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  • Fonte: Márcia Etelli Coelho

Premiado em terceiro lugar no Concurso ABRAMES

(Mensagem para Almeida)marcia ettelli coelhoreinalr

 

"Entro no barco, animado, embora um pouco inseguro.

Desisti de exercer a Medicina.

Não assinei um livro que eu escrevi.

Será a política a minha verdadeira vocação?

O mar está agitado. Parece me cobrar uma posição definitiva.

Poderei eu deixar um legado para o futuro?

Quem saberá me responder?"

 

     Estimado Manuel Antônio de Almeida

     Passados tantos e tantos anos, não sei se a energia das minhas palavras conseguirão chegar até você, pelas ondas serenas do mar ou por algum dos muitos mistérios da natureza,

     Acontece que o barco a vapor Hermes onde você estava, naquele 28 de novembro de 1861, naufragou na costa fluminense e você, infelizmente, não sobreviveu.

     Seus amigos lamentaram os sonhos desfeitos, assim de repente, de alguém que mal completara trinta anos de idade.

     Muito jovem...

     E justamente pela vida breve que lhe foi concedida, permita-me tratá-lo por "você", mesmo porque o século 21 é bem menos formal do que a sua época.

     O respeito, porém, é grande por tudo que você representa na Literatura brasileira.

     Sim! Você conseguiu deixar um legado importante, mesmo tendo escrito um único livro.

     Saiba que até hoje, seu aniversário, 17 de novembro, é celebrado por muitos dos seus admiradores.

     E alguns episódios da sua vida estão registrados e divulgados pelos modernos meios de comunicação. Meios tão surpreendentes que nem a sua mente fértil imaginou.

     Eu sei, por exemplo, que sua infância apresentou muitas dificuldades financeiras, principalmente depois de ficar órfão de pai com apenas dez anos de idade.

     Ainda uma criança...

     Imagino como deve ter sido assolador!

     Como entender o sentido do ciclo da vida nessa idade se até mesmo eu, já me aproximando da velhice, ainda fico perplexa com os imprevistos implacáveis do destino?

     Talvez seus estudos na Academia de Belas Artes tenham aliviado a dor da separação.

     Tomara que sim!

     Sempre acreditei que pela arte expressamos sentimentos, extravasamos as penúrias e esquecemos as atribulações, nem que seja por alguns momentos.

     Uma proeza, porém, lhe aguardava: Entrar na Faculdade de Medicina da Corte aos 17 anos de idade.

     Que orgulho sua mãe deve ter sentido!

     Pena que ela faleceu três anos antes de você se formar. E o que já estava difícil, tornou-se ainda mais desafiador, não é mesmo?

     O jeito foi começar a trabalhar no Correio Mercantil... Fase que exigiu muito esforço, conciliando os estudos intensivos com o trabalho.

     Pois é! Às vezes somos levados pelas circunstâncias.

     Mas nada é por acaso. E seu talento, aos poucos, se destacou com os capítulos da sua novela "Memórias de Um Sargento de Milícia" que durante um ano entreteve os leitores do suplemento "A Pacotilha".

     Até aí, tudo bem...

    Só não entendi porque você, depois de tanto sacrifício, desistiu de exercer a profissão de médico. Muito estranho 1855 marcar o orgulho de sua formatura e o início dos atendimentos clínicos de sua turma, mas para você representar o fim de um sonho.

     Diploma em uma mão, tinta na outra...

     Você optou por seguir o caminho das letras, decisão que eu respeito plenamente. Afinal, cada um deve ter a liberdade de escolher o que mais lhe convém...

     Decisão que deu certo.

     Alguns anos depois você recebeu uma merecida promoção como administrador da Tipografia Nacional.

     Uma dádiva ter conhecido lá Machado de Assis que na época era aprendiz e que você orientou e incentivou.

     1852... 1853...

     Os fascículos do "Memórias" eram editados no jornal, atraindo a atenção de todos.

