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  • Fonte: Geraldo Nunes

As histórias de amor que terminam em tragédia são as mais comoventes. Grande exemplo é a triste sina de Romeu e Julieta, cujo amor buscou superar a rivalidade entre duas famílias. A narrativa de Willian Shakespeare mostrada pela primeira vez em 1597, foi precedida, entretanto, por um fato misturado a mitos e lendas deixados pelo povo. Uma história tão impressionante que coloca imensas dúvidas se de fato, Dom Pedro I de Portugal teria feito desenterrar o corpo da mulher amada, Dona Inês de Castro, para fazer dela rainha mesmo depois de morta, obrigando a corte à cerimônia do beija-mão real a um cadáver, sob pena de morte a quem desobedecesse. Esta sim, verdadeiramente é, uma tragédia de amor.

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Dom Pedro nasceu a 8 de abril de 1320 e desde muito cedo seus pais, o Rei de Portugal, Dom Afonso IV e a Rainha Beatriz, pensaram em um bom casamento para o filho herdeiro do trono. Uma das suas primeiras tentativas aconteceu quando ele tinha 14 anos e lhe apresentaram Dona Branca de Castela que se revelou muito doente e por isso, Dom Pedro, declinou da ideia de se casar com ela. Quando o príncipe já estava entre os dezenove e vinte anos seu pai envia mais uma vez, mensageiros ao reino vizinho de Castela para pedir a mão de Dona Constança Manuel. O pedido é aceito e em 1340, organiza-se um grande cortejo para se recepcionar aquela que seria a futura rainha e sua chegada se faz a cavalo, rodeada de parentes, aias e criados.

Ao mesmo tempo se ofereceu uma recepção retumbante à comitiva castelhana e neste desenrolar de saudações, Dom Pedro viu entre as damas de companhia de Dona Constança, a donzela Inês de Castro, uma das aias da princesa, de beleza deslumbrante e porte atraente, despertando no jovem príncipe aquilo que se chama “amor à primeira vista”. A partir de então, passou a pensar unicamente nela. Na primeira oportunidade surgida foi ao encontro da aia e se fez declarar, sendo de início repudiado. Não se admitia à dama subjugar a princesa. Aos poucos e pela insistência contumaz e impetuosa do jovem lusitano viu-se Inês também apaixonada, mas de coração dilacerado pela ousadia que se via prestes a cometer. O sentimento para ela de início, tinha certo gosto de pecado com pronta condenação ao fogo do inferno por tentação, ternura e entrega. Pensou em fugir ou então morrer, mas se por ventura aquilo acontecesse se veria ela afastada do homem que aos poucos aprendera a amar como a nenhuma outra pessoa. Ao mesmo tempo em que se sentia apaixonada, existia de sua parte, afeição também a Dona Constança tão menina e talvez tão apaixonada quanto ela. Como não conseguia mais afastar o príncipe de seu pensamento, aos poucos deu-se por vencida e assim, deste modo, Inês de Castro entregou-se ao amor.

Dom Pedro, por sua vez, decide procurar o pai e explica a situação sendo repudiado com veemência. Este já havia assumido um compromisso político ao qual não poderia voltar atrás. Além disso, o rei considerou o caso resultado do ímpeto juvenil. Buscou dizer ao filho que com o tempo se acostumaria a Constança e haveria de esquecer a outra moça, dando o caso por encerrado. Advertiu o rei, entretanto, sobre o impreterível casamento que se cumpriria com toda a pompa e circunstância na Sé de Lisboa, tendo como noiva Dona Constança Manuel e cabendo ao príncipe Dom Pedro, responder a todos os requisitos exigidos pelo cerimonial e assim se fez. Casou-se, coabitou com Constança, tendo ela ao longo da vida se esforçado para despertar nele o amor que sabia pertencer à outra. Constança deu a ele três filhos, inclusive o herdeiro do trono.

Mesmo casado, Dom Pedro continuou apaixonado por Dona Inês de Castro. Passado algum tempo buscou encontrar-se com ela e, após sucessivas negativas, houve por fim que nascesse entre os dois uma tórrida relação de amor que se tornou o assunto preferido das conversas entre os membros da corte e do próprio povo. Tais bisbilhotices chegaram aos ouvidos do rei e de sua esposa que, furiosos, tornaram Inês reclusa ao Convento de Santa Clara, em Coimbra e Pedro proibido de visitá-la.

Desnorteado passou a rondar os muros do convento buscando a todo custo vê-la ou encontrar um mensageiro que a ela pudesse levar suas cartas de amor. Descobriu então um modo de fazer chegar suas correspondências e diz a lenda que estas eram levadas e trazidas secretamente em barquinhos de madeira através de um riacho.

Em uma das cartas Dom Pedro escreve algo assim parecido:

Minha querida Inês, foi provavelmente o dia mais triste de minha existência. Nunca pensei que o meu pai fosse tão cruel a ponto de ir na conversa dos conselheiros e tirar de perto de mim a única pessoa que verdadeiramente amo. Antes de mais um dia de caça, tive um pressentimento que algo ia acontecer, mas não me quis alarmar, pensei que fosse fruto da minha imaginação. Mas aí, quando cheguei, ao procurá-la esperava-me a pior das notícias. Não podia acreditar que os meus olhos não poderiam te ver. Chorei e minhas lágrimas derramadas me marcarão para sempre. Agora só me resta a saudade e esperar...”

