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  • Fonte: Helio Begliomini

Ei-la erigida numa pequena colina do bairro do Tremembé, zona norte da cidade de São Paulo, a cerca de quatro quilômetros da divisa do município de Mairiporã.

Suas linhas retas, singelas, tradicionais emolduram seu perfil que abriga duas torres simétricas e um relógio central que sempre serviu para orientar o horário dos transeuntes do bairro, exceção feita aos momentos em que estava enguiçado. Atrelado a ele há, numa das torres, a da direita de quem olha o templo de frente, um conjunto de sinos, sendo que um deles soa a cada meia hora ou nas horas completas. As badaladas do meio dia e meia, uma hora e uma hora e meia são únicas e dificultam a distinção do horário apenas pelo som.

Outro conjunto de sinos serve para anunciar as missas com uma hora e meia hora de antecedência. Quantas vezes, quando adolescente, eu os fiz tanger com minhas mãos agarradas às cordas que elevavam com vigor meu corpo do chão, num movimento contínuo de sobe e desce! Aquela baila nas cordas dos sinos é inesquecível em minha mente.

Desde tenra idade aprendi a nutrir grande admiração a São Pedro Apóstolo, assim como a seus sucessores. Pedro foi aquele rude e humilde pescador que fora fisgado pelo Senhor a pescar uma miríade de homens para Deus. Apesar de suas limitações e de não ter sido o discípulo que Jesus mais amava, ele teve o privilégio de ter sido escolhido por Cristo para ser o fundamento visível da unidade da Igreja que Ele constituiu. Não faltaram a Pedro ensinamentos, convivências, segurança, amizade, amor, afeto recebidos do Mestre. Não obstante tudo, Pedro O negou seguidamente por medo da turba judaica e de ser também preso.

A recusa ao Mestre foi uma maneira pedagógica de Deus mostrar-lhe que sem Ele nada pode ser feito. De nada valiam os seus músculos e a sua força física, a sua voz e sua saúde, se não se pudesse contar com a graça divina. Pedro compreendeu bem a lição e também se arrependeu amargamente da recusa pública a Jesus. Tornou-se mais dócil ao Senhor. Amou-O irresistivelmente. Anunciou-O a inúmeros povos e nações. Por Ele foi preso. Dedicou cada segundo de sua vida à causa do Reino de Deus. Ao final, conta-se que preferiu ser crucificado de cabeça para baixo, pois reconhecia ser indigno de morrer da mesma forma que o seu Cristo.

Esta e outras passagens de São Pedro sempre foram muito vivas em minha mente, favorecidas por aquela igreja ser a ele dedicada.

O início da construção desse templo sagrado foi em 1914, contudo, a Paróquia de São Pedro do Tremembé só foi criada em 1o de dezembro de 1926 (Figura 1). Antes disso os padres vinham de Santana dar assistência espiritual e celebrar missas. Por ela passaram diversos curas, a saber: Padre Cícero Revoredo (9/1/1927 a 12/2/1929); Padre João Bueno Gonçalves (17/2/1929 a 6/1/1932); Padre Elizeu Murai (6/1/1932 a 25/6/1933); Padre Domingos Herculano Casarin (25/6/1933 a 26/11/1939); Padre Antonio Triviño (26/11/1939 a 28/3/1941); Padre Lourenço (28/3/1941 a 20/7/1941); Monsenhor Antonio Julio Távora (20/6/1941 a 25/3/1955); Padre Das Dores Ortega (25/3/1955 a 28/1/1956); Padre Bruno Carra (28/1/1956 a 11/3/1989, Figura 2); Padre Hermenegildo Ziero (11/3/1989 a 11/6/1989); Padre Geraldo Alves Pereira (11/6/1989 a fevereiro de 1998) e Padre Maurício Luchini, desde fevereiro de 19982.

