Frances de Azevedo - Outubro/2020
Deparei-me com artigo do meu Confrade José Renato Nalini, Cadeira 8, da Academia Cristã de Letras, em nosso site, sob o título AMIZADE, onde, ele, com perspicácia, aborda o assunto, inquirindo: “ainda existem amizades no mundo de interesses em que nossa sociedade imediatista, consumista, narcisista e egoísta se transformou?”
Relata também que, no passado, houve amizades de verdade, documentadas em missivas de nossos antepassados onde a evidência de um vigor epistolar comprobatório da intensidade dos afetos.
Continuando, acrescenta que, hoje, tais missivas foram substituídas pela sintética linguagem do Whatsapp.
Dá exemplos dessas missivas, como a de André Rebouças para seu amigo Carlos Gomes, em 26.06.1896, onde aquele diz para este: Vai aqui o meu coração abraçar-te, beijar-te e dizer-te que te amo e estimo cada vez mais “... Lembro-me agora saudoso do principio de nossa amizade... Saudades! Saudades! Quantas saudades!
O tema Amizade que me atraiu a principio, foi logo substituído por outro: Missivas.
Ao falar dessas, lembro-me da Confreira Rosa Maria Custódio, Cadeira 30, do mesmo sodalício, que, em sua obra “O Inventário de Lides”, nos conta a trajetória de sua vida através das correspondências e do Diário deixados por sua mãe (Lides). São relatos pungentes de vidas entrelaçadas de mãe e filha. Emocionam do começo ao fim. Não poderia ser diferente, por retratar sentimentos reais, guardados a sete chaves, os quais somente o papel aceita docilmente, sem qualquer alarde.
O Diário da mãe, na verdade, era um bloco de papel, de capa dura, nas cores vermelho e preto, que Rosa tinha lhe ofertado, pois sempre a incentivou a escrever sua autobiografia.
Ah! Benditos foram tais reiterados incentivos, onde as Cartas de Lides e o seu Diário traçaram as linhas mestras para aludida obra: humana, profunda, sem cortes, sem rodeios, numa demonstração de que quando os sentimentos falam mais alto, eles expurgam nossas dores mais profundas, desenhando nossos caminhos de vida a céu aberto, sem censura.
Assim é que, num dado momento, ainda no inicio, às Fls. 13, a autora assim se expressa:
Através das anotações e também das cartas de minha mãe, percebi o peso descomunal da rotina e do trabalho doméstico em sua vida.
Mais adiante, às fls. 71, Rosa, em sua carta a mãe, escreveu:
A cidade dorme. Não sei que horas são, mas penso que daqui a pouco vai amanhecer. Que bom que um novo dia vai nascer, porque esta noite imensa não soube acalentar meus sonhos, nem apaziguar minhas tristezas, nem afugentar a solidão. Então, minha mãe, como companheira impertinente, veio a insônia e assim passam as minhas noites aqui.
Às fls. 253, num trecho da carta de Lides para a filha Rosa, mais uma vez, nos emocionamos com esta passagem:
A minha mocidade também não foi boa, apesar de ter meus pais juntos e para ser sincera nem sei se tive juventude, porque eu nunca me senti moça. Sentia-me sempre criança e dali dei um pulo na minha vida adulta, para tornar-me mulher e em seguida “mãe” por toda a vida afora. E o resto tu sabes.
Vale, pois, ler referida obra, com 376 páginas, da ABR Editora, 2011!
Não poderia terminar este ensaio, sem mencionar as Cartas, Cartões Postais, meus Diários, Bilhetes e Outros Escritos, guardados, bem guardados, onde o tempo carimbou com o selo da saudade, amarelando-os, numa certeza absoluta de que as palavras neles inseridas são sementes dos sinceros sentimentos de quem as escreveu. E, hoje, ao relê-los, recebo os mesmos eflúvios, os ternos abraços, beijos e lembranças neles contidos!
Bem haja, pois, meu Confrade Nalini, pela Amizade que me levou a tantas e tão excelentes Cartas!
Não quero, absolutamente, com isso dizer ser impossível o surgimento da verdadeira amizade. Não! Até porque, os que me conhecem bem sabem que sou otimista, pugno sempre para o lado bom da vida, das coisas, de uma maneira geral.
Tenho boas amizades, pois eu as vejo, as considero, com o meu coração. Por isso, sou feliz.
Ora, nos tempos hodiernos, nessa luta insana das grandes metrópoles – e eu vivo numa delas, a maior do meu país, São Paulo/Capital – falar sobre amizade é difícil. Ter, encontrar um amigo verdadeiro, não é fácil.
É tênue a linha que separa o interesse da verdadeira amizade. Isso é um fato.
Tenho por mim, que as amizades que nascem em tenra infância, têm mais probabilidade de sucesso, eis que vingaram em berço imaculado, isento de interesse. São, pois, advindas do berço esplêndido coração!