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  • Fonte: Carlos Ferrara Junior

A Economia de Comunhão (EdC) é uma possibilidade de gestão originada a partir do Movimento dos Focolares e, tem como principal atributo, a possibilidade de diminuir as diferenças sociais e a miséria enfrentada por certos grupos da população de todo o mundo.

  • O MOVIMENTO DOS FOCOLARES

Carlos Vergara 1 6d88dO Movimento dos Focolares surgiu em Trento, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial (1943) pela Sra. Chiara Lubich, com a intenção de ajudar os mais carentes que residiam nos bairros degradados daquela localidade. Chiara e suas companheiras os acolhiam e cuidavam, oferecendo-lhes refeições com suas melhores louças em suas moradias, oferecendo-lhes os lugares de honra à mesa. (FERRUCCI, 1999: p.34)

Alberti Ferrucci, na obra organizada por Luigino Bruni, no capítulo intitulado “Uma dimensão diferente da economia: a experiência Economia de Comunhão” afirma “Na época, muitos habitantes de Trento foram envolvidos pelo modo de viver de Chiara e de suas primeiras companheiras, e, em poucos meses, debaixo dos bombardeios, nasceu uma comunidade de quinhentas pessoas que partilhavam seu estilo de vida. Naquela comunidade havia-se repetido o milagre dos primeiros tempos do cristianismo: “Não havia entre eles nenhum necessitado”. O corredor da casa de Chiara e de suas companheiras estava sempre repleto de sacos de farinha, de batatas, de roupas, de sapatos, que chegavam, eram distribuídos e logo repostos por novas doações”. (FERRUCCI, 1999: p.34).

Pode-se então constatar que o movimento dos focolares (fogo ou fogueira no lar, em italiano), surgiu nas reuniões de Chiara Lubich e suas companheiras dentro de suas próprias casas, no ano de 1943. Essas jovens católicas apegadas à ideia de que Deus é amor, discutiam o que fazer para afastar a indigência e as guerras do planeta. E para concretizar essa ideia começaram por prestar socorro a idosos, feridos e aos pobres de Trento, na Itália, dispondo de poucos recursos para ação, ou mesmo da presença de seus pais refugiados nas montanhas próximas. Estavam inspiradas nas primeiras comunidades cristãs, dedicando-se ao auxílio dos necessitados. Esse foi o início do Movimento dos Focolares.

O movimento objetiva levar a fraternidade universal pela prática da espiritualidade da unidade entre os povos (LUBICH, 1999). Procura promover o diálogo entre cristãos de diferentes confissões de fé, que anseiam por valores universais (GONÇALVES, 2005). Concebia-se na formação do movimento focolarino, a construção de uma unidade chamada de comunhão, que deveria ter reflexos sobre o mundo econômico e do trabalho (LIMA, 1999).

Segundo Burckart (2002), o Movimento dos Focolares baseia-se “numa visão antropológica, caracterizada pela superação dos subjetivismos (com todas as suas formas modernas, como o individualismo e o liberalismo), por meio de um estilo de vida comunitário”.

O movimento começou na Itália, mas a partir de 1958, alastrou-se pela Europa e pelos outros quatro continentes e tem hoje aproximadamente mais de 8,5 milhões de filiados. Foi aprovado oficialmente pelo Papa João XXIII, em 1962, e seu estatuto teve a aprovação da Santa Sé em junho de 1990. Ele orienta o comportamento de diversas comunidades, chamadas de “Mariápolis”. A primeira Mariápolis Brasileira esta, sediada na cidade de Recife sendo denominada Mariápolis Nordeste.

Foi no ano de 1958 que o movimento chegou ao Brasil, espalhando-se por todo o país, atraindo pessoas de todas as categorias sociais (ARAUJO, 1998). As cidades de Maria serviram inicialmente como centros de espiritualidade, estudos e debates, mas vieram a se transformar em polos empresariais.

Quando a guerra terminou as primeiras mulheres “focolarinas” se transferiram para algumas cidades da Itália, por motivos de estudo e de trabalho. E não faltaram convites de pessoas que desejavam conhecer e difundir a outros a experiência delas.