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Não me saem da mente os conselhos e a instrução religiosa que auferi do querido padre Bruno Carra, verdadeiro sacerdote na mais lídima acepção da palavra. Embora, por vezes, fosse de temperamento difícil, ele era muito humilde, sabia reconhecer seus erros e pedir desculpas, até mesmo públicas, dentro de uma igreja apinhada de fiéis. Com ele arregaçamos as mangas e participamos da reforma do interior do altar. A seu convite, jantamos diversas vezes na sua residência paroquial ou na casa de outros sacerdotes, sempre ao final dos expedientes dos sábados ou domingos, pois ele não gostava de estar só.

Apesar de ser considerado conservador, permitiu que se introduzissem guitarras e baterias durante as missas dos jovens, numa época considerada pioneira para essa inovação.

A Igreja de São Pedro Apóstolo deu-me a oportunidade de conhecer e participar de vários movimentos pastorais, tais como a Congregação Mariana, a Legião de Maria, o Grupo de Jovens e o Curso Preparatório para o Matrimônio, no qual colaborei por mais de 25 anos (!), parando apenas quando foi suprimido pelo pároco.

Foi no grupo de jovens que pude conhecer pessoas maravilhosas, cujas verdadeiras amizades persistem até hoje, apesar do tempo que passou indomitamente.

Certa feita, alguns adultos de outros movimentos, aproveitando de nossa querida juventude e da fama retrógrada do padre Bruno, quiseram tramar uma ação contra o velho sacerdote, tendo como álibi o nosso apoio. Convocaram assim uma reunião com um número apreciável de pessoas e questionaram-nos perante o vigário se sua maneira de atuar não estava prejudicando o rendimento das nossas atividades. Qual foi a surpresa de todos, inclusive do pároco, quando nós, jovens, penhoramos nosso total apoio a ele e dissemos em alto e bom som que a sua maneira de ser e de viver o seu sacerdócio, com sua surrada batina, em nada nos atrapalhava! Ao contrário, testemunhamos que sempre nos dera seu total apoio, confiança e atenção, sendo seu jeito de ser muito importante para o desempenho de nossas atividades.

Além dos velhos e sinceros amigos que lá encontrei, tive a felicidade de conhecer, através de um baile envolvendo o grupo de jovens, uma pessoa especial – Aida Lúcia, que se tornaria minha esposa e que tem compartilhado comigo muitos sonhos e realizações.

Após nosso namoro e noivado, que persistiram por cinco anos, resolvemos nos casar. Na ocasião, já era comum escolher templos mais afamados que se situavam em bairros aquinhoados e charmosos que bem serviam para um verdadeiro espetáculo cinematográfico.

Nossa decisão causou nova e enorme surpresa a alguns amigos, bem como ao padre Bruno, pois, decidimos não preterir a sua paróquia. Apesar de a arquitetura de igreja ser mais simples, não almejávamos uma exibição social. Nada mais oportuno do que receber as bênçãos nupciais de nosso querido pastor e naquele templo que me viu crescer, que me propiciou participar ativamente e acompanhou meu desenvolvimento profissional. Ademais, desde o namoro, desfrutei o grupo de jovens juntamente com a Aida Lúcia, minha futura esposa.

A cerimônia religiosa foi inolvidável não somente por estar rodeada de parentes e amigos da adolescência e juventude, mas também por ter sido convocado para servir como médico o Exército Brasileiro, no Estado do Mato Grosso.

Nossa lua de mel, no dia seguinte, seria em direção ao oeste brasileiro por nós desconhecido e onde deveríamos permanecer por um ano. Naquele contexto não faltou emoção nas palavras do saudoso padre Bruno.

Por ele, anos mais tarde, tive ainda o privilégio de ver meus filhos sucessivamente serem batizados, embora alquebrado em sua senectude.

Ah! Igreja de São Pedro Apóstolo (Figuras 4 a 6): inúmeras histórias, inesquecíveis recordações... Parte substancial de minha vida foi em seu seio forjada.

Muitas saudades! Quanta gratidão!

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1 Texto concluído na primeira década de 2000.

2 São Paulo Tramway Tremembé. Eduardo Britto; Impressão Pancrom, São Paulo, 1999, 112 páginas.