No início eram apenas companheiros. Todos jovens, acabando a adolescência.
Alguns foram imbuídos de idealismo, outros de patriotismo, e a maioria involuntariamente dragada.
Esperança, sonhos, ansiedade, solidão, saudades, medo, heroísmo, reconhecimento, alegria por uma possível honrosa volta, pavor de um próximo adeus... eram entre tantos sentimentos os mais pungentes.
A maioria, crianças inexperientes, contracenando ao vivo no teatro belicoso de operações. A ordem: matar ou morrer!
Longe de seus familiares e amigos... pátria e idioma... começavam a travar conjuntamente uma das mais hediondas experiências que um ser pode passar – a Guerra. Homens contra homens... semelhantes contra semelhantes... irmãos matando irmãos!
O cenário real não pode ser delineado com as maiores e melhores técnicas da cinematografia moderna. Estrondos, motores, rajadas, relâmpagos balísticos, crateras gigantes recém-criadas no solo pelas armas, poeira ao redor, pedaços de corpos voando integralmente estraçalhados. Chuva do céu, chuva de sangue. Clima seco – aridez dos corações. Verde das florestas almejando a esperança de um término quase irreal que parece não mais voltar.
Entre mortos e feridos, gementes e aflitos, a lição do convívio e da solidariedade é a única que se aprende. Tão esquecida e tão primitiva no homem, passa a figurar entre uma das mais belas lições de amor. Um por todos e todos por um! Braços que se entrelaçam e se cruzam tanto nos gatilhos quanto nas padiolas, combatendo o inimigo e recolhendo os corpos inertes e deformados dos ex-amigos. Ontem um saldo positivo; hoje, um negativo. Amanhã, não se sabe – só Deus!
Cada dia uma eternidade angustiantemente interminável e vivida em prontidão ininterrupta, segundo por segundo (Figuras 1 a 4).
Quando se parecia chegar o derradeiro dia, uma notícia camuflava-se numa miragem: A Guerra terminou! A Guerra terminou? A Guerra terminou!!! Subitamente uma euforia incontrolável e inefável pela vida que não foi tirada. Vontade de partir... ansiedade por chegar, receber e dar notícias... esperança de uma nova vida.
Instantaneamente um profundo pesar e melancolia pairavam. Faltava alguma coisa. Faltavam muitas pessoas. Faltavam inúmeros irmãos. Aqueles companheiros de viagem tornaram-se mais do que irmãos de sangue, eram irmãos de guerra. Corpos inteiros de um só ser, pedaços de um mesmo corpo foram enterrados. Muitos, nem o nome era conhecido; outros, só se conhecia o nome. Todos, soberanamente acolhidos sob uma modesta cruz. Um só sentimento interrogava contagiando: Como poderemos partir se grande parte do nosso ser está soterrado neste nefando teatro de operações!? Por que nós fomos contemplados em voltar!? Por que não sucumbimos!?
Figuras 1 a 4 – Pracinhas da FEB – Força Expedicionária Brasileira na II Guerra Mundial.
Quantos sonhos, ideais, alegrias e esperanças desaparecidos!
O regresso, uma epopeia. O reencontro com os parentes e a pátria indescritível. A alegria era incompleta porque se deixava parte da família noutro continente próximo a Deus.
Os anos se passavam e os reencontros com os restantes eram efusivamente vividos. Cada um tinha mil estórias para contar, salpicadas de momentos jocosos e tristes, anos após anos convividos.
Por fim, a inimiga doença e a amiga morte sempre chegariam a um dos sobreviventes: ora sorrateiras, ora abruptas.
O sentimento era o mesmo. Parte do mesmo corpo se ia. Não era tão somente um irmão de sangue. Era o nosso mesmo irmão de guerra. Com ele, experiências ainda lúcidas eram vivas memórias que poucos podem compreender e compartilhar. Entre renovados soluços e lágrimas, mais um pedaço do mesmo ser se vai: agora, não mais pela guerra, mas pela vida.
Sonhos, ideais, alegrias e tristezas; acima de tudo, aprendizado do mais sublime significado da palavra Amor, absorvido a duras penas no mais inóspito lugar.
Ontem, uma avalanche de jovens cheios de vida. Hoje, pouquíssimos ainda não vencidos pela morte (Figuras 5 e 6). Para todo sempre: – Os heróis pracinhas da Força Expedicionária Brasileira!