A primeira etapa foi Roma, para aonde a própria Chiara, a fundadora, se transferiu, em 1948, e depois Florença, Milão, Siracusa, etc. Em 1956 iniciou a difusão na Europa, em 1958 na América Latina, em 1961 na América do Norte. No ano de 1963 chegou a vez da África, 1966 da Ásia e 1967 da Austrália.

Em meados dos anos 60, na grande Florença, na Itália, foi fundado um Centro de Estudo, trabalho e testemunho dessa nova filosofia de vida (FERRUCCI, 1999: p.34). Com o passar dos anos, esse pequeno Centro de Estudo foi transformando-se em uma pequena cidade, com a instalação de famílias e fábricas, provenientes de diversas partes do mundo e, atualmente, espalhados pelo mundo todo, existem mais de 20 desses núcleos do Movimento dos Focolares, genericamente chamados de Mariápolis, nome que significa “cidade de Maria” referenciando-se a Maria, mãe de Jesus Cristo, considerado o filho de Deus nas religiões cristãs.

Atualmente, o Movimento dos Focolares encontra-se presente em mais de 180 países, conta com cerca de dois milhões de aderentes e simpatizantes, predominantemente católicos, mas não só. De maneiras variadas, participam dele milhares de cristãos de Igrejas e comunidades eclesiais, muitos seguidores de outras religiões, entre os quais judeus, muçulmanos, budistas, hindus, sikhs e pessoas de convicções não religiosas. Todos participam, segundo a própria consciência e fé religiosa, de modos diferentes do movimento e da sua espiritualidade (BUGARIN, 2005)

A partir dessa vivência e, com os desiquilíbrios na concentração de renda entre países e entre classes sociais, principalmente em países periféricos percebidos pela Chiara Lubich e que permanecem como um dos grandes problemas da atualidade, foi impulsionada a possibilidade de criação do projeto de EdC.

Segundo Chiara Lubich “Quando a propus (EdC), com certeza não tinha em mente uma teoria. Vejo, entretanto, que ela chamou a atenção de economistas, sociólogos, filósofos e estudiosos de outras disciplinas, que encontram nessa experiência nova e nas ideias e categorias a ela subjacentes, motivos de interesse que vão além do Movimento, no qual ela historicamente se desenvolveu. Em particular, há quem entreveja na categoria de “comunhão” uma nova chave de leitura das relações sociais, que poderia contribuir para superar a postura individualista que hoje prevalece na ciência econômica”. (LUBICH, 1999: P.19)

  • ECONOMIA DE COMUNHÃO

Quando a Italiana Chiara Lubich (fundadora) propôs o projeto da EdC, ela não pensou em uma construção teórica e acadêmica, mas em uma resposta concreta a uma necessidade real da sociedade – a miséria.

A bibliográfica sobre EdC, começa com os escritos de sua fundadora, Chiara Lubich. São textos doutrinários, que caracterizam o movimento e o projeto como um movimento social, cujos fundamentos estão nos Evangelhos e na Doutrina Social da Igreja. Com efeito, no campo da cientificidade, algumas contribuições de profissionais que se vincularam ao movimento, se apresentavam como perspectiva teórica.

Mas, quando o projeto começou a se tornar realidade ela convocou a comunidade acadêmica para estudá-lo (LUBICH, 1999: p.13).

Segundo Villardi, Leitão e Marques, em 2006 já existiam 291 estudos acadêmicos entre eles monografias, dissertações e teses, sobre o assunto, catalogados no banco de dados do escritório central do projeto de EdC na Itália (VILLARDI, LEITÃO E MARQUES, 2007). Atualmente, é possível consultar inúmeros trabalhos acadêmicos (monografias, dissertações e teses) através do site http://www.ecodicom.net/tesi.php.

Vários trabalhos foram consultados a partir dos descritores elencados no resumo desta tese. Elegemos 6 (seis) trabalhos que foram cuidadosamente lidos e utilizados para a redação desta pesquisa acadêmica.

A comunidade acadêmica começa, portanto, a manifestar interesse pela pesquisa nessa nova forma de economia solidária no sentido de partilha. Para Almeida e Leitão, seu potencial transformador da vida e da forma de gestão é o fato gerador do crescente interesse da comunidade acadêmica por aquele projeto que associa gestão de empresa com espiritualidade cristã (ALMEIDA e LEITÃO, 2003).