     Era de se esperar que a crítica, em geral, não fosse favorável ao seu estilo realista e à sua linguagem mais popular. Nem todos aceitaram esse afastamento dos costumeiros padrões românticos.

     Leonardo, seu personagem, antes de se tornar sargento, era malandro e você teve a coragem de desmitificar a figura do herói idealizado.

     Corajoso, heim?

     Bem... Talvez nem com tanta coragem assim...

     Você publicou os folhetins sem assinar o seu nome verdadeiro! E mesmo depois de reunir todos os capítulos e editar o livro completo, simplesmente assinou "Um Brasileiro".

     A história necessitou dois volumes: Um publicado em 1854 e o outro, em 1855.

     Mas saiba que em 1863, a terceira edição recebeu o seu nome como o real autor. Um crédito póstumo... Mais do que justo...

     Interessante é que, embora de início tenha desagradado a crítica, o público aceitou bem a inovação.

     Sucesso garantido!

     Com o tempo, os críticos se renderam e concederam para o "Memórias de Um Sargento de Milícia" o título de primeiro romance urbano brasileiro.

     Legal, não?

     Com certeza, a sua infância pobre ajudou você a escrever o livro, registrando o ambiente da classe humilde e a linguagem simples do povo. No fundo, um reflexo da sua própria experiência.

    Surpreende também que esse perfil da classe popular carioca, mesmo com todas as dificuldades, se faz com descontração e com toques de humor. Mas não é alienado, não! Pelo contrário, é um romance de costumes, intercalado com crítica social.

     Um precursor do Realismo.

     As histórias da época geralmente se concentravam em personagens aristocráticos direcionados para a elite da sociedade do Rio de Janeiro durante o reinado de Dom João VI.

     Colocar um protagonista do povo realmente foi inovador: um menino travesso que se transforma em um jovem malandro, interesseiro, que frequentava bares e se entregava à vida boêmia.

     Interessante é que, apesar desse lado realista, você ainda é considerado um escritor romântico, principalmente porque concedeu ao seu personagem, um final feliz. Ele se casa com Luisinha. E, pela experiência na malandragem e por conhecer muitas pessoas, o chefe de polícia acaba escolhendo o Leonardo para ocupar o cargo de sargento de milícia.

     Milícia, hoje em dia, tem uma conotação diferente, pois o que deveria ser uma tropa que ajudasse a manter a ordem nas pequenas comunidades, acabou se transformando em um poder paralelo, competindo com o poder de traficantes de drogas a ponto de não saber mais quem é "mocinho" e quem é "bandido".

     Mas no livro, a milícia ainda servia ao povo, e o cargo daria para Leonardo a oportunidade de um futuro feliz.

      Assim, você é considerado um escritor romântico...

     Ora! Não apenas mais um escritor romântico, mas sim, um dos maiores escritores românticos brasileiros em prosa. Seu nome está incluído na seleta lista onde se destacam José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Machado de Assis e Bernardo Guimarães.

     Tal foi a sua importância que em 1897 fundou-se a Academia Brasileira de Letras com o objetivo de cultivar a literatura brasileira e a língua portuguesa.

     Com sede no Rio de Janeiro, visava agregar destacados escritores de todo o Brasil.

     E o seu nome, Manuel Antônio de Almeida, foi escolhido para ser patrono da cadeira número 28, cujo primeiro ocupante foi Inglês de Sousa.

     A Academia até hoje é composta por 40 ilustres escritores e são conhecidos como "imortais".

     E como tudo se encadeia na vida, quem fundou e teve a honra de ser o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras?

     Machado de Assis...

     Justamente aquele aprendiz de tipografia onde você era administrador. Uma amizade que nasceu ali e que perdurou mesmo quando cada um seguiu o seu caminho.

     Machado de Assis foi convidado para trabalhar como repórter e jornalista no "Diário do Rio de Janeiro", alcançando sucessivas promoções. Escreveu peças para teatro, poesias, até optar pelos romances que o consagraram como um dos maiores escritores brasileiros.

