by Di Bonetti
Já se passaram 1096 dias desde a morte do poeta Paulo Bomfim, no dia 7 de julho de 2019. Muitos dias, pouco tempo. Lembranças remexidas, sentimentos revoltos. Vazio tal qual abismo.
Passei a última noite do poeta, ao lado de sua cama, de pé, segurando sua mão esquerda, afagando sua inércia. Do outro lado da cama, na UTI, uma outra mão feminina, Liene, acarinhava com gestos e palavras doces o que seriam as últimas horas terrenas do Príncipe legítimo, de alma, que emocionou uma multidão.
Liene Dias Vicente, jornalista, trabalhava na assessoria de imprensa do TJSP. Certo dia o Presidente do TJ na época, José Renato Nalini, solicitou ao poeta que fosse ao Tribunal, num domingo, para dar uma entrevista para Globo, para o programa Antena Paulista, comemorando o aniversário de SP. Paulo Bomfim contaria a história do prédio do TJSP. Fui buscar o poeta na Rua Peixoto Gomide, onde morava, e partimos para Praça da Sé. Fomos recebidos com alegria por Liene que acompanharia a entrevista. O poeta me apresentou a moça meiga, que sorri com olhar, tecendo os mais sinceros elogios, de uma guerreira que saiu da roça, onde os pais eram agricultores, e se aventurou na cidade grande. Estudou jornalismo e passou no concurso que lhe garantiu o emprego no Tribunal de Justiça. Meia hora de papo, Liene e eu descobrimos que nossa afinidade era tamanhã que o poeta com bom humor disse que acreditava termos nos conhecido no berçário. Ligação inexplicável.
Paulo Bomfim na UTI, ficamos, Liene e eu, Di Bonetti, 12 horas, velando por seu sono, rezando e pedindo a Deus para que lhe protegesse e abençoasse. Não tínhamos noção que seriam suas ultimas horas.
Saímos da UTI as 8:30, o Poeta respirava como passarinho. Mirella Bomfim, sua neta, me passou mensagem as 9:45 dizendo que Dr. Goes acabara de passar e o avô estava relaxado, quietinho e dormindo. As 13:10 horas escrevo perguntando como o poeta estava. Mirella se desespera escrevendo que uma médica passou e disse que podia acontecer a qualquer momento. Estava com o coração na boca, morrendo de medo e dizendo que não queria que acontecesse com ela presente. As 13:22 nos despedimos e cochilei. As 13:35 Mirella escreve mensagem: - Di?
O barulho do celular faz com que eu abra os olhos, meu quarto com as cortinas fechadas, escapam algumas frestas de luz. Olho para a parede, na parte superior da janela, sem entender direito o que estava vendo. Era a imagem do poeta sorrindo, como se estivesse sendo reproduzido por um projetor, uma imagem quadrada, trêmula, o poeta sorria, mexendo levemente a cabeça. Não era a fisionomia do hospital, sua imagem era saudável e bonita. Ele me olhava fixamente, sorrindo. Exatamente 13:36, Mirella me liga chorando, dizendo que ele partiu. Eu já sabia, pois ele viera se despedir. Acredito nisso, pois na semana anterior, uma noite em que o poeta ainda estava lúcido, ele segurou minha mão e disse: “Você foi a melhor pessoa que eu conheci em toda minha vida”. Emocionada, com lágrimas teimando em rolar, contestei e ele disse: “Não duvide. É verdadeiro.”
Confesso que fiz o que pude para tornar a vida do poeta mais fácil, mais leve. Resolvia todas as questões que podia. Tenho muitas histórias deliciosas para contar. Essa é uma das mais tristes, mas depois de 3 anos, já consigo desabafar.
Quando o poeta ia completar 80 anos, pedi que os amigos escrevessem uma carta para Paulo Bomfim e imprimi quase 100 cartas que o poeta se deliciou lendo. Uma dessas cartas era de Liene, que dizia com ternuna, um pequeno trecho: - “Assim é Paulo Bomfim, suas palavras doces deslizam pelos nossos ouvidos e descansam no coração. Nasceu na Primavera para colorir as nossas vidas. Paulo, para mim, você será eternizado não somente como um poeta, como também um menino arteiro, um fantasma do corredor do Palácio que ficou soprando o meu pescoço num gesto de traquinagem assustadora”.
Dizem que foi melhor o poeta partir antes da pandemia. Tenho muitas dúvidas. Ele havia prometido em público que seria centenário. Embora tivesse 200 anos nas pernas, como sempre alegava, a mente brilhante estava lúcida e ativa e era deliciosa a convivência. A sagacidade e pensamento rápido tornavam o poeta Paulo Bomfim um filósofo iluminado que amava incansavelmente, tudo e todos.
Sinto tanto a sua falta!