos de medicina, dentre eles o grande Olavo Bilac. Por ele constatamos que alguns acadêmicos deixaram sua maior herança escrita nas ciências, como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas Filho, Miguel Couto, Clementino Fraga e Ivo Pitanguy, enquanto que outros enriqueceram a literatura brasileira não científica, como Guimarães Rosa, Antonio Austregésilo e Moacyr Scliar.
A diversidade das vidas dos médicos da Casa de Machado de Assis reflete a pluralidade dessa respeitada instituição desde sua fundação, em 1897, e enriquece sua própria história. Aqueles que se interessam pelos que se imortalizam na Academia Brasileira de Letras, certamente, encontrarão neste substancioso livro informações que ajudarão a melhor conhecê-los.
Raul Cutait[*]
[*] Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; titular da cadeira no 23, sob a patronímica de Antonio Peregrino Maciel Monteiro – Secção de Cirurgia – da Academia Nacional de Medicina; titular e sexto ocupante da cadeira no 30 da Academia Paulista de Letras, sob a patronímica de Diogo Feijó.
Prefácio IV: Arnaldo Niskier
Entre os Notáveis, Muitos Médicos
Quando foi criada por um grupo de jovens escritores, a Academia Brasileira de Letras (ABL) aprovou o seu primeiro Estatuto, até hoje em pleno vigor, sem qualquer alteração, nos seus 114 anos de profícua existência. É a melhor comprovação de que Machado de Assis (o primeiro presidente) e Joaquim Nabuco (o primeiro secretário geral) estavam certos, nos postulados estabelecidos.
Um deles era a abertura para que na ABL pudessem existir, num saudável convívio, escritores de ofício e notáveis, de um modo geral. Entre estes, muitos médicos povoaram a Casa de Machado de Assis, dando brilho às suas sessões.
Podemos lembrar alguns nomes mais recentes, como o neurologista Deolindo Couto, que foi presidente do Conselho Federal de Educação, o cientista Carlos Chagas Filho, o crítico literário Afrânio Coutinho (que nunca exerceu a medicina, depois de formado na Universidade Federal da Bahia), o dr. Silva Mello, o dr. Miguel Couto, o dr. Afrânio Peixoto e o inigualável dr. Ivo Pitanguy, seguramente o maior cirurgião plástico do mundo, segundo consenso internacional.
Todos eles, é bom frisar, satisfizeram à dupla condição exigida para a inscrição na Casa de Machado de Assis: a nacionalidade brasileira e ter escrito pelo menos um livro em língua portuguesa. Além de notáveis em sua nobre profissão – a referendada pelo juramento de Hipócrates – também se tornaram eficientíssimos imortais, valorizando as ações da ABL.
Sei agora que o dr. Helio Begliomini, que tive o prazer de conhecer em São Paulo e a quem se deve creditar o brilho do livro “Asclepíades da Academia Paulista de Letras”, lançado em 2009 e de grande valor histórico e cultural, realizou uma obra complementar que não poderia faltar na bibliografia brasileira: o livro Esculápios da Casa de Machado de Assis. Trata-se de uma feliz iniciativa, com uma relação muito rica de personalidades que exerceram a dupla atividade de médicos de renome e acadêmicos exemplares.
Pela qualidade do material pesquisado e a própria biografia dos homenageados, pode-se inferir claramente que a obra fará sucesso, como acontece na carreira de bem-sucedido urologista do seu autor. Além de tudo, o trabalho foi escrito com paixão e inequívoca qualidade literária.
Arnaldo Niskier[*]
[*] Sétimo ocupante da cadeira no 18 da Academia Brasileira de Letras sob a patronímica de João Francisco Lisboa, e presidente desse sodalício no biênio 1998-1999.