Slide

Raquel Naveira

O que é a linguagem? Essa é uma frase tão profunda quanto “O que é a vida?”. Não se pode possuir ou usar a linguagem natural sem possuir ou usar alguma língua específica, um idioma. A língua é um fenômeno social, uma instituição e, sobretudo, um grande mistério. Um mistério humano e divino.

Raquel Naveira rosas 413e5

O francês Jean-François Champollion (1790-1832) foi um extraordinário linguista, filólogo, responsável pela decifração dos hieróglifos egípcios. Escreveu inúmeros trabalhos sobre a cultura e a língua do Egito Antigo. Foi parcialmente criado por seu irmão, o estudioso Jacques e sempre demonstrou ser uma criança prodígio. Falava várias línguas como copta, grego, latim, hebraico e árabe.

A campanha de Napoleão (1769-1821) no Egito aconteceu durante a Revolução Francesa. Os franceses pretendiam ocupar o Egito para utilizarem esse território como plataforma para avançar para a Índia, de onde atacariam o domínio britânico. Vários nomes do meio acadêmico científico participaram dessa campanha. A Pedra de Roseta, um exemplar de estela para marcar a coroação do faraó Ptolomeu como “deus vivo”, foi encontrada pelo Capitão Bouchard e tornou-se a chave para a decifração dos hieróglifos. Ela continha um decreto escrito nos três sistemas: grego, copta e com hieróglifos. Champollion conseguiu comparar e alcançar a solução do enigma. Questionava-se: os sinais eram fonéticos (sons da fala) ou ideográficos (gravando conceitos com significados semânticos)? A pedra estaria ligada a ideias esotéricas? Registraria fatos históricos? Todas as suposições estavam erradas. Era, na verdade, uma rica combinação de sinais fonéticos e ideográficos.

Na célebre Batalha das Pirâmides, em junho de 1798, Napoleão pronunciou a máxima de encorajamento: “_ Soldados de França! Do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam.” Incitou assim seus comandados a enfrentarem as tropas de mamelucos e muçulmanos. A campanha, em termos militares foi um desastre, desperdício de vidas e de dinheiro, mas, culturalmente foi um sucesso e alavancou a reputação de Napoleão e sua ascensão política.

Indico o romance histórico “O Linguista e o Imperador: Champollion, Napoleão e o Mistério da Pedra de Roseta”, de Daniel Myerson, professor de criação literária nas universidades de Columbia e Nova York. Myerson narra a verdadeira história de como as vidas desses dois gênios obcecados pelo Egito convergiram para uma conquista que revolucionou nosso entendimento do passado. A espantosa história da Pedra de Roseta que está no Museu Britânico, depois de uma disputa amaldiçoada, as maquinações para protegê-la, a corrida para desvendar seus segredos e o tormento que parecia atacar os que tocavam nela são descritos de forma fascinante. Lembrando que Champollion viajou para o Egito novamente em 1829, onde leu vários textos e trouxe novos desenhos de inscrições. Sua saúde ficou arruinada pelas dificuldades dessa jornada pelos desertos egípcios, vindo a falecer jovem, aos quarenta e um anos, no auge de sua capacidade.

E sobre a Pedra de Roseta, escrevi:

Acaricio o basalto negro
Da pedra de Roseta:
Sou poeta,
Minha meta é decifrar a escrita,
A linguagem perdida,
Os símbolos,
Os pictóricos sinais.

As imagens formam palavras:
Leões,
Perdizes
Mais uma boca
Significam
Cleópatra.

Jarros,
Pães,
Rostos,
Escaravelhos,
Mistérios trançados
Em novelos de linho.

Há beleza
Nas caudas de crocodilo,
Nos vasos de cerveja,
Nos corações ligados à traqueia,
Em cada ideia.

Acaricio o basalto negro
De um claro enigma.