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  • Fonte: Helio Begliomini

foto cirurgia 14072

Era uma mesa cirúrgica como outra qualquer. Metálica, flexível, funcional.

Era uma equipe cirúrgica como outra qualquer. Cirurgião, primeiro auxiliar, segundo auxiliar, instrumentadora, anestesista, enfermeiras.

Era uma cirurgia de médio porte como outra qualquer. Histerectomia e anexectomia bilateral (Figura 1). Idêntica em tudo a muitas que já vi.

Figura 1 – Ilustração de um útero miomatoso (aumentado e deformado pelo crescimento de nódulos de músculo liso) após extração cirúrgica.

Era uma paciente como outra qualquer. Simples, apreensiva, desconfiante, esperançosa.

Todavia pairava em meu ser algo que não era trivial, corriqueiro...

Sim, ao ver na vasilha cirúrgica aqueles ovários, trompas e útero todo crescido, deformado, patológico... senti que todo o esplendor do ato gerador estava extinto naquela senhora. Como se fosse um ponto final – solitário e contundente. Evidenciava-me que a cooperação com a vontade divina de crescer e multiplicar tinha sido inexoravelmente abolida. Visualizei que a colina da vida da realização humana daquela senhora já tinha sido alcançada, restando agora a sua devida e desproporcional descida.

Compreendi que aquela trompa onde fui gerado, e aquele útero onde fui carinhosamente albergado, nutrido, aquecido... já tinham cumprido suas missões.

Senti algo como se fosse cortado meu segundo cordão umbilical e contemporizada mais uma das escondidas e inefáveis facetas do Criador, que aprouve por bem conceder-me o maior de todos os presentes que é... o Dom da Vida!

1 Crônica escrita por ocasião de meus 33 anos, em 1988, e inspirada ao ver minha querida mãe ser operada. Publicada na coletânea “Por um Lugar ao Sol”, da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores do Estado de São Paulo (Sobrames – SP). Centro de Estudos Americanos “Fernando Pessoa” e Editora Gráfica Nagy Ltda., São Paulo, 1990, página 45.