Éramos jovens, naquela idade quando as energias parecem ser inesgotáveis... quando a juventude aparenta ser para sempre, como dizia o lema “young forever” ou ser e sentir-se eternamente jovens.
Não havia mau tempo, não precisávamos de conforto. Dinheiro...?! Apenas o essencial. As horas do dia se emendavam com as da noite. As disposições eram grandes e a alegria de viver e de se alimentar da fé eram intensas.
Tínhamos tempo para estudar... para ensaiar com um conjunto de músicas rock-‘n’-roll... para tocar nas missas de jovens semanalmente... para nos dedicar à comunidade... para rezar... participar e realizar encontros de jovens... dias de formação... e também para o lazer.
Vivíamos muito unidos pela consistência de nossa amizade oriunda de nossa fé.
Na época eram comuns as escuderias de carros, cada qual com seu próprio lema. Dentre elas lembro-me de uma que ficou famosa, na zona norte da capital paulista, que se chamava “Nhaca” – “Nunca Houve Amor como Agora”. Embora fosse uma maneira de liberalização do relacionamento da juventude, vez por outra faziam gincanas para angariar recursos a instituições de caridade.
A Igreja Católica após o Concílio Vaticano II ensaiava uma maior aproximação com os leigos e, dentre eles, os jovens. Estavam se iniciando os movimentos de jovens em várias paróquias.
Em 1970, ano em que o Brasil foi tricampeão mundial de futebol, eu já participava há anos de movimentos paroquiais, como a Legião de Maria e a Congregação Mariana. Fui então apresentado pelo padre Bruno Carra, vigário da paróquia de São Pedro Apóstolo do Tremembé, a outros jovens que estavam mudando para o bairro. Eram os irmãos José Pio, Geraldo e João, assim como o Elson, amigo deles mais velho. Alguns tinham participado do Juca – “Juventude Unida com Amor” – em outra comunidade e gostariam de fundar em nossa paróquia um grupo com a minha ajuda. E assim foi feito. Após algumas reuniões começamos a colocar as ideias em ação e logo uma avalanche de jovens se unia ao grupo. O nome ficou conhecido como Cuca – “Comunidade Unida com Amor”.
Nessa época já existiam ou formavam-se rapidamente em outras paróquias grupos similares ao Cuca. As diferenças deles com as escuderias de carros eram enormes. Nós tínhamos explicitamente a intenção de viver segundo o Evangelho de Jesus Cristo, sob a orientação da Igreja Católica. As escuderias eram grupos de jovens que gostavam de desfilar com seus carros e camisetas que continham lemas estampados. Eram desprovidos de motivação religiosa.
Embora a sigla Cuca encerrasse um nome cujo significado faz menção ao gênero feminino, nunca falávamos em a Cuca – A Comunidade Unida com Amor, mas sim, o Cuca, querendo com isso nos referir ao grupo ou ao movimento de jovens.
No Cuca reuníamos frequentemente nos finais de semana e, às vezes, durante a semana. Elaborávamos o nosso jornal, então impresso à custa de mimeógrafo, hoje peça de museu. Organizávamos as reuniões dominicais... dias de formação... encontro de jovens... preparação para a confissão... horas-santas por ocasião da Semana Santa... visitas a instituições de caridade... lazer... viagens... (Figuras 1 a 8), além das missas de jovens que eram sempre aos sábados às 19h30min.
Embora o padre Bruno tivesse fama de conservador e de retrógrado, ele gostava muito do nosso trabalho. Tinha muita confiança em nós e muito nos estimulou. Numa época em que a Igreja Católica estava iniciando uma nova experiência litúrgica e pastoral, com as missas no vernáculo; padre voltado para o povo; leigos participando do altar e proclamando leituras, comentários e orações... associada à ideia de que conjuntos musicais trazia consigo o pecado do sexo e das drogas... ele permitiu que nossas celebrações fossem abrilhantadas com guitarras, bateria e órgão. Era uma santa revolução na maneira de se participar das missas! Foram famosas e apinhadas de pessoas. Chegamos a ter a presença do então governador Laudo Natel (1966-1967 e 1971-1975) e de sua esposa que frequentavam muito a Casa de Campo do Governo do Estado de São Paulo, no Horto Florestal, bem perto da nossa igreja.
