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  • Fonte: Helio Begliomini

Era o dia 23 de janeiro de 1979, véspera do meu casamento com minha noiva, Aida Lúcia, na Paróquia de São Pedro Apóstolo. Tudo tinha sido muito corrido. A entrega dos convites, a aquisição da mobília, a arrumação do enxoval, os preparativos de última hora; enfeites, músicas, recepção, lua de mel, que infalivelmente seria para Campo Grande, uma vez que tinha sido convocado para prestar o serviço militar no Mato Grosso.

O tempo parecia que voava e que muita coisa restava por fazer. Ainda à tarde desse dia, tive de me esconder na casa de um amigo – o Cláudio Pascher –, pois os companheiros de faculdade da minha esposa queriam, a todo custo, me enveredar em boates, a fim de que eu testasse a minha masculinidade, tudo bem diferente daquilo que eu e minha futura esposa construímos e almejávamos. Foi por muito pouco que não fui raptado por esses “colegas” e, por muito pouco, não comprometera o meu casamento ainda antes de acontecer.

O último dia de solteiro de minha vida foi repleto de atividades desgastantes. Quando me dei conta, já era meia noite e meia e estava em pleno dia do meu casamento. Entrei pela porta de casa adentro. Todos estavam dormindo. Imperava um grande silêncio. Sentei-me na cama e na penumbra do quarto comecei a saborear os instantes finais de uma convivência salutar e íntima com a minha família.

No quarto à frente dormiam os meus pais. Quantas recordações vieram de minha mãe... Sempre trabalhadora, zelosa pela casa, pelas apresentações de seus filhos; orgulhosa de suas notas e façanhas – nunca se furtando em dar tudo de si por eles.

Meu pai, trabalhador indefesso, sempre nos orientou para o caminho dos estudos, da ocupação, do serviço. Nunca o vi numa mesa de jogos. Tampouco entre as portas de um bar ou perdendo suas horas em futilidades e devaneios da vida. Ao contrário, viveu para a família e dela tirava forças para o trabalho. Uma de suas mais singelas lições de vida e de fé era quando se ajoelhava ao pé da cama para rezar. E o fazia todas as noites. Por vezes, o cansaço o vencia e tinha de ser acordado para que confortavelmente deitasse no leito.

No meu quarto dormia meu irmão, dois anos mais novo. Ah! Quantas recordações dele também. Nossa infância, nossos brinquedos, nosso futebol, nossas intermináveis brigas e disputas... Tudo passou como um relâmpago e já dava para sentir saudades.

No quarto ao lado, estava minha irmã mais nova. Dez anos separavam as nossas existências. Eu me casaria em pouco tempo e ela estava em plena adolescência, com sonhos, transformações e realizações de seu próprio mundo. Nosso contato não foi muito grande, pois estudei medicina durante seis anos fora de casa. Mesmo assim, ela era a minha irmã caçula – a temporã da família – e por quem eu alimentava profundo carinho.

De repente, a minha solidão se confundia com a quietude da casa. Minhas reminiscências faziam-me ver como tudo tinha passado instantaneamente.

Ah! Se o tempo pudesse parar, ou melhor, voltar atrás! Encararia muitas cenas da minha vida com olhos mais compreensivos e com coração mais aberto. A caridade se faria mais presente...

1 Crônica escrita aproximadamente 18 anos após o casamento.

X Antologia Paulista da Sobrames – SP. Rumo Editorial e Expressão & Arte Gráfica, São Paulo, 2015, páginas 83-84.

Naquela noite – minha última de solteiro –, tive a sensação de perder, pelo menos em parte, aquele aconchego familiar tão importante em minha formação. O peso da responsabilidade invadia o meu coração, pois eu estaria prestes a passar para o rol dos casados, com a incumbência de formar uma nova família, com aquela esposa que compartilharia a minha vida (Figuras 1 e 2).

solteiro 2 9a72eEncontro-me entre meu pai, Alfio, à esquerda; e meu irmão Pedro, à direita, no final de 1978, a menos de dois meses do meu casamento. solteiro 2 9a72eDa esquerda para a direita: Aida, minha noiva; Olga, minha mãe; Alfio, meu pai; e Silvana, minha irmã, às vésperas de meu casamento.

Apesar do meu amor para com ela e do tempo longo de namoro, muitas dúvidas e temores rondavam a minha mente. Afinal, estaria trocando o certo pelo possivelmente certo; minha família por uma nova. Meus irmãos se mesclariam com os meus cunhados. Tinha a certeza de que tudo valeria a pena. Entretanto, o silêncio reinante questionava minha aspiração futura. Apenas a saudade que meu ser pranteava era, naquela interminável noite, a maior evidência!