Estou calma, num labirinto. Grande é o impasse em que vivo, o entrecruzamento de caminhos sem saída, a complicação de meus planos, as dificuldades deste percurso. O labirinto saiu de dentro de mim, louca arquiteta que imaginou corredores, espelhos, ogivas góticas e nesse projeto, se perdeu.
Dédalo, personagem da Mitologia Grega, era ferreiro, escultor, artista que criou o Labirinto. Minos, o rei da ilha de Creta, confiou a ele a educação do Minotauro, corpo de homem e cabeça de touro. Para proteger a população e isolar o famigerado monstro, Dédalo encerrou o Minotauro no Labirinto. Mesmo assim, o Minotauro exigia um tributo de dominação: a cada ano devorava sete rapazes e sete moças para aplacar sua sede de sangue. Instalara-se um verdadeiro reinado de terror. Até que surgiu o herói, Teseu. Sua amada, Ariadne, nome que lembra “aranha”, entrega a ele um novelo. Orientado pelo fio, Teseu penetra no labirinto, desenrolando a trama. Num canto escuro, uma sombra moveu-se ameaçadora. Teseu viu os olhos de fogo na cabeça de touro. O Minotauro investiu, Teseu resistiu e, depois de uma luta corporal intensa, atingiu a criatura com um punhal. O Minotauro contorceu-se de dor e ódio pela derrota. Teseu apanhou o novelo e foi andando pelo traçado do fio até perceber o clarão de tochas, no final do túnel, onde repousou, enfim, nos braços de Ariadne.
Associo o Minotauro à arte forte do pintor sul-mato-grossense Humberto Espíndola, que utiliza em seu trabalho o boi como símbolo regional e universal, processo que ele chamou de “Bovinocultura”. No seu livro Pintura e Versos, em que se revela também poeta, Humberto escreveu: “O homem-boi e suas virgens/ O minotauro moderno mão mata mais, só gasta// E a Ariadne de praia/ não precisa de Teseu,/ se defende sozinha.” Mais adiante, ilustrando uma tela erótica e fálica: “Nos dedos,/ o impulso dos desejos se perde/ no labirinto das impressões...// Encontrar o minotauro é quase inevitável/ Mas quem devorará quem?”
“Encontrar o Minotauro é quase inevitável”, Humberto. Estou presa, ora numa caverna, numa gruta pré-histórica cheia de desenhos de bisões, numa cela de convento, numa cripta sob as lajes de uma catedral. Busco algo precioso e sagrado, que está no centro.
. Certa vez, quando visitei o palácio de Versalhes, joia francesa, símbolo da monarquia absoluta do Rei-Sol, Luís XIV, corri como Maria Antonieta entre os arbustos altos do jardim, esconderijo perfeito para uma assalto amoroso.
Inevitável, o Minotauro está prestes a violar meus segredos e, antes que o faça, acionarei meus sistemas de defesa, erguerei pontes levadiças de meu castelo e expulsarei as influências maléficas desse adversário taurino.
Concentro-me cada vez mais, em meio ao rumo das sensações, emoções e ideias, que jorram das profundezas de meu inconsciente. Enquanto isso, no interior trevoso de meu corpo, o sangue bombeia o coração, as veias pulsam, os intestinos se contraem em alças. Não tenho o menor controle de minha própria vida. Sou labirinto de mim mesma.
Estou calma. Foi difícil entrar nesse labirinto. Não será fácil deixá-lo com o Minotauro implacável me farejando, perseguindo. Preciso alcançar conhecimento que me leve à luz. Apegar-me a essa risca que me guia, à percepção, ao tino fiado por um poder divino. Essa é a linha que devo seguir para a resolução de meus traumas. Não me deixarei prender nos desvios. Já sei! Escaparei do labirinto pelas janelas da torre mais alta, que dá para o infinito. Com asas de cera e um golpe de vento, fugirei, alçarei voo em direção ao céu, ave dourada que se derrete sobre o mar, em lágrimas de mel.