Nessa época aprendi a técnica de Dinâmica de Grupo e a de falar em público, predicados que sempre foram utilíssimos em minha vida profissional.
Dentro do Cuca havia um “núcleo” que era uma espécie de “diretoria”. Reunia fundadores e alguns membros mais velhos. O núcleo era encarregado de dar as diretrizes, a ação do grupo e de exercer certa fiscalização. Embora não atuasse de forma acintosa e opressiva, não era visto com bons olhos por muitos participantes, pois o consideravam uma elite desnecessária ou mesmo uma panelinha. Na verdade, naquela época com 15 ou 16 anos, tínhamos, por incrível que possa parecer, uma boa noção da doutrina da Igreja; uma consciência clara do bem e do mal; um senso de responsabilidade invejável; e uma liderança natural. Não faltaram pessoas e ocasiões para deturpar as lídimas orientações cristãs de nosso grupo. Assim, o núcleo, juntamente com o padre Bruno, ajudava a separar o joio do trigo.
Houve uma época saborosa em que eu, o Pio e o Vicente rodiziávamos nossas casas por ocasião do café da manhã dominical, bem cedinho, antes das reuniões normais do grupo (Figura 9). Era um momento de confabular nossa atuação, além de matar as saudades que a semana provocava com os afazeres escolares.
O Cuca teve várias gerações. Lembro-me que participei até a terceira de modo não muito intenso, pois já estava no 6o ano de medicina e prestes a me casar. À medida que íamos ficando velhos, procurávamos identificar líderes bem formados nas safras mais jovens para darem seguimento à filosofia do movimento. O Pio conseguiu dar assistência aos novos grupos por mais anos.
Vivi e transpirei intensamente o Cuca durante cerca de oito anos. O tempo parecia andar mais lentamente, dando a impressão de que o período era maior. Foi um movimento singular na minha formação e no meu desenvolvimento como ser humano. Conheci muitas pessoas e várias de raro valor. Embora não queira pecar por omissão, torna-se significativo citar alguns nomes que marcaram aquela saudável e saudosa juventude: Pio, Elson, Vicente, João Tamassia, Geraldo (“Lolobay”, in memorian), Verônica, Maria da Penha, Pedro Pardelli, Regina, Maria Elisa, Celinha, Dionor, Carlos (“Papagaio”), João (“Cabeludo”), Tonico, Claudinei, Beth, Zeca, George, Quintal, “Quintalzinho”, Mauro, “Marquinhos”, Eduardo, Sônia (in memorian), Itamar, Ari, João (“Galinha”), Élcio (“Bagaço”), Norimar, Anelore, Maria Helena, Milton, Ocxana, “Toninho” (“Jojó”), “Neco”, Márcia (Tornelli), Frederico (“Fred”), Edna, “Tico”, Francisco (“Chicão”), Bernardete, Nilza, Roseli, Urgel, Ailton (“Bonito”), Tânia, “Toninho”, Margarete, Cláudio (“Claudião”), Marcelino, Vera (“Louca”), Aida (minha futura esposa), Álvaro, Luiz (in memorian), Stefanie, Sílvia, Lúcia, Marcos e tantos outros que a memória não ajuda (Figura 10).
Decorridos 30 anos desses tempos inesquecíveis, muitos nunca mais vi; outros, vejo-os eventualmente, e alguns deles frequentemente. O ideal cristão continua o mesmo para mim e para vários deles com que tenho contato amiúde (Figuras 11 a 13).
Naquela época eu não possuía a noção precisa de que tinha encontrado vários tesouros, pois havia encontrado vários e verdadeiros amigos que o tempo e as profissões não conseguiram destruir. A amizade foi plasmada no limiar da juventude e no ideal cristão. Foi significativamente especial, pois continha o toque de Deus!
1 Escrito em fevereiro de 2002.