Em seus 25 anos de existência, o projeto em pauta, EdC, se apresenta como uma via alternativa para a completa instrumentalização da vida empresarial e da vida associada como um todo. Uma alternativa para o consumismo e o utilitarismo dominantes na lógica do mercado, potencialmente capaz de transformar a atual forma de gestão capitalista. Essas empresas estão mudando o paradigma dominante e a ideologia produtivista que lhe dá sustentação, ao se orientarem para uma forma de economia solidária, de partilha. Talvez, o mais importante sobre elas, seja estarem demonstrando quanto ao que pode ser feito, quando se tem vontade política para fazê-lo, diferenciando o que é factível da utopia, a partir de uma motivação de origem espiritual (PINTO e LEITÃO, 2006).

O projeto EdC luta contra a pobreza e a exclusão. É a cultura do dar e não a cultura do ter. Seus objetivos centram-se no ser humano e tem no critério o rendimento do capital investido na humanização das relações. É a pessoa e não o capital que está no centro da questão (ARAUJO, 1998).

Conforme preleciona Araujo, existe finalmente um modo de dar que se abre ao indivíduo ou à pessoa, no respeito à sua dignidade, e suscita, inclusive na esfera da gestão das empresas, experiências do “dai e vos será dado” que às vezes se manifesta como uma receita inesperada ou na genialidade de uma solução técnica inovadora, ou na ideia de um novo produto de sucesso. (ARAUJO, 1998)

Segundo Biela, (1998) o movimento dos focolares tem quatro dimensões complementares entre si: social, moral, religiosa e econômica. Desta última, surgiu o então projeto da EdC.

Chiara Lubich, para reduzir as desigualdades, queria reunir empresas eficientes que gerassem lucros a serem partilhados: uma parte aos pobres, outra para o reinvestimento no próprio negócio e a terceira, para a formação de um “homem novo” a partir dos colaboradores. Daí surgiu o projeto EdC, reunião de organizações privadas em todos os sentidos, plenamente inseridas no mercado, que salvaguardam a propriedade particular dos bens, mas colocam o lucro – finalidade da empresa – em comunhão. (BRUNI, 2005: 25).

Tratava-se, portanto, de uma iniciativa que levou a sério a comunhão, inclusive na concretude da vida econômica e civil.

  • O SURGIMENTO NO BRASIL

O projeto foi lançado no Brasil, em maio de 1991, em âmbito mundial, em Vargem Grande Paulista, no estado de São Paulo, para ser a versão empresarial e econômica do movimento, pois, segundo Lubich (2004), sua líder carismática, era preciso levar seus princípios a uma ação concreta e transformadora. Em visita ao Brasil, ficou impressionada com a extrema miséria e com as muitas favelas que, como “coroa de espinhos”, circundavam a cidade. Uma impressão profunda causada principalmente pelo enorme contraste entre aqueles barracos e os muito arranha-céus luxuosos (BRUNI, 2005: 26). Dessa experiência nasceu a necessidade de estender a dinâmica da comunhão individual dos membros dos Focolares – que já praticavam desde seus primórdios, em Trento na Itália – às empresas, convidando empresários e acionistas a colocar o lucro delas em comum. E, naquele início, a ideia se apresentava com a necessidade do lucro das empresas atendendo três objetivos precisos:

  1. Para o desenvolvimento da empresa que entendemos necessita sobreviver no mercado competitivo;
  2. Para a difusão da chamada “cultura da partilha” e da comunhão que entendemos implicar na formação e desenvolvimento humano para a construção do “homem novo” e de um novo mundo – esse voltado para os próprios envolvidos;
  3. Para os pobres, primeiramente para aqueles que frequentavam a comunidade dos Focolares e em seguida para aqueles que tivessem uma relação vital com ela.

Segundo Bruni, para os pobres procura-se emprego e para eles, criam-se projetos de desenvolvimento, sem se limitar a assisti-los financeiramente (apenas como medida de emergência - provisoriamente). A parte destinada à formação cultural (congressos, bolsas de estudos etc) corresponde à exigência de visar ao desenvolvimento integral de toda a pessoa através da cultura da partilha e da comunhão. E, a terceira parte permanece na empresa para seu desenvolvimento e crescimento (BRUNNI, 2005: 28).

