Contemplando aquele corpo inerte... gélido... pálido...
Aquele ser que já tinha experimentado as alegrias e dissabores que a vida podia conceder...
Aquele rosto retilíneo, sereno, imóvel, abatido pelos contratempos e modificações que a existência impõe...
Aquelas mãos sobrepostas numa atitude de entrega... humildade... de esvair-se... de abrir-se... de mostrar-se... de despedir-se...
Aqueles olhos que não mais enxergam; aqueles pulmões que não mais respiram; aqueles ouvidos que não mais escutam; aquele coração que não mais trabalha...
Pude absorver serenamente mais um capítulo da lição de igualdade e fraternidade que Deus nos ensina – por mais gritantes que sejam as distorções culturais, sociais, intelectuais, econômicas, geográficas e históricas... haverá sempre comunhão em nossa natureza humana.
Todos, ao adentrarmos nesta vida, passamos pela mesma porta; necessitamos impulsionar o mesmo ar para dentro do peito; precisamos sentar à mesa para alimentarmo-nos; utilizar rotineiramente a mesma latrina para depositar os mesmos excrementos; dar um adeus e sair pela mesma porta da morte.
Sim... todos somos iguais!
1 Texto inspirado ao contemplar o corpo esvaído pela morte de uma senhora conhecida, que tinha sido minha paciente. Publicado na coletânea “Por Um Lugar ao Sol”, da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores do Estado de São Paulo (Sobrames – SP). Centro de Estudos Americanos “Fernando Pessoa” e Editora Gráfica Nagy Ltda., São Paulo, 1990, página 46.