Mariane, professora de literatura, há cinco anos dividia seu tempo entre o trabalho na escola e os cuidados com sua sobrinha. À noite, as duas trocavam ideias, compartilhavam leituras, alinhavavam sonhos. A tia escrevia pequenas histórias e lia-as para a sobrinha. Naquela noite ela leu seu novo texto com especial emoção:
Juliana sempre foi uma garota bonita e risonha. Dos pais, recebeu as atenções e o carinho que toda criança precisa para se tornar uma pessoa saudável e feliz. Foi nesse ambiente de apropriado acolhimento que ela cresceu e desenvolveu sua meiga e alegre personalidade.
Boa aluna, ela sempre se destacou nos estudos, principalmente de Português e outros idiomas. Incentivada pelos pais, ela almejava cursar a Faculdade de Relações Internacionais; queria viajar pelo mundo e conhecer a cultura de outros povos. Também queria ser uma pessoa útil à sociedade e atuar em missões que promovessem a paz e o bem-estar nas relações entre as pessoas e entre as nações.
Inteligente e muito afetiva, Juliana tinha facilidade para iniciar e manter amizade com todos os tipos de pessoas. Em seu coração, elas eram todas irmãs. Aprendera com seus pais a respeitar as diferenças individuais e adquirira a compreensão de que nem todas tinham tido a oportunidade que ela tivera de nascer em um lar harmonioso e bem estruturado. Isso fazia enorme diferença na vida de uma pessoa, muito mais que a classe social e o poder econômico da família.
Na escola, quando Juliana presenciava brigas entre os colegas, ficava muito triste. Com seu jeito meigo, tentava fazê-los perceber que as disputas e a desunião eram como nuvens negras que os impediam de ver o céu azul e o brilho do sol. A natureza precisava da chuva para manter a saúde das plantas e o equilíbrio ecológico, mas as pessoas precisavam de atenção, carinho, respeito e amizade para manter seu equilíbrio interior. Muitas meninas a procuravam para confidenciar seus problemas ou pedir sua opinião diante de dúvidas e temores. Para cada uma delas havia um tempo, uma atenção e palavras reconfortantes. Com sua bondade e autenticidade, Juliana mais parecia um anjo.
Os pais de Juliana eram pessoas conscientes de seus papéis na sociedade e procuravam dar à filha uma formação adequada, que a levasse à realização pessoal e ao sucesso profissional. Por experiência própria, eles sabiam que as pessoas mais felizes eram aquelas que trabalhavam naquilo que acreditavam e amavam.
A mãe, professora, formada em Pedagogia e Psicologia, era também empresária. Em parceria com o marido, ela abriu uma escola de tempo integral para educar, com mais qualidade, as crianças do ensino maternal ao ensino médio. Assim, enquanto realizava seu trabalho, acompanhava de perto o desenvolvimento da própria filha, e com o mesmo cuidado acompanhava o desenvolvimento de cada aluno de sua escola.
O pai, formado em Educação Artística, além de participar na administração da escola, desenvolvia trabalhos na área das Artes Visuais, especialmente na Fotografia. Também era professor desta matéria e envolvia seus alunos do ensino médio em projetos ligados à natureza e à proteção do meio ambiente. Desde jovem ele focava sua atenção e interesse nessas questões que sabia serem importantes para a sobrevivência da vida no Planeta. Suas expedições fotográficas, realizadas duas vezes ao ano, em jardins públicos, parques florestais ou em áreas rurais, faziam muito sucesso entre os alunos. Ele era mais que um fotógrafo e um professor: era o modelo seguido por muitos daqueles jovens que, por razões diversas, não podiam contar com a presença paterna em suas próprias casas.
Na véspera de completar 18 anos, Juliana viajou com os pais para celebrar seu aniversário na casa dos avós maternos, que moravam em Belo Horizonte. A família resolveu ir de carro para apreciar a paisagem e parar em algumas cidades do interior, onde o cenário proporcionasse o registro de belas fotografias. Saíram de São Paulo de manhã cedo e seguiram pela movimentada rodovia Fernão Dias.
Era um dia ensolarado e a viagem prosseguia conforme eles haviam planejado. De tardezinha, faltando menos de uma hora para chegarem ao destino, sofreram um grave acidente. Estavam na movimentada rodovia quando um carro, que vinha logo atrás, resolveu fazer uma ultrapassagem perigosa. No sentido oposto vinha um caminhão, seguido de outro carro que teve a mesma e infeliz ideia de ultrapassar, ignorando a sinalização de trânsito.
O caminhão seguiu em frente, mas os dois carros que ultrapassavam se chocaram e um deles foi arremessado na frente do carro da família de Juliana, que não teve tempo de desviar e se livrar da colisão. Foi uma tragédia. Como resultado da impaciência e imprudência humana, duas famílias ficaram marcadas para sempre. Um adulto e uma criança morreram no local. Juliana foi arremessada para fora do carro, onde permaneceu desacordada. Seus pais, que estavam no banco da frente, sofreram lesões muito sérias.
Os feridos foram levados para hospitais da região. Durante três longos meses, Juliana permaneceu desacordada. Os exames médicos mostravam traumatismo na coluna. A incerteza quanto ao futuro da jovem, trazia muito sofrimento aos familiares e amigos. Eles não imaginavam que Juliana, aparentemente inconsciente, estava vivendo uma experiência que acrescentava outras dimensões à sua vida.
Em um dia de primavera, quando as flores exalavam seu melhor perfume e a brisa suave do vento penetrou no quarto, Juliana acordou de seu longo e profundo sono. Seu rosto bonito expressou um sorriso. Ela parecia tranquila e as pessoas ao seu redor se surpreenderam. Eles não precisaram explicar à jovem o que acontecera com seus pais, que não resistiram aos ferimentos e faleceram poucos dias depois do acidente. Juliana já sabia.
Mais surpreendente e difícil de acreditar, foi a explicação da jovem. Enquanto estava desacordada, ela estivera com seus pais, que agora viviam em um outro plano da existência. “O plano espiritual, para onde todos nós iremos depois de cumprirmos nossa missão aqui na Terra” acrescentou ela, que voltou porque sua missão estava apenas começando.
Juliana, que durante o dia passara muitas horas estudando e fazendo fisioterapia, descansava na poltrona macia e escutava com muita atenção a leitura de sua querida tia e madrinha. Lágrimas rolavam em sua face e acrescentavam mais brilho ao seu olhar.
Aos 23 anos, depois de muito sofrimento, paciência e perseverança, ela estava começando a andar com suas próprias pernas e se preparava para ingressar na Faculdade. Era hora de criar mais coragem e ir atrás de seus sonhos.
Rosa Maria Custódio (2008)