Inês de Castro responde:

Querido Pedro, os dias passam vazios por mim. O tempo, esse, é o único que fica gravado no meu poço de emoções, na minha muralha de memórias e na fortaleza que eu habito. Fortaleza que tu tão bem conheces, que tu e só tu invadiste. Tenho saudades, querido Pedro, mas não te peço para voltar, porque mais dolorosa que a tua ausência, são as memórias que tendem a enfeitar as minhas muralhas de te ver partir. Muralhas que envelhecem. Pinturas que escurecem. Não te peço, mas desespero por rever a tua face. Tenho medo! Porque não deixaste comigo mais do que memórias...”

Algum tempo depois, incomodada com a situação e pelos fuxicos entre o povo e a corte, a rainha clama a o rei Afonso IV o fim do exílio a Dona Inês que se refugia no lugar que posteriormente passaria a ser conhecido como Quinta das Lágrimas. Dom Pedro finalmente consegue rever sua amada. Este, porém, continuava casado com Dona Constança Manuel que se mantinha interessada em dar filhos ao príncipe e após insistência dela terminaria por engravidar, mas morre em 1345, ao dar à luz seu terceiro filho, um varão, fazendo dele o herdeiro do trono português.

Seguiu-se o luto obrigatório e Pedro viúvo estava livre. Secretamente casa-se com Inês, em 1354, não se sabe como a notícia se espalha e os comentários voltam a incomodar o rei Dom Afonso que desgostoso, se vê em meio a dois problemas: Dom Pedro tinha um legítimo herdeiro, Dom Fernando, filho dele e Constança, mas havia também os rebentos de Inês reconhecidos pelo príncipe, mas oficialmente bastardos. Intrigas davam conta que esses filhos aspirariam subir ao trono e para isso, se necessário fosse, intentariam assassinar o pequeno Dom Fernando.

No início de 1355, o rei reúne seus conselheiros Diogo Lopes Pacheco, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves, no Castelo Montemor-o-Velho e acaba convencido que a única solução seria acabar com o romance de Dom Pedro e Dona Inês de Castro, através da morte dela.

Dom Afonso IV, mais os três fidalgos, aproveitando-se da ausência de Dom Pedro para mais uma de suas caçadas, se dirigem até a Quinta e encontram Inês sozinha junto a uma fonte. Essa, ao perceber o intuito daqueles que vinham, implora para que não a matem e suplica, para que pensassem em seus filhos e na tristeza que isso ocasionaria a Dom Pedro. Inês chora copiosamente, suas lágrimas comovem o rei que se retira, mas Pêro, Diogo e Álvaro, sozinhos; decidem eles mesmos a dar fim à vida de Inês de Castro que morre apunhalada. Diz a lenda, que as lágrimas derramadas por ela no rio Mondego pouco antes da morte são as que hoje alimentam as águas da fonte que brota da Quinta das Lágrimas, bem como as algas que surgiram depois de sua morte, nascidas com a cor vermelha, que é a mesma do sangue inocente de uma rainha que não pôde ser coroada em vida. Apesar da morte comovente a todos, nenhum dos problemas que pairavam na cabeça do rei Dom Afonso IV se resolve.

Ao saber da tragédia, Dom Pedro, cheio de dor e angústia, declara guerra ao pai. Passa a tomar de assalto os castelos e começa a matar aqueles que julgava terem caluniado Inês e a ele mesmo. Ao fim de alguns meses, com o país já não aguentando mais e, após negociações, assina-se um tratado de paz. Pouco depois, Portugal é surpreendido novamente, agora com a morte de Dom Afonso IV em 1357. Dom Pedro, como legítimo herdeiro sobe ao trono e seu primeiro ato é o de mandar prender os assassinos de Dona Inês. Diogo Lopes Pacheco consegue fugir para França, mas Pêro e Álvaro são capturados e condenados à morte. O rei determina que retirem seus corações (um pelo peito e outro pelas costas) e queimem os seus corpos. No mesmo dia Dom Pedro I promove um banquete à toda a corte.

Dois anos se passam e o que vem depois não se sabe se teria sido fruto da imaginação do povo ou a mais pura verdade. O que se conta é que Dom Pedro I de Portugal, ainda inconformado com a morte da mulher que amava, manda desenterrá-la e determina que a coloquem sentada no trono. Perante a todo povo português, faz coroá-la Rainha de Portugal. Em seguida manda todos os nobres presentes na coroação, beijar a mão da sua amada sob pena de quem não o fizesse fosse morto ali mesmo.

Dom Pedro reinaria em Portugal durante dez anos, sendo este tão popular, a ponto de dizer à população que nunca houve rei tão justo e bom quanto ele. De fato, seu reinado foi o único no século XIV sem guerra e marcado com prosperidade financeira. Disto, ficou para a história como um bom reinado. Para Fernão Lopes, o grande historiador de Portugal, guarda-mor e escrivão da Torre do Tombo, onde ficavam os arquivos e documentos de Estado, foi Dom Pedro, o avô da dinastia de Avis.

Um dos atos de Dom Pedro I, de Portugal, em seu reinado encerrado com sua morte em 1367, foi o de mandar construir um túmulo especial para Inês de Castro e outro para si ao lado dela. Hoje encontram-se os dois sepultados no Mosteiro de Alcobaça, virados um para o outro. Dois corações que viveram a luta de fazer valer seu amor e que agora descansam em paz. Com este acontecimento tornou-se possível provar que o amor consegue ser capaz até mesmo de vencer a morte.

Geraldo Nunes, jornalista e escritor, ocupa a cadeira 27 da Academia Cristã de Letras - ACL