Raquel Naveira
Assisti a um documentário sobre as Ilhas Galápagos, o arquipélago vulcânico no Oceano Pacífico, na província do Equador. Quanto mistério nesse espaço selvagem, de surpreendentes espécies de plantas e animais. Imagino o espanto e o fascínio do geólogo Darwin (1809-1882), ilustre visitante desse lugar mítico, verdadeiro paraíso na Terra. Os paredões de crostas de magma abrigando focas, iguanas, pinguins, pássaros. De repente, uma tartaruga gigante mirou a câmera. Tomou todo o foco: a carapaça redonda como o mundo, presa às suas costelas; as pernas curtas no solo como colunas, deslocando a pesada massa devagar, plana, rente ao solo. Tirou por um instante a cabeça para fora do casco. O pescoço cheio de pregas, os olhos acesos de quem distingue cores e navega por labirintos. Súbito, recolheu todos os membros para dentro da cúpula. Voltou ao ponto primordial da evolução. Teria sido fuga? Medo? Covardia? O fato é que se isolou da luz em seu escudo, ocultando-se num estado de sabedoria sólida.
Que ancestral benéfico! Talvez seja uma tartaruga centenária, com fígado e coração preservados dentro da concha, que lhe serve de casa. Uma tartaruga avó de todos os homens. Com poderes de conhecimento e magia; dorso coberto da lama do fundo do oceano; concentrada no seu sangue frio; pronta para colocar ovos de albume e couro branco nos buracos de areia fumegante.
Esopo (564 a. C. -620 a.C.), criador das fábulas na Grécia Antiga, escreveu a célebre história “A Lebre e a Tartaruga”. A lebre caçoou da lerdeza da tartaruga. A tartaruga então desafiou a lebre para uma corrida. A lebre aceitou prontamente e, vendo que ganharia fácil, parou para cochilar. A tartaruga pôs-se a caminhar, até que cruzou com vitória a linha de chegada. Tornou-se assim símbolo da determinação, do impulso claro e definido para atingir uma meta. E também da constância, daquele que cumpre seu dever com persistência, obstinação, continuidade. Determinação do que não desiste, não se abala com críticas, não olha para o passado. Sabe que algo extraordinário irá acontecer. Constância de quem simplesmente age.
A tartaruga de Galápagos torna a se movimentar, já acostumada com o foco da lente sobre ela. Precisa respirar, encher os pulmões de ar, buscar alimento, algas e esponjas. Avança experiente para a praia. Mergulha entre águas-vivas.
Estou idosa como essa tartaruga. Quero, como ela, transmitir uma ideia de força, de resiliência, aos que me rodeiam. Passei por males, aflições, angústias, mas sempre sobrevivi, mesmo em abismos salobros. Prosseguirei falando sobre sede de justiça. Sobre como é bom manter a fé nas corridas impossíveis.
Minha decisão é firme: dar mais alguns passos. Confundir a lebre. Mais alguns passos. E quando minhas forças físicas começarem a falhar, serei sustentada até o ocaso do sol, nas espumas do mar.
Parece que a tartaruga gigante me lançou um último adeus, antes da imersão. A mim, a espectadora. Ainda pude lhe dizer baixinho: “_Saúdo tua natureza. Vida longa à Tartaruga Avó!”