Os vendedores de redes se multiplicaram pela cidade. Aproveitam as grades nas esquinas, os troncos das árvores e penduram com ganchos e argolas os leitos balouçantes, coloridos, bordados, com abas e franjas.
Depois de examinar as fibras e os punhos, decidi-me por uma rede grande, de algodão cru, capaz de abrigar um casal no umbral da casa. Aqui ficaremos como dois peixes retirados das profundezas do rio, olhando para o céu, tentando captar uma força espiritual que nos una ainda mais.
As estrelas formarão uma rede sobre nossas cabeças. Cada uma delas representará o nó de uma malha invisível, que nos cobrirá de luz e prata. Será impossível fugir do universo e da ação de suas leis e princípios. Os vasos, veias e nervos de nossos corpos agirão como redes dentro da rede. Água canalizada e correntes vibrarão sob nossos pés. Redes de sangue e de eletricidade palpitarão dentro e fora da rede.
É certo que há também redes que servem de cilada. Que nos enlaçam em complexos interiores, armadilhas de morte, armas usadas pelo adversário para nos prender e imobilizar. Dessas redes precisamos nos livrar, antes de sermos apanhados e trazidos para as margens da consciência.
Lembrei-me daquela cena do longo poema “Vida e Morte Severina”, de João Cabral de Melo Neto, em que dois homens carregam um defunto numa rede e ouvem as vozes: “– A quem estais carregando,/ irmãos das almas,/ embrulhado nessa rede?/ dizei que eu saiba./ – A um defunto de nada, irmão das almas,/ que há muitas horas viaja/ à sua morada.” Imagino os homens na caatinga nordestina, soturnos, secos, carregando nos ombros a rede com o cadáver de Severino Lavrador, que agora já não lavra. O Severino vítima de uma bala perdida, voadora. Bala de espingarda. Ave-bala.
Dentro da rede, fixos nas estrelas, pensamos por instantes que fugimos dos limites desta Terra. Que estamos fora das redes, das organizações secretas, das estruturas de conexão, das senhas e dos códigos, das mensagens e informações.
Que engano! A rede faz-se e desfaz-se em nuvens, rapidamente, porosa, aberta, independente de vontades, sugando expectativas, amortecendo choques e quedas. Sistema reticulado ao qual cedemos nossas identidades, como fantasmas marcados e eternamente seguidos.
Não importa que haja alguém sempre à espreita para melhor lançar a rede no momento propício em nossa direção. Estamos protegidos. O reino do céu dentro de nós é nossa rede de segurança, nossa salvação.
Adquiri uma rede boa, tecida em grosso tear. Fiquemos juntos nesta hora incerta de fim de mundo. O melhor lençol será sempre a noite fechada.