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Luiz Eduardo Pesce de Arruda

Em 1948, a rodovia Rio - Bahia estabeleceu a ligação entre Feira de Santana e o Rio de Janeiro. A 19 de janeiro de 1951, com a presença do presidente Eurico Gaspar Dutra, era inaugurada a BR 02, mais tarde rebatizada como via Dutra.

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São Paulo vivia o ápice da verticalização e da urbanização. Urgia mobilizar mão de obra para atender à demanda da construção civil. Com o advento da nova rodovia, intensifica-se a captação de operários e seus familiares, transportando-os em caminhões com carrocerias improvisadas, desde a Bahia até Minas e de lá, para São Paulo. Nesses caminhões os – " pau de arara" –, por cinco dias e noites, até 80 pessoas se comprimiam. As crianças e bebês eram alojados debaixo dos bancos de madeira, único espaço respirável no ambiente opressivo. Comia-se farofa, rapadura, e se bebia água com o veículo em movimento. Parava-se eventualmente para que todos desembarcassem e realizassem suas necessidades fisiológicas nas matas do entorno da via (homens de um lado, mulheres de outro). Se um bebê morresse, no percurso, não havia tempo a perder, porque o motorista, ganhava por viagem. Nada de velório. Todos desembarcavam e empilhavam pedras sobre o corpinho, para evitar que animais carnívoros o devorassem. A mãe embarcava e seguia chorando em seu luto, pois não havia tempo para prantear o filho morto. De Minas, muitos seguiam viagem de trem, caso ainda tivessem dinheiro para prosseguir. Ao chegar a São Paulo, na estação do Norte ou na estação da Luz, muitas famílias e migrantes que viajavam sós, permaneciam aguardando a presença de um familiar ou de um corretor de agências de emprego, para conduzi-los a um posto de trabalho. A exploração da mão de obra, os golpes por estelionatários e a exploração sexual dos migrantes, mulheres e crianças eram frequentes e a vulnerabilidade extrema, particularmente dos recém-nascidos e crianças.

Nesse quadro, nas comemorações do IV centenário de SP, em 1954, ocorreu, na faculdade de Direito da USP, o primeiro congresso brasileiro de criminologia, onde uma jovem e brilhante professora de Direito chamada Hilda Macedo defendeu a criação de um corpo especial de policiamento feminino, especialmente com o fito de “proteger e amparar as mulheres e crianças”. O governador Jânio Quadros encantou-se com a ideia e convidou a professora Hilda a viabilizar seu projeto. Ela aceitou. O Inspetor Fuchs, da Guarda Civil, foi designado como alistador. O edital, que exigia que as candidatas fossem jovens solteiras ou desquitadas, sem filhos, com disponibilidade para trabalho noturno de relevante valor social, atraiu candidatas com um perfil distinto do pretendido. Apresentaram-se moças muito refinadas, fumando longas pioneiras, com unhas longas de cores vivas e roupas de renda", relatou a finíssima doutora Hilda ao autor deste texto. Delicadamente a doutora Hilda mandou serviu-lhes água e café, agradeceu e disse-lhes cordialmente que não era exatamente o perfil buscado. Elas foram dispensadas, mas agradeceram a gentileza da doutora Hilda. Novo edital foi publicado e, aí sim, 13 meninas - " as 13 mais corajosas de 1955" segundo comemorou a mídia, foram selecionadas e formaram o primeiro contingente de policiais, femininas do Brasil. Algumas delas enfrentaram franca oposição dos pais, que não admitiam suas filhas trabalhando fora, à noite, em meio a miseráveis, prostitutas e caftans. Algumas foram expulsas de casa. Mas prosseguiram em sua missão, trabalhando desarmadas, respeitadíssimas, consolando, aconselhando, repreendendo, harmonizando, prendendo e, por vezes, amamentando bebês de pobres mães alheias.

Uma delas, durante a ronda, encontrou uma jovem mãe japonesa com seu bebê, perdidos sem rumo pelas ruas. A mãe, que denotava transtorno, conseguiu dizer que morava em uma comunidade. A policial amamentou seu bebê e levou-os para casa. O barraco era limpíssimo, os caixotes, feito móveis, cobertos delicadamente de papel. O pai um ex piloto kamikase sobrevivente da guerra, pediu desculpas pela humildade do lar, agradeceu, ofereceu chá e, na posição de sentido, curvou-se em reverência à policial, sua cabeça quase tocando os joelhos. O tempo passou. Gerações se sucederam. As novas policiais, grandes instrutoras e formadoras, foram convidadas pela Marinha para formar o primeiro contingente feminino das Forças Armadas do Brasil. No final dos anos 80 elas foram admitidas como cadetes na Academia do Barro Branco. Os quadros masculino e feminino foram fundidos e as mulheres passaram a ocupar todos os cargos, outrora reservados aos homens, e a cumprir todo tipo de missão. Essas mulheres extraordinárias, herdeiras da coragem, da ousadia e da compaixão daquelas 13 meninas de 1955 e dos valores da saudosa coronel Hilda Macedo, abriram novos espaços profissionais para todas as mulheres e contribuíram para a caminhada rumo à igualdade da mulher no mercado de trabalho. Elas são, hoje, as nossas colegas, amigas, irmãs de quem nos orgulhamos e a quem saudamos especialmente, neste Dia Internacional da Mulher.

SP, 8 de março de 2023, 00.40h.