Frances de Azevedo - junho/2020 -
Resolvi sair hoje do meu confinamento de mais de noventa dias. Exatamente noventa e três dias. Não que já não o tivesse feito antes. Tinha, sim, saído por necessidade: Uma para tomar a vacina contra o H1N1 e as outras duas vezes para resolver questões bancárias. No entanto, essas saídas foram rápidas, envoltas em grande receio, sem sentir verdadeiramente como estava indo o mundo lá fora. Claro que, aqui da minha janela, no oitavo andar, não só consigo vê-lo, como tomar sol. A vista é privilegiada. Inclusive, neste outono tendo presenciado lindíssimos pores de sol!
Contando assim, parece uma maravilha! Aliás, maravilha não deixa de ser, tomadas as devidas proporções. Não posso me queixar, principalmente se comparar com outras situações e regiões...
Mas nada disso me basta, ou bastava, porquanto a minha vontade de “bater perna”, como costumeiramente fazia, foi se apoderando de mim. Precisava sair. Caminhar e caminhar...
Oh, que decepção! Se é que tal palavra consegue exprimir o turbilhão de emoções que me engolfou. Verdadeiro tsunami, devastador, inexorável.
Onde aquele brilho, aquele elã poético que envolve o humano, perpassa os seres, conduzindo-os na carruagem dourada chamada vida?! Onde está?!
Não vi nada disso, por mais que me esforçasse. Vi lojas fechadas. Vi inúmeras placas de Vende-se ou Aluga-se. Vi jardins secos implorando por água, por uma mão que lhes cuidassem. Vi tristeza dependurada nas janelas e portas. O cão abandonado na calçada. Policiais apalpando dois motoqueiros (olvidando-se de que são eles que, agora, mais trabalham.).
Também vi carros e pessoas circulando; lojas de alimentação e uma ou outra de vestuário abertas. Contudo, sabe-se, que aquelas, estão para atender às nossas necessidades primárias, pois só faltava ficarmos confinados e morrermos de fome! As de vestuário, recentemente, lhes foram permitidas o funcionamento, porém com horário reduzido.
Vendo tudo isso, um pensamento surgiu naquele instante: Parece que estou em outro mundo!
Outro mundo?!
Na verdade é outro mundo, porém, infelizmente, dentro do nosso próprio mundo. E isso é que soa mais estranho.
Quem poderia imaginar que isso poderia ocorrer?!
Mudança de hábitos, costumes, de ser, de pensar, de trabalhar, de se socializar...
Tempos novos onde Reinventar, Repensar, Reconstruir, Recompor, Reler, Rever, Reorganizar, devem ser pensados e repensados.
Tempos novos onde a Paciência, a Esperança, a Fé, a Solidariedade e o Amor se impõem sobranceiros, caso contrário, realmente, terei a certeza absoluta de ter mudado de planeta...
Frances de Azevedo - Cadeira 39 da ACL - (Secretária da ACL)