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Raquel Naveira

Raquel Naveira cronicas b2714

O drama de Inês de Castro é um dos mais belos episódios da história portuguesa e do amor na literatura universal.

Inês de Castro era uma nobre castelhana, prima e amante do Infante Pedro, depois Pedro I, rei de Portugal. Morreu em Coimbra, nos antigos paços de Isabel de Aragão, às margens do rio Mondego, em 1355.

Inês, como dama de honor, acompanhou a Portugal, a Princesa Constança, esposa do Príncipe Pedro, que logo se sentiu atraído por sua beleza. Para pôr termo a essa situação, o Rei Afonso IV, pai de Pedro, resolveu expulsá-la do reino, recolhendo-a a um castelo na fronteira da Espanha, onde ela continuou a receber notícias do seu amante.

Morta Constança, o príncipe mandou chamar Inês imediatamente, contra as ordens expressas de seu pai, instalando-a em sua casa, onde passaram a viver maritalmente e tiveram quatro filhos: Afonso, que morreu em tenra idade; João, Dinis e Beatriz.

Afonso IV, que conhecia a ambição dos parentes de Inês, começou a alarmar-se com o crescente poderio dos Castro, entre os quais, Álvaro Pires de Castro, que foi elevado a primeiro condestável de Portugal. Chegou a temer pela sorte da legítima sucessão ao trono. Esses fatos, agravados pelas intrigas, provocaram a trágica decisão do rei: assassinar Inês de Castro e seus filhos. A decisão foi discutida e resolvida pelo rei e seus conselheiros, entre os quais Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco. Para dar cumprimento ao plano, partiram para Coimbra, degolaram Inês e passaram a fio de espada as crianças.

Ao ter notícia do horrendo crime, o príncipe reuniu seus homens e começou a devastar o país atrás dos assassinos, mas foi aplacado por sua mãe, a Rainha Beatriz, em Canaveses, onde consentiu em assinar um tratado de aliança com o pai. Afonso IV, não confiando na palavra do filho, ordenou aos seus cúmplices que se refugiassem na Espanha.

Morto o rei, subiu ao trono Pedro I, em 1357. Seu primeiro ato de governo foi assinar com o rei de Castela um tratado, por força do qual ambos os monarcas reconheciam o direito de extradição de refugiados políticos. Em Santarém, Pedro I assistiu ao suplício dos conselheiros de seu pai, levado a efeito com requintes de crueldade.

A reabilitação de Inês de Castro revestiu-se de uma imponência nunca vista em Portugal. Seu cadáver foi trasladado de Coimbra para o Mosteiro de Alcobaça, entre alas de servos empunhando grandes círios acesos, para ocupar um dos túmulos que, com o de Pedro I, constituem duas obras-primas da escultura sepulcral da Idade Média em Portugal.

As lendas referentes à morte e coroação post-mortem de Inês de Castro são de origem literária e foram veiculadas principalmente pelas célebres oitavas de Camões (c. 1524- em Os Lusíadas. Graças a Camões, tornaram-se célebres no mundo inteiro, as expressões “a que depois de morta foi rainha” e “a do colo de garça”, com que se costuma designar a desventurada Inês. Sua vida serviu de tema para inúmeros estudos, tragédias, romances e poesias, em português, espanhol, francês, inglês e holandês. É no Canto III dos Lusíadas, que encontramos, das estrofes 118 a 135, o comovente episódio de Inês de Castro. Transcrevemos uma estância com a súplica de Inês de Castro:

Põe-me onde se use toda feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.

Escrevi dois poemas para essa história de amor e morte. O primeiro é este apelo pela boca de Inês de Castro:

Casa comigo,
Meu infante,
Sou tua dama de honor,
Tua amante
Neste tálamo cortinado.

Casa comigo,
Meu Príncipe,
Sou jovem
De formosura tão estranha
Que as flores se enervam
Quando passo.

Casa comigo,
Meu amigo,
Suspiro
Trancafiada num palácio
Às margens do Mondego.
Antes que se voltem contra mim
Como feras,
Aves de rapina;
Antes que me exilem
Na Cítia ou na Líbia,
Que me degolem
A fio de espada,

Casa comigo,
Não esperes minha morte,
De nada adiantará levar meu cadáver ao mosteiro,
Entre alas de servos
Empunhando círios acesos
Para o túmulo sepulcral,

Casa comigo.
Dá-me um vestido de noiva,
Branco,
Cheio de vapores,
Semelhante à fonte de meus amores.

Pedro,
Faze-me rainha.

O segundo é esta visita ao Mosteiro de Alcobaça na voz de uma noiva apaixonada:

Vem, noivo amado,
Segue-me ao mosteiro de Alcobaça,
As torres se erguem
Em meio à fumaça,
Monges brancos
Caminham pela nave
Levantando nuvens
De dourada taça.

Vem, noivo amado,
Entremos nos claustros:
O do Silêncio,
Onde a solidão nos enlaça;
O da Leitura,
Onde os livros se abrem
Como rolos de mel
E a lua entra
Pela vidraça.

Vem, noivo amado,
Pelo caminho em cruz,
Pela capela,
Pela sala dos reis;
Junto ao moinho
E ao jardim de rosas
Há um muro que nos separa do mundo,
Recoberto de tempo e argamassa.

Vem, noivo amado,
Cheguemos aos túmulos
De Pedro e Inês de Castro,
Os infelizes amantes
Que caíram em desgraça,
A que foi rainha
Depois de morta,
Vem, é aqui, perto da porta,
Façamos juras de amor eterno
Que nada nos ameaça.

Fiquemos como eles:
Frente a frente
Em seus sarcófagos,
Vem, me abraça.