O Brasil é o país do futuro. Desde que o judeu austríaco Stefan Zweig publicou um livro em 1941 utilizando essa expressão, o povo brasileiro acreditou que um dia poderia viver em real prosperidade e alcançar o supremo destaque mundial.
Zweig havia se radicado na cidade de Petrópolis (RJ), fugindo do nazismo, e escreveu o ensaio “Brasil, o País do Futuro” com observações dos diversos hábitos regionais sob a sua ótica crítica e encorajadora de estrangeiro.
Nas décadas seguintes, aos poucos, os brasileiros incorporaram em si a esperança e o orgulho de serem privilegiados. Alguns se prepararam para novas conquistas, investindo no trabalho e nos estudos. Outros, porém, simplesmente se acomodaram.
Acontece que o futuro é a inquestionável consequência do aprendizado passado com as ações do presente. E se negligenciarmos algum desses fatores, o sonho de um mundo melhor dificilmente se concretizará.
A proporção correta com que valorizamos esses três períodos favorece a conquista da felicidade e a compreensão do verdadeiro sentido da vida. Na prática, todos os três são importantes embora, em essência, comprovamos que a vida se manifesta unicamente no presente.
Existe até uma expressão em latim que ainda é utilizada na atualidade: “Carpe Diem” que significa “colha o dia, aproveite o presente”. Uma expressão citada pelo poeta Horácio (65 - 8 AC.) no livro I de Odes. Torna-se necessário salientar que Carpe Diem não estimula o imediatismo nem o prazer sem responsabilidade. Antes, aceita que a vida é efêmera e por isso deve ser desfrutada da melhor forma possível.
Segundo o Dalai Lama Tenzin Gyatso: “Somente em dois dias no ano nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã. Portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver”.
De fato, pensando bem, futuro e passado são irreais.
O futuro é uma incógnita, deveras incerto, e muitas vezes se manifesta diferentemente daquilo que idealizamos.
O passado, por sua vez, é imutável, sim. Mas a nossa percepção sobre os acontecimentos antigos pode ser alterada dependendo da emoção com que nos encontramos, do ângulo analisado, do detalhe lembrado ou do pormenor esquecido.
Apenas o presente é real embora nossa mente manifeste a tendência a voltar ao passado ou pular para o futuro com extrema facilidade.
Muitas pessoas são prisioneiras do passado, amargurando ressentimentos e culpas. Em algumas situações apegam-se às lembranças de um período feliz que nunca mais retornará e constantemente se lamentam: “Ah! Que saudade... No meu tempo as coisas eram bem melhores”.
“No seu tempo?”. Erroneamente elas esquecem que, enquanto viverem, o “seu tempo” sempre será o atual...
Outros indivíduos, ao contrário, vivem em função de planos a longo prazo, atolam-se com excessivas tarefas e desgastam sua energia com inúteis ansiedades.
Acreditam que só serão realmente felizes “se” tiverem dinheiro, “quando” conseguirem sua casa própria ou “no dia” em que encontrarem o sincero amor. Evidente que uma vida com objetivo é mais interessante e prazerosa do que a simples atitude de sobreviver. Os sonhos nos motivam, os projetos nos impulsionam, mas é o que fizermos no presente que determinará a possibilidade concreta das metas se realizarem.
Se o passado é memória e o futuro é imaginação, o presente é a ponte que une e concilia os dois. Como então mantê-la firme e segura?
Sem dúvida começando por aprender a extrair de cada momento um significado e valorizar cada acontecimento no exato instante em que ele ocorre. Nem antes, nem depois.
Quantas vezes já não cantamos com Gilberto Gil “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”? Até porque concordamos com Renato Russo que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã porque se você parar para pensar, na verdade não há”.
Por que então pensamos tanto no futuro e não enxergamos a simples beleza que o cotidiano pode conter?
Muitas vezes uma noite de sono agita-se pelo medo de um compromisso a se realizar no dia seguinte. O prazer de um gostoso almoço pode ser neutralizado pela preocupação com a próxima reunião de negócios. E ao nos preocuparmos exageradamente com o futuro permitimos que o presente passe despercebido, gerando intensa insatisfação.
É comum a reclamação quanto à mesmice do dia a dia ou à chatice do cotidiano em que quase tudo é sempre igual. Mas o que muitas vezes não se percebe é que as coisas se tornam banais porque não depositamos nelas a nossa atenção e a nossa energia.
