Frances de Azevedo
Soube hoje, que, ontem, 02 de Agosto de 2020, faleceu o pianista e maestro Leon Fleischer.
Logo que tomei conhecimento desta notícia, pensei em outro pianista: João Carlos Gandra da Silva Martins, irmão do meu Confrade na Academia Cristã de Letras, Ives Gandra da Silva Martins.
Qual a razão!
Leon, assim como João Carlos, passou por um problema na mão, assim como este, que os impediu, pelo menos, num primeiro momento, de continuarem sua dança magistral no teclado!
Tive a oportunidade de estar presente no CIEE, ouvindo nosso João Carlos, sobre Resiliência, em palestra motivacional, onde, dentre outros, abordou seu problema na mão, em decorrência de uma queda, num jogo no Central Park de Nova Iorque. Ao cair, perfurou o cotovelo. Um nervo foi atingido que paralisou três dedos de sua mão direita. Tempos depois, na Bulgária, foi golpeado com uma barra de ferro na cabeça, causando lesão neurológica que danificou seu braço direito. Novamente, a fatalidade a lhe impedir de continuar seu sonho.
Ah, antes de sua própria história, há que se mencionar ser ele filho de um pianista português: José Eduardo Martins que, por ter seu polegar decepado por uma prensa, não mais tocou piano, instrumento que tanto amava. Contudo, não desistiu, pois legou seu sonho, ao filho, João Carlos. Este, desde tenra idade, passou por uma série de dificuldades de saúde: Foi operado de um tumor benigno no pescoço, aos cinco anos de idade. Aos oito, nova operação para correção da primeira. O piano o ajudou na superação dessas dificuldades em sua infância. Com apenas vinte anos já era aclamado no mundo da música!
Assim prosseguiu em sua brilhante carreira, superando os inúmeros impedimentos que, sistematicamente, recaiam sobre suas mãos, sem as quais, não poderia mais continuar realizando seus sonhos e os de seus inúmeros fãs!
“A minha vida sempre foi baseada na disciplina de um atleta, e na alma de um poeta.” (João Carlos Martins).
Leon Fleischer, por sua vez, nasceu em São Francisco. Era de família judia humilde, oriunda da Europa Oriental. Sua mãe desejava que o filho fosse pianista. Muito lutou para que tal se tornasse realidade. Assim, aos quatro anos, inicia seus estudos. Com oito anos, já toca em público. Aos quinze, estreia na Sinfônica de São Francisco. Aos dezesseis, com a Orquestra Filarmônica de Nova Iorque, se apresenta ao piano, sendo muito aplaudido. Em 1964, perde a mobilidade da mão direita (Distonia Focal: excesso de exercício).
Mas, assim, como João Carlos, e tantos outros abnegados, não se deixou abater. Seguiu em frente. Foi buscar repertório para mão esquerda. Chegou a desistir de sua carreira. Contudo, uma força maior, o impulsionou a seguir em frente. Então, em 1990, após vários tratamentos, recuperou-se da mão direita. Retoma a carreira de pianista de concerto, tocando Beethoven, Brahms, entre outros grandes concertistas. Foi maestro da orquestra Anápolis (Maryland). Professor em diferentes e renomados institutos musicais. Apresentou-se em inúmeros países, inclusive Brasil, neste como Solista na Filarmônica de Minas Gerais. Faleceu, antes de ontem, (2 de Agosto/2020) com 92 anos de idade...
Também me recordo de meu tio Ettore Federighi, pintor de natureza morta, filho de descendentes de italianos: Menotti Federighi e Virginia Forsato, nascido em Muzambinho, Minas Gerais, em 24/08/1909 e falecido em 03/12/1978, é o “Maior pintor nacional de natureza morta.”, segundo seus colegas pintores. Não é por ser meu tio, mas, realmente, suas obras são de uma beleza, plasticidade, incríveis! Tenho algumas para o meu deleite!
Que não sabia ler, nem escrever, é fato hoje sabido e publicado na mídia. Sobre tal, há comentários elogiosos, como: “Mas sabia ler a arte como ninguém!”. Aliás, há um fato curioso que bem demonstra sua inteligência. De certa feita, eu estava ao seu lado, quando lhe deram um cartão: Ele afastou-o de seus olhos, como se estivesse lendo, e guardou-o no bolso. Nessa época eu não sabia do fato.
Segundo o advogado Araújo Almeida:
“Ettore Federighi é figlio d`arte ed é dotado de um bagaglio técnico e spirituale degno de sua notorietá.”
O que poucos sabem, a não ser os familiares próximos, - se é que ainda se recordam,- é que sua preciosa mão direita foi atingida pela doença que o acometeu (não me recordo qual), e que o impediu de pintar... (Talvez já tivesse sido acometido por Distonia: esforço por repetição).
Seu nome consta de uma rua no bairro de Vila Mariana. Homenagem prestada post mortem, assim como inúmeras outras que lhe foram prestadas em vida!
Destarte, como ilustres músicos acima citados dentre outros tantos. Quando cheguei a sua casa, ele estava com uma luva, e eu perguntei: Tio, o que aconteceu com sua mão? Ele me respondeu: Não é nada. E ao falecer, quando me aproximei para ouvi-lo, ele me disse: É o cortejo... Era um homem não letrado, mas sábio, pintor nato e sempre alegre.
Tais histórias, hoje, aqui relembradas, têm um propósito que é o de nos questionarmos qual a razão de sermos privados justamente daquilo que mais necessitamos para exercer nossa profissão (nosso sonho)?!
A resposta, creio, já foi dada acima. Contudo, cada um, certamente, tem a sua. Ademais, temos que nos conscientizar de que:
“Viver é o que há de mais raro neste mundo. Muitos existem, e é só”. (Oscar Wilde).
Frances de Azevedo
Cadeira 39 da ACL