     Você foi nomeado Segundo Oficial da Secretaria de Negócios da Fazenda e tentou entrar na política, se candidatando à Assembleia Provincial do Rio de Janeiro.

     E justamente quando iniciava a sua campanha para deputado, resolveu viajar para Campos para conversar com os eleitores.

     Mas aí... próximo a Macaé... aconteceu o naufrágio... e tudo acabou...

     Acabou, não!

     A Literatura tem a magia de perpetuar pensamentos e sentimentos, ultrapassando gerações.

     Prova disso foi a edição em 1991 de uma coletânea de suas crônicas, críticas e artigos publicados nos diversos jornais da época, além de algumas correspondências. Este material foi fruto da pesquisa de Bernardo de Mendonça e recebeu o título de "Obra Dispersa".

     Ah! Existe também uma peça de teatro que você escreveu: "Dois Amores". Mas essa, não teve jeito... Não fez sucesso...

     Sucesso mesmo mereceu o "Memórias de Um Sargento de Milícia" com amplo reconhecimento nacional e internacional.

     Tanto que... Se em 1897 você foi escolhido para ser o patrono da cadeira 28 da Academia Brasileira de Letras, em 1987 seu nome foi eleito para patrono de uma outra importante Academia Literária.

     Patrono não só de uma cadeira, mas de toda a Academia em si.

     Academia Brasileira de Médicos Escritores - ABRAMES, com sede no Rio de Janeiro, fundada justamente em 17 de novembro, data comemorativa do seu nascimento.

     Ela foi fundada por Marco Aurélio Caldas Barbosa em uma bonita cerimônia no anfiteatro Miguel Couto do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia.

    Para dizer a verdade, a ideia de criar uma Academia que reunisse médicos escritores surgiu com o Dr. Mateus Vasconcelos, que já havia sido presidente da SOBRAMES - Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Uma lástima ele ter falecido antes da oficialização da ABRAMES. Mas, em compensação, o Dr. Vasconcelos foi escolhido para ser o patrono da cadeira número 1.

     Patrono realmente é uma figura importante para as Academias: serve de exemplo e até cria uma egrégora de proteção.

     As Academias conferem aos seus membros o título de "imortais". E essa imortalidade se deve não só pelos seus escritos que podem encantar muitas e muitas gerações, mas também pelo comprometimento de cada um que ingressa na Academia de homenagear o patrono, o fundador da cadeira e todos os seus antecessores, enaltecendo suas obras. Um elo literário que mantém na memória todos os seus integrantes.

     A ABRAMES é composta por 50 membros titulares, além de membros eméritos, honorários, beneméritos e correspondentes. Ela está sempre a incentivar a produção literária de seus filiados. E em 1998 instituiu o Prêmio Manuel Antônio de Almeida para o médico abramista que tivesse um número significativo de obras publicadas de reconhecida qualidade.

     É o seu nome mais uma vez lembrado todos os anos...

     Eu, com muito orgulho, sou membro titular da ABRAMES, tentando conciliar Medicina com Literatura. Confesso que nem sempre é fácil, mas são duas paixões a que eu me dedico.

     Não penso em abdicar de nenhuma delas... Pelo menos, não, por enquanto...

     Hoje, em frente ao belíssimo mar do Rio de Janeiro, espero que suas ondas levem esta mensagem até você.

     Pensando em sua trajetória, estimado Almeida, sou eu quem, neste momento, me inquieto:

     Se a vida é tão curta para os muitos sonhos que ainda tenho, será que terei tempo para realizá-los?

     Será que minhas prosas e poesias conseguirão ultrapassar gerações?

     O sol se põe e as ondas seguem, tranquilas, em um vai e vem que parece me ensinar sobre os ciclos da vida...

     O vento suave me acaricia... Mesmo assim, eu continuo a me questionar:

     Que legado deixarei para o mundo?

     Quem poderá saber?