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Frances de Azevedo

Tenho uma obra de arte retratando girassóis. Por incrível que pareça, eles transmitem fluidez.

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Qual o porquê da expressão “por incrível que pareça”?

Visualmente, a flor do girassol se apresenta rígida, forte. Contudo, quando agrupadas, formam um mar suave onde, ondulando, ao sabor do vento, balançam, transmitindo beleza, paz e esperança.

Referida obra chegou ao meu acervo quando, um certo dia, ao retornar de um passeio dominical na Praça da República, avistei, de dentro do meu carro, aludido quadro –óleo sobre tela - que me fez parar imediatamente e adquiri-lo! Sequer o emoldurei. Não é necessário, pois as sete flores retratadas preenchem a tela, ou melhor, transbordam desta, não permitindo que sejam confinadas por nenhuma moldura.

São sete sorrisos, - na verdade, seis e meio -, eis que há uma só flor, pela metade, dando a dimensão de continuidade do local onde, provavelmente, foram pintadas...

Ao contemplá-la, minha imaginação vai além, muito além, onde vislumbro um grande campo ensolarado, amarelo, de puro ouro, com caras e carinhas voltadas para o sol, resplandecendo de sorrisos, muita alegria e entremeadas de folhas verdejantes, proporcionando colírio aos olhos do viajor cansado sob o sol escaldante.

Não sei o porquê de minha atração pelos girassóis. Ou sei?!

Será que é pela cor que, assim como meu pai, gosto muito?!

Talvez seja pelo seu significado: felicidade?!

Difícil dizer...

Lembro-me do filme soviético-franco-italiano, Os Girassóis da Rússia, de Vittorio de Sica, produção de Carlo Ponti e estrelado por Marcello Mastroianni, Sophia Loren e Ludmila Savelyeva, de 1970, retratando a história de um casal que, com apenas doze dias de matrimônio, foi separado durante a Segunda Guerra Mundial: ele foi lutar na frente de batalha na Rússia, não tendo retornado. Quando do término da Guerra, a esposa, não se conformando que ele tivesse morrido, inicia sua longa busca pelas cidades russas banhadas pelos girassóis e, finalmente, o encontra com nova família.

A música de Henry Mancini, ecoando pelos campos amarelos, dá o tom poético, onde cada girassol vai compondo versos em estrofes perfeitas: maravilhosa visão onde o amor e a natureza se abraçam ao sabor do vento, sol e lembranças no ouro infindo dos campos soviéticos!

Há uma aura mítica em torno dessa flor. Conta-se que que Clicie (ninfa) se apaixonou pelo deus sol (Hélio), representando sua paixão por Apolo, que não lhe correspondeu. Clicie, então, passou a acompanhar toda sua trajetória, desde o nascer até o crepúsculo. Seus pés enraizaram-se na terra e o seu rosto transformou-se numa flor que passou a acompanhar os movimentos do sol.

De onde vem o girassol?

É originário da América do Norte e do Sul.

Nome científico: Helianthus annus: que significa flor do sol.

Segundo Selmeczi-Kovacs, (1975), o girassol já era cultivado pelos índios norte-americanos no Novo México e Estados do Arizona (3.000 anos a.C.) para alimentação. Chegou à Europa por volta do século XVIII, sendo usado como planta decorativa. Mais tarde, sua semente serviu para a produção de óleo de girassol, cujas sementes trazem benefícios não só à saúde, como para tratamento cardiovasculares, digestivos. São antioxidantes, ricas em vitamina “E”, protegendo a pele dos radicais livres, entre outros.

Já no livro mais lido do mundo, a Bíblia, o girassol é citado em diversas passagens, numa analogia que assim como essa flor acompanha os movimentos do sol, nós devemos seguir as palavras de Deus. Também, a alusão bíblica ao girassol indica um símbolo de resiliência, vida eterna e renovação pois, tal como o girassol que, na primavera, nasce da terra em direção ao sol e, no outono, suas pétalas murcham e as sementes caem no solo, preparando-se para rebrotarem na próxima primavera, simboliza a ressureição prometida por Cristo.

Realmente, quando nos deparamos com essa flor, com seu pistilo enorme, representando o útero materno, acolhedor, sentimos emanar uma força poderosa, não é mesmo?!

As lendas sobre ela correm o mundo. Em nosso país, há uma lenda guarani, onde Carandaí, uma índia, tendo despertando a ira do cacique Mandió, pôs a tribo em risco. A partir de então, surgiu a flor do girassol que acompanha o movimento do sol. Na Espanha, quem possui onze girassóis tem a sorte ao seu lado.

O aspecto positivo do girassol não é só encontrado na Bíblia e na culinária, como na arte, música, na poesia e na literatura.

Na arte, desde a antiguidade, o girassol era retratado como símbolo de boa sorte e amor. Continuou pelos séculos nessa esteira, sempre refletindo felicidade, alegria. Van Gogh era apaixonado por ela, tendo algumas versões pintadas em vasos, realçando sua força. Posto o artista também tenha feito alusão à “inevitabilidade da morte” ao pintá-las, não quer dizer que tenha se olvidado dos aludidos aspectos positivos porquanto a antítese da vida é a morte.

Dentre as músicas que levam o nome dessa linda flor, destaco Da Cor do Girassol, do cantor Bryan Behr: ... A vida tem a cor de uma flor que vai desabrochar...

Em outras canções que citam o girassol, as mensagens são de cunho positivista, de amor, de cura, de esperança...

Muito se tem poetado sobre o girassol, desde Goethe, Kafka, Fernando Pessoa, Hilda Hilst, Manuel Bandeira, Florbela Espanca, Vinicius de Moraes, onde, também os supra aludidos atributos são realçados.

Em seu poema Girassol, Vinicius de Moraes assim se expressou:

Sempre que o sol/ Pinta de anil/ Todo o céu/ O girassol/ Fica um gentil/ Carrossel. /Roda, roda, roda carrossel! /Gira, gira, gira girassol/ Redondinho como o céu/Amarelinho como o sol.…O girassol é o carrossel das abelhas.

Na literatura, temos inúmeros autores, como o gaúcho Luiz Coronel que escreveu Um Girassol na Neblina (1977) e assim como Van Gogh vale-se do positivismo do girassol para, analogicamente, comparar o entusiasmo e o sofrimento.

Outros autores: Bogdan Igor Holovko (Girassol e Edelweiss); Marco de Curtis (O Girassol na Ventania); Caio Fernando Abreu (Girassóis); Stu Dilce (Flores de Girassol), Lygia Barbieri (Jardim dos Girassóis) etc.

Há vários logradouros públicos sob a denominação de Girassol/Girassóis, entre os quais, em São Paulo/Capital, na Vila Madalena (Rua Girassol) e no Jardim Helena (Rua dos Girassóis); em Dourado/SP (Praça Girassol); em Americana/SP (Jardim Girassol). Em vários Estados, inclusive no Amazonas/Manaus (Rua Girassol Amarelo e Rua Girassol) ...

Temos, pois, que essa flor do sol é muito querida, apreciada e amada!

Quero ser como o girassol:
Pés firmes no solo
Num campo infindo:
Com minhas irmãs
De mãos dadas ao vento
Sempre sorrindo
Girando, girando,
A procura de alegria,
Transmitindo felicidade
Num doce oceano dourado...

Frances de Azevedo -  Cadeira 39 da ACL