... do livro “Sempre” de Carolina Ramos
Dizia a borboleta: “Acertas, sou vaidosa!
Não creias que ao dizer alcanças me insultar.
Em pleno paraíso eu vivo e sou formosa...
dos dons que recebi não posso me ufanar?!
É meu o espaço azul... em toda a plenitude!
Um reino que se expande ao céus e sem limites!
Bendigo a insensatez que o teu ciúme alude:
Eleva-me! Que ao solo, a rastejar, tu grites!
Pobre lagarta! Adverso é o teu destino!
A poeira da jornada encobre-te o horizonte;
enquanto eu vejo, do alto, o mundo pequenino,
um seixo é um muro hostil, vedando a tua fronte!
As flores a corola entreabrem ao meu beijo.
E o néctar, perfumado, ofertam-me a sorrir!
Ao chegares, porém, quanta repulsa eu vejo
no trêmulo e baldado anseio de fugir!
E é fácil de entender... Sutil, minha carícia
supera na leveza o airoso colibri.
Meu suave e lento aflar, do zéfiro a blandícia,
a rodopiar no azul, vencer eu consegui.
Pisas tu, vulgarmente, em volteios sinuosos,
a pétala aromada e pálida de horror!
Maculas com teus pés, grosseiros, pegajosos,
a face virginal, tão pura, de uma flor!
Que enorme diferença existe entre nós duas!
Tua figura hedionda exalta-me a beleza!
Abjeta, a rastejar na humildade, acentuas
meu grácil volutear, meu porte de princesa!
E então?... ousas lagarta, ainda censurar-me?!
A mim, que espelho o anil dos céus... das águas rasas...
e douro a mão profana e impura se ao tocar-me,
desliza no ouro em pó que trago em minhas asas!
Verme inútil... Adeus! A vida eu tenho à espera!
Vaidosa, sim, eu sou! - afirma o que quiseres!
Em resposta, me entrego ao sol da primavera
que de flores recobre espinhos que me deres!”
A lagarta, impassível, segue silenciosa.
Leviana, a borboleta, aflando asas de seda,
afasta-se a ondular na brisa perfumosa,
a perder-se, feliz... na florida vereda!
Borboleta insensata! Em seu orgulho olvida
que um dia foi lagarta... e feia e desprezada!
Há tanta gente assim, vaidosa, já esquecida
do quanto rastejou, humilde, sem ter nada!
É mais fácil brindar os louros do presente,
a taça de ilusões a borbulhar à farta!
- E a humana borboleta esquece, ingenuamente,
que a farsa não destrói... seu rastro de lagarta!