Preciso me confessar. Revelar tudo aquilo que guardo em segredo, que oculto de mim mesma. Admitir cada erro, nomeá-lo, abandoná-lo talvez. É um ato de coragem, mas estou em angústia.
Os poetas, em toda a tradição lírica, fizeram confissões íntimas em busca de seu autoconhecimento. Drummond (1902-1987) , por exemplo, confessou que não amou bastante o seu semelhante, que não amou sequer a si mesmo, não amou ninguém, “salvo aquele pássaro- vinha azul e doido- que se esfacelou na asa do avião”.
Confissões, de Santo Agostinho (354 d. C- 430 d. C), é um dos livros mais comentados do Ocidente. Mesmo os agnósticos se sentem comovidos ao ler essas páginas palpitantes de um filósofo, de um cultor da arte, outrora sensual e ávido de glória, que se transforma num homem resgatado por seu Deus. Agostinho narra os sofrimentos de sua mãe, Mônica, que orava por ele; a história de suas dúvidas existenciais; a luta contra uma natureza rebelde. É uma leitura forte, a vitória de quem caminha do temor à esperança: “Faço esta confissão com as palavras de alma e o clamor da inteligência”.
O brado de Pablo Neruda (1904-1973) ecoou dos bosques chilenos até os confins do mundo: “Confesso que vivi”. Memórias vivas desse poeta que cantou a condição dos povos latino-americanos com potência épica. Abre as experiências de um menino que nasceu ao pé dos vulcões, sentindo o aroma de loureiros e boldos. De um jovem tímido, perdido na cidade, morando em pensões. Sua peregrinação de diplomata pela Índia, China, Itália, o florido e espinhoso México, a Espanha de seu coração. Mostra-nos a Poesia como um ofício de valor. O poeta como um artesão que exercita um trabalho por longos anos com amor indelével. Confessa que a inclinação profunda do homem é a poesia. A liturgia, os salmos e as religiões saíram da Poesia. O poeta é o antigo sacerdote.
Recentemente, uma outra ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, Annie Ernaux (1940) conquistou o público leitor com o gênero denominado “autossociobiografia”, uma espécie de autoficção, de confissões poderosas. No romance O Lugar, ela se debruça sobre a trajetória de seu pai para investigar relações familiares, conflitos de classes sociais, o lugar ocupado por um sujeito pobre e de pouca instrução numa França entre guerras. A dificuldade de conviver com ele à medida que crescia intelectualmente, criando um abismo silencioso, de incomunicação e dor. O tom é realista, cheio de sentimento, mas sem sentimentalsmo. No coração, a filha guarda as lembranças do tempo distante em que o pai a levava para a escola em sua bicicleta, “barqueiro entre duas margens, debaixo de sol e de chuva”.
Com minha boca confesso, com meus joelhos me dobro, com minhas mãos, escrevo. Alguém, em algum lugar, me ouvirá.