Foram então criadas as cidades de Maria, locais da instalação dos primeiros polos industriais da EdC. O polo paulista, chamado então de Spartaco, dedicado a Spartaco Lucarini, Italiano de Cortona, Jornalista, homem de cultura com uma astúcia simpática e apurada, pioneiro dos Focolares, deveria funcionar como um laboratório para um novo estilo de gestão econômica, transparente, eficiente e responsável (Bruni, 2002). O polo veio a se tornar mundialmente conhecido, recebendo visitas constantes de empresários, políticos, estudantes e pesquisadores do Brasil e de mais de 50 países, desejosos em conhecer os resultados dessa nova experiência com economia solidária. Um tipo de experiência que teve outros exemplos de maior ou menor sucesso, durante os séculos XIX e XX, como os movimentos cooperativos quakers e as friendly societies (LINARD, 2003).

Com o objetivo de viabilizar esse polo, foi criada a ESPRI S/A Empreendimentos, Serviços e Projetos Industriais, para criar a infraestrutura necessária ao projeto. Trata-se de uma Empresa Sociedade Anônima que arrecada fundos através de lançamento de ações e administra serviços comuns ao polo (Pinto e Leitão, 2006), funcionando como uma fomentadora buscando o lucro e mantendo a visão e o objetivo a que se destina. Hoje, o capital social da Espri S/A é de mais de 2 milhões de reais, incrementado periodicamente a partir da subscrição de novas ações. Atualmente a Espri S/A conta com cerca de 3.900 acionistas, conforme se depreende em http://www.espri.com.br acesso em 17 de maio de 2021.

Afim de promover mais qualidade de vida para os empregados que trabalham no Polo, nasceu a Associação dos Empregados das Empresas do Polo Spartaco. Entre os serviços a Associação oferece: assistência médica e odontológica, microcrédito, atividades recreativas, esportivas e culturais.

A EdC obteve reconhecimento internacional através da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do Conselho da Europa. Chiara Lubich recebeu diversos reconhecimentos por parte de organismos internacionais, acadêmicos e civis com especial destaque aos títulos de Doutor Honoris Causa pelas Universidades Católica de Lublin, na Polônia em 1996; St. John University em Bancoc na Tailândia em 1997; Santo Tomás, Manila nas Filipinas em 1997; Fu Jen University, Taipei em Taiwan, 1997; Sacred Heart University, Fairfield, Estados Unidos em 1997; San Juan Batista de La Salle, Cidade do México, México em 1997; Estatal de Buenos Aires, Argentina em 1998; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil em 1998; Católica de Pernambuco, Brasil em 1998; Católica de Milão, Piacenza, Itália em 1999; Malta em Malta, 1999; Católica da América, Washington, Estados Unidos em 2000; Trnava, Eslováquia em 2003; Católica de Maracaibo, Venezuela, 2003; Pontifícia Lateranense, Roma, Itália em 2004 e Hope University de Liverpool, Grã Bretanha, 2008. Todos os reconhecimentos estão publicados em http://www.focolare.org/pt/chiara-lubich/chi-e-chiara/riconoscimenti/ acessado em 13 de fevereiro de 2016.

  • CARACTERÍSTICAS DA ECONOMIA DE COMUNHÃO

O economista italiano Luigino Bruni (2005) afirma que a EdC busca uma nova relação entre o mercado e a sociedade, desafiando as ideologias dominantes nessa era de globalização. Elas são empresas privadas inseridas no regime de mercado, que salvaguardam a propriedade privada, mas coloca o lucro em comunhão. Têm uma visão humanista cristã da forma de se gerir negócios.

Pinto e Leitão (2006), por sua vez, afirmam que a diferença nessas empresas está na forma como as pessoas se relacionam com seus envolvidos. Para esses autores, a diferença está na qualidade dos relacionamentos interpessoais e inter-organizacionais. Mas também é possível destacar as redes de contato comercial que elas formam, criando uma área de amortecimento de choques para suportar as pressões de mercado.

