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Raquel Naveira

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Ouço o barulho das bombas e dos mísseis todos os dias. Os gritos dos alcançados a esmo pelas balas e fagulhas. Não importa que eu não esteja no epicentro dos fatos. A questão de hora e de lugar não conta mais. Os meios de comunicação cancelaram as diferenças. Qualquer lugar do mundo é seu centro. Fui atingida em cheio, bem no peito, pela energia contida no núcleo atômico.

O Japão não estava longe da derrota naquele mês de agosto de 1945. A Força Aérea deixara de existir, os navios haviam afundado, a esplanada das ilhas protetoras fora perdida. A partir de suas bases, as esquadras de bombardeiros americanos devastavam as cidades. Até que duas bombas de um tipo novo, desenvolvidas pelo cientista que revolucionou a Física, Robert Oppenheimer (1904-1967), foram lançadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Cidades que eram verdadeiras joias, portos militares, onde, quatro séculos antes, europeus e japoneses pela primeira vez estabeleceram contato. Os resultados foram terríveis e o imperador decidiu salvar o seu país por meio de rendição. A Segunda Guerra Mundial chegara ao fim.

As armas nucleares são consideradas armas de destruição em massa. Os incêndios e a radiação produzem danos e ferimentos irreversíveis. O uso e o controle dessas armas têm sido um dos principais focos da política de relações internacionais. O Prêmio Nobel da Paz de 2024 será entregue à “Confederação Japonesa de Organizações de Vítimas de Bombas A e H”. Depoimentos de testemunhas tocam os corações e as mentes para a necessidade do desarmamento nuclear. O perigo é iminente. Várias nações possuem a bomba: Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, Israel. O mundo está sobre uma imensa bomba prestes a explodir pelos ares.

No livro “Os Sobreviventes”, Cassiano Ricardo (1895-1974), poeta, ensaísta, jornalista, afirma que a palavra “sobrevivente” adquiriu uma nova acepção depois da bomba atômica. Somos todos meros sobreviventes à morte nuclear. Ao acordar, devemos nos perguntar se ainda estamos vivos. E nem é preciso que estejamos no meio do mar agarrados a um salva-vidas, nem que tenhamos sobrado de um terremoto, das lavas de um vulcão ou fugido de um acidente numa mina de carvão, ou que estejamos dentro de um submarino desaparecido para sermos sobreviventes. Somos sobreviventes fazendo de tudo para não parecer.

Segundo o poeta, um dia, todos os sobreviventes se reunirão em praça pública: os de Hiroshima e Nagasaki, os mutilados de guerra, os que escaparam do terrorismo e dos conflitos raciais, os suicidas enforcados, os mendigos esfarrapados e miseráveis, os que usam máscaras pretas nos velórios, os que se escondem nos túneis, no subsolo, os que sobem ao solo. Haverá uma promoção sangrenta dos subvivos a vivos, dos sobreviventes a viventes, dos viventes a novos entes. Assim o poeta imagina: “Ao amanhecer/ lugar ao sol dos vivos/ Eles estarão no futuro”. E ainda questiona: “Há quanto tempo/nos chamamos irmãos/ sem o sermos./ Uns matando os outros/ (já imemorialmente)/ por cidades e ermos.”

Ouvindo o barulho das bombas e mísseis sobre minha cabeça, escrevi o poema “Bomba”:

A bomba explode,
Tomba em forma de chuva,
Fungo
Cheio de estilhaços,
Energia,
Átomos
E farelos.

A bomba explode,
Zomba dos homens
Que derretem
Na pele,
No solo,
Na vertigem
Do imenso flagelo.

A bomba explode,
Arromba cercos,
Muralhas
E castelos,
Voam pedras,
Árvores,
Ossos
Na fumaça,
Na massa do cogumelo.

A bomba explode
Arrancando lascas,
Faíscas,
Cintilações de um grande martelo.
É força cega,
Calamidade,
Ardor e cólera,
Choque em ondas,
Destruição sem paralelo.

Sobrevivente,
Cadáver adiado,
Apelo apenas
Por um lugar ao sol,
Sem sede,
Sem fome,
Neste planeta amarelo.