Por vezes, em determinadas situações, agimos como Sísifo, um personagem mitológico que foi condenado pelos deuses a empurrar uma enorme pedra até o topo de uma montanha. A pedra, porém, sempre rolava antes de chegar ao cume...
O topo da montanha nada mais é do que a simbologia do futuro que, por definição, nunca é alcançado. Mas... Se não o alcançamos, terá sido em vão todo o esforço empregado?
O ganhador do Prêmio Nobel Albert Camus concluiu em 1942 o “O Mito de Sísifo – Ensaio Sobre o Absurdo” com extrema propriedade:
“... A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.”
Se seguirmos esse raciocínio, podemos afirmar que cada passo da jornada por si só concentra a essência da vida.
Quantas vezes já não comprovamos que o caminho é mais atraente que a chegada ao destino ou a preparação da festa é mais agradável do que o evento em si? Está provado também que o verdadeiro sucesso consiste na trajetória e não unicamente no resultado final. E quando é que vivenciamos o caminho, a preparação e a trajetória? Apenas no momento presente com o seu inestimável valor, embora seja tão fugaz.
Nesse contexto, quem está certa na fábula de Esopo e Jean de La Fontaine? A cigarra que vive cantando durante todo o verão sem se preocupar com o inverno ou a formiga que continuamente trabalha acumulando provisões em seu formigueiro?
O questionamento é tão controverso que a fábula apresenta diversas versões. Na original, assim que chega o inverno, a formiga deixa a cigarra do lado de fora entregue à própria sorte. Em outra adaptação, a formiga reconhece que a cantoria da cigarra tornou o seu trabalho mais alegre e permite que ela se abrigue no formigueiro. Na versão mais contestadora, ambas morrem devido ao rigoroso inverno, concluindo que “a gente só leva dessa vida o que a vida leva”. Ou como Paulo Leminski sabiamente afirmava: “Nada se leva. A não ser a vida levada que a gente leva”.
Talvez a moral da estória esteja no equilíbrio tal qual preconizou Sidarta Gautama, o Buda, em seu caminho do meio, em que para tudo há de haver moderação e a correta harmonia. Nem excesso de tarefas nem exclusivo lazer... Nem visão imediatista nem excessiva idealização futura.
Quem sabe o segredo esteja nas palavras do mestre Jesus durante o sermão na montanha: “Por que andais ansioso pelo o que haveis de vestir amanhã? Considerai os lírios do campo. Eles não trabalham nem fiam, contudo vos digo que nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles”...
Um incentivo ao comodismo? Inércia? Não! Simplesmente a sabedoria de não nos preocuparmos com o que não se encontra sob o nosso controle. Dedicação e esforço para o que cabe a cada um realizar... Fé e desprendimento para o que não depende da nossa vontade.
E mais uma vez se constata a importância do tempo presente, pois só nele é possível encontrar respostas e soluções. Assim, mesmo cientes de que nem tudo depende de nós, a verdade é que a maneira como enxergamos e valorizamos a vida interfere, e muito, na conquista do bem-estar e da felicidade.
O passado, com suas alegrias ou tormentos, não pode ser revivido, mas nos oferece aprendizado e experiências que nos auxiliam a ter um presente prazeroso e esse, por sua vez, favorece um futuro promissor.
Então, Brasil, o que estamos esperando para sermos “agora” o país do futuro? Se o Brasil é cada um de nós, comecemos por cuidar do presente e usufrui-lo sem egoísmo, individualismo ou leviandade. E fazer valer a premissa do grande escritor e folclorista Mário de Andrade: “Minha obra toda badala assim: Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil”.
Não há como negar a situação atual de instabilidade que nos impulsiona a conter gastos supérfluos, evitar desperdícios e economizar não só dinheiro, mas também recursos naturais como água e energia elétrica. Mas economizar sentimentos, fraternidade ou esperança? Totalmente ineficaz.
“A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente” afirmava o ilustre psicanalista, educador, teólogo e escritor mineiro Rubem Alves.
E é nesse presente que haveremos de encontrar a saída para tantos desajustes pessoais e sociais, zelando pelo respeito, educação, ética e cidadania. Só assim, finalmente, será possível concretizar a bonita mensagem do poema “Mãos Dadas” no qual Carlos Drummond de Andrade nos convida a seguirmos juntos, pois o “tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”.