Veio lá de Mariana, Minas Gerais, a revista literária , editada pelo jornalista Marcelo Pereira Rodrigues. Crônicas, artigos, pensamentos e reflexões, entrevista, resenhas, indicações de livros, tudo que é necessário para fazer, com qualidade, a ponte entre leitor e obra.
“Conhece-te” nos remete ao aforismo grego, atribuído ao filósofo Sócrates (469 a. C. ou 470 a. C.- 399 a. C.), máxima inscrita no pátio do Templo de Delfos, dedicado à adoração de Apolo, o deus do Sol. O pensamento completo seria: “Homem, conhece-te a ti mesmo, assim conhecerás os deuses.” Ali, numa das mais influentes e poderosas instituições da Antiguidade, onde ficava o “ônfalo” ou umbigo do mundo; onde a sacerdotisa Pítia proferia seus oráculos, instigava políticos, iniciava e punha fim a guerras, determinava a construção das cidades e da civilização, confirmava-se que o mais importante na caminhada humana é o autoconhecimento. Só através dele brilha a centelha do divino em nós. Conhecendo nossos desconhecimentos, chegamos ao cultivo das virtudes, uma espécie de inteligência. Sabedoria e virtude são inseparáveis.
Sócrates, amante da verdade, profeta, figura enigmática, pagou um alto preço por suas ideias: a condenação à morte. Foi obrigado a beber veneno, a cicuta. Sentindo os efeitos da peçonha em seu corpo, partiu sereno, confiante que o justo triunfa dos seus carrascos. Alegre porque para o lugar onde iria, poderia fazer perguntas eternamente, pois era imortal em sua essência.
O autoconhecimento tem sido assunto preferido dos poetas em todos os tempos. A sondagem do próprio “eu”. O espanto e a perplexidade de sermos desconhecidos para nós mesmos. Diante da pergunta: “Quem sou eu ?”, o poeta hesita em responder dando seu nome, idade, nacionalidade ou profissão. Ele quer ir além, fazer uma viagem interior, desfiar suas incertezas e dúvidas. “Eu sou eu mais a minha circunstância”, afirmou o ensaísta espanhol Ortega y Gasset (1883-1955). Sou um ser vário, mutável, que se transforma como as borboletas, que dança conforme a música. Sou poeta e a poesia é uma atitude perante a vida, uma insubmissão, uma liberdade, um abrir da imaginação, um prazer, uma aventura, um desejo de plenitude e beleza. Ser poeta, intensamente, na Terra e nas nuvens.
Fernando Pessoa (1888-1935), poeta que inaugurou um novo ciclo na literatura portuguesa, não se contentou em ser um só e inventou seus heterônimos: Alberto Caeiro, o sensacionista; o latinista Ricardo Reis; o angustiado e moderno Álvaro de Campos e outros. Dividiu-se para se autoconhecer.
Certa vez, escrevi: “Sou uma fiandeira, / Aranha tirando de dentro/ A liga que emaranha”. A imagem da fiandeira que tece, fia, trama, urde, prepara textos como se fossem bordados, me define, delineia meu perfil de Penélope e pacifica a minha espera.
Bem disse Benjamin Franklin (1706-1790) que “há três coisas extremamente duras: o aço, o diamante e conhecer-se a si mesmo “. Maís difícil ainda é a pessoa estar satisfeita em ser quem é. No poema “Círculo Vicioso”, Machado de Assis nos apresenta um vagalume que queria ser estrela, uma estrela que queria ser a lua, a lua que queria ser o sol e o sol que gostaria de ser um simples vagalume. A criação foi feita para louvar a Deus, para admirar a grandeza do Universo. O elefante louva sendo um elefante, a formiga sendo uma formiga, as árvores sendo árvores. Há, ao mesmo tempo, finitude, fulgor e potência, em cada célula, em cada átomo, em cada semente, em cada faísca. Tudo se move no Amor, entre fagulhas de sol, estrelas e pirilampos.
Conheço-me quando me debruço sobre a folha de papel em branco, a face baixa e oculta, concentrada por dentro como um candelabro aceso. Conheço-me quando, antenada em minha arte e ofício, folheio uma revista que me desafia com seu título: “Conhece-te”.