Essa característica comportamental penetra todas as demais dimensões organizacionais dessas empresas, em maior ou menor intensidade, conforme suas experiências, progressos ou retrocessos na construção dessa cultura de partilha, o que se apresenta de forma desigual no conjunto dessas organizações (ALMEIDA e LEITÃO, 2003).

O primeiro marco característico da EdC – ela volta-se a empresas comerciais, com finalidade lucrativa, uma vez que sua forma jurídica acompanhando a legislação brasileira assim o determina como Empresas de sociedade Limitada, Sociedade Anônima, Pequeno Porte, Microempresa, cooperativa etc.

De fato, o lucro é um aspecto da riqueza (não o mais significativo), do valor agregado de uma sólida empresa. Ele se torna importante para os cálculos contábeis, planilhas de viabilidade financeira e necessário para os planejamentos internos a curto, médio e longo prazo envolvendo a estratégia de ação, seja por novos produtos, pelo crescimento e expansão ou até mesmo para o investimento em novos segmentos. Mas, vale salientar que de fato uma empresa pode distribuir riqueza de muitas outras maneiras, além de distribuição de lucro entre os sócios (BRUNI, 2005: p.31).

No caso da EdC, o lucro é dividido em três partes desde sua criação, em 1991 e este é o primeiro elemento da identidade do projeto. Vale salientar que por ser a empresa dinâmica, em algumas circunstâncias e tendo em vista o cenário econômico em que esteja inserida como por exemplo um momento de crise, o lucro produzido tenha que ser todo reinvestido. Mas, não colocar o lucro em comunhão seguindo os princípios da EdC, seria muito preocupante entendendo que ou desapareceu a cultura da comunhão que originou e trouxe valor a empresa ou faltou a capacidade da organização empresarial de gerar valor agregado.

Com relação a cultura da partilha e da comunhão, não se trata da empresa ser generosa com seus colaboradores ou de fazer simplesmente beneficência nem prática filantrópica. Segundo Vera Araújo, trata-se, antes, de conhecer e viver a dimensão do doar-se e do dom aos outros como essenciais à substância e a existência da pessoa, contribuindo com a formação do chamado “Homem Novo”. A Cultura do dar engloba uma visão de conjunto e toda uma série de atitudes e comportamentos que qualificam as relações humanas e as orientam para a comunhão. Essa autêntica arte de dar se qualifica na gratuidade, alegria, generosidade, desprendimento e isenta-o de riscos e perigos de ser mal-entendido ou manipulado. Da reciprocidade dessas relações nasce a comunhão, a unidade (ARAÚJO in BRUNI, 2005: p.33). Neste sentido podemos entender que o dar e a gratuidade são sinônimos de amor, no sentido cristão.

E, em relação aos pobres, aqueles que recebem a ajuda da EdC, estão no mesmo plano de dignidade dos empresários.

Portanto, Chiara Lubich sintetiza algumas características importantes sob o ponto de vista da identificação de sua visão de mundo (VILLARDI, LEITÃO E MARQUES, 2007):

  • Os sujeitos das empresas EdC procuram seguir o mesmo estilo de comportamento que vivem nos outros âmbitos da vida;
  • Na EdC propõe-se comportamentos inspirados na gratuidade, na solidariedade e na atenção aos menos favorecidos, não apenas nas atividades sem fins lucrativos, mas também em empresas onde o lucro é um dos objetivos que, no entanto, deve ser colocado em comunhão;
  • As empresas de EdC se apoiam e se desenvolvem em polos industriais. As que estão geograficamente distantes se unem em torno do ideário do projeto por meio de congressos e periódicos onde compartilham suas práticas;
  • Os indivíduos em dificuldades econômicas, destinatários dos lucros distribuídos, não são considerados assistidos ou beneficiários das empresas, mas membros ativos do projeto porque eles partilham a “cultura do dar”, “dando” as suas necessidades;
  • Na EdC a ênfase não está na filantropia, mas na partilha numa “cultura do ser”, que se opõe à “cultura do ter” nos termos de Eric Fromm, psicanalista da Escola de Frankfurt.
  • A gratuidade que se apresenta da EdC se dispõe de uma forma distinta do altruísmo e da filantropia. Estes carregam o signo do individualismo axiológico, no qual o ato de dar-se desconecta de significados e relacionamentos. É um dar para os outros (ZAMAGNI, 2002). É precisamente esse aspecto relacional que especifica o tipo de voluntariado que ocorre na EdC, pois aqui há o outro, que não pode ser humilhado pelo recebimento caridoso de alguém superior. É um outro igual, interdependente e digno (LEITÃO e PINTO, 2006: p.27).
  • A GESTÃO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E A EdC

A partir da evidência da Economia de Comunhão como possibilidade de gestão a valorização a dignidade do profissional na Gestão Educacional, temos que as empresas envolvidas na EdC, têm como objetivo, oferecer como resultado, seja nas vidas dos envolvidos diretamente (empresários e colaboradores), seja de seus familiares ou ainda da sociedade, o crescimento profissional e o respeito mútuo.

Com isso, a efetiva possibilidade além da real garantia da dignidade profissional dos envolvidos na gestão educacional, requer basear-se em Referenciais do Sistema Aberto Bioético como a Dignidade, Vulnerabilidade, Alteridade e também em princípios Bioéticos como a Autonomia Justiça, Beneficência e Não Maleficência. Os fundamentos da EdC também podem gerar interação viva e possível de desenvolvimento empresarial, pautada no cristianismo e nas lições de sua fundadora.

O maior desafio são as trocas humanas de respeito mútuo que a prática da EdC consegue superar. Esta traz ao mundo da gestão educacional, interessantes propostas para uma alternativa ao modelo administrativo vigente onde o lucro é o elemento preponderante nas intervenções empresariais, através de um modelo de agir econômico com as características da gratuidade, da abertura ao outro e da solidariedade, apesar de atuarem, principalmente perseguindo a finalidade lucrativa.

Entendemos que sob a perspectiva de uma ação coletiva (empresários da educação, corpo técnico administrativo e comunidade acadêmica), é possível estender para as Escolas Acadêmicas as práticas da EdC como sendo capazes de realizar mudanças transformadoras pela aprendizagem, onde predominam os aspectos sociais no entendimento da realidade organizacional, em vez de apenas aspectos técnicos e econômicos. O sujeito passa a ser o protagonista de sua história.

Valorizando a comunidade acadêmica e a equipe técnico-administrativa é possível criar ambientes livres de qualquer espécie de assédio moral, presente atualmente em todos os segmentos e curiosamente na gestão acadêmica, local de educação e ética plenas.

Mas para isso, necessário se faz uma verdadeira reorganização interna das empresas educacionais que atualmente dominam o mercado brasileiro no sentido de transformação de seus ideais e valores. As empresas e, neste caso as educacionais certamente ganham em produtividade tendo em vista um maior espírito de equipe. No aspecto da tecnologia, são crescentes os níveis de inovação através da ativa participação e senso de propriedade compartilhada uma vez que existe uma crescente disposição dos colaboradores para as denominadas horas extras em tempos difíceis.

O investimento na sociedade global por meio da distribuição dos lucros na economia da partilha fica garantida tendo em vista a rede internacional de suporte e contatos através do movimento dos Focolares, com certa tendência à autonomia e tecnologia compartilhada.

O grande diferencial para as Escolas Acadêmicas está exatamente na certeza de motivação espiritual para enfrentar fases difíceis, sem que exista o medo do espírito da partilha falhar apesar de grandes perdas de possibilidades tendo em vista a não aceitação de corrupção uma vez que a transparência fiscal é cuidada e planejada.

A partir da perspectiva proposta e desenvolvida no presente artigo, pretendemos incentivar a criação e a consolidação de escolas que fomentem a apropriação autônoma por parte dos gestores universitários a partir da dignidade profissional tão possível diante da perspectiva da intermediação da valorização da Bioética e das lições emanadas da gestão da Economia de Comunhão. Esse exercício será tão importante para ambas uma vez que a emergência destas áreas para a valorização da dignidade dos gestores poderá constituir-se em marco de inovação possível e responsável ao longo dos próximos anos.

 

Carlos Ferrara Junior - Pró-Reitor Acadêmico no Centro Universitário São Camilo - Titular da Cadeira 31 - ACL