Os resmungos do vento soprado da minha infância teimam em reacender as velhas e boas lembranças.
Lembranