Gabriel Kwak
Poucos se comparam ao desembargador Carlos Biasotti como trabalhador intelectual. Cordial por natureza, exemplar na lhaneza, sempre prodigaliza amigos e coetâneos com seus livros esmaltados no melhor vernáculo. Basta dizer que a obra de sua autoria monta a mais de 50 livros imensamente instrutivos.
Se não vejamos: notável massa de sabedoria o desembargador Carlos Biasotti coligiu em O Cão na Literatura (2022, 5ª edição), livro que teve farta acolhida desde que publicado. O autor, desembargador aposentado, foi presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (ACRIMESP), integra a Sociedade Brasileira de Criminologia e é sabidamente um lidador das louçanias do vernáculo e conhecedor das línguas clássicas. Publicou, entre muitos outros, Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades etc.), Advocacia Criminal (Teoria e Prática), Fraseologia Latina e Arma de Fogo (Doutrina e Jurispdrudência).
Com paciência metódica de um relojoeiro, nos deu um almanaque de curiosidades sobre o cão. Nesse gracioso livro, coleciona esse cabedal de aspectos capazes de mostrar que tal mascote pode “ensinar piedade ao bicho-homem”. O livro compila no seu repositório curiosidades, provérbios (como “A cão fraco acodem as moscas”) , sentenças latinas, charadas.
O nosso jurista e escritor dedicou seção ao cão e seus donos famosos: resgatou o mascote homônimo de Quincas Borba, personagem de Machado de Assis; Baleia e seus donos Fabiano e Sinhá Vitória, personagens do romance Vidas Secas, de Graciliano; e Zorro, cão do pranteado Paulo Bomfim e transcreve trecho de crônica do Príncipe dos Poetas:
“Zorro, com sua máscara negra, entrou em minha vida pela porta da simpatia. (...) Principiou a me acompanhar em caminhadas pela praia onde corria atrás de gaivotas e procurava dirigir o rebanho das ondas. Depois nadava comigo e me esperava latindo e sacudindo o pelo molhado.” (O Caminheiro, Green Forest do Brasil, 2001, p.157)
Biasotti recorda o “astro” de 26 filmes, Rin Tin Tin, o Bidu, de Maurício de Sousa, e destaca passagem do vetusto professor Napoleão Mendes de Almeida, inesquecível mestre do vernáculo: “O mais desgraçado dos homens é o que não tem sequer por si o olhar compadecido de um cão.” (Dicionário de Questões Vernáculas, Editora Caminho Suave, 1981, p.296)
Prospectou em clássicos da nossa literatura páginas imortais sobre “matéria canina”, resgatando verdadeiras pérolas.
À cata dessas passagens, revolve, vasculha léxicos, obras de Homero, Herculano, Camilo, Afonso Schmidt, do paraibano José Américo de Almeida. Fica-se sabendo que o cão é também uma peça da arma para percutir, direta ou indiretamente, a espoleta do cartucho.
Retoma Hall Caine, em O Filho Pródigo na sentença: “Dois cães ao mesmo osso raro estão de acordo.”
Obviamente, Biasotti se debruçou sobre a lealdade do animal. Repertoriou amáveis e delicadas referências de autores, inclusive, de Dale Carnegie, best-seller americano de livros motivacionais. A paixão de Maria Stuart por um spaniel que a acompanhou à prisão e testemunhou coberto de horror sua execução.
Biasotti fez na sua antologia refluir aos nossos olhos os versos comoventes de “O Fiel”, de Guerra Junqueiro, que evoca um cão esfarrapado modelar no seu amor e lealdade ao dono, que, no entanto, repelia o animalzinho e lhe infligia a detenção.
Louvado em texto clássico de Carlos Lacerda, nosso compilador nos recorda a expressão “Cão Negro” com que Churchill denominou sua condição maníaco-depressiva, tendência que foi decisiva para sua atuação no conflito mundial.
O autor comenta o aspecto de que o cão pode ser objeto de furto, havendo, nessa direção, jurisprudência assentada, conforme demonstra. Biasotti estampa no seu livro voto que exarou como relator de uma apelação a respeito do caso de um furto de um cão apreciado pela 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Tudo que sai da pena fecunda e castiça de Carlos Biasotti é digno de ser por todos meditado. Inclusive, o “livro canino” tão aliciante pela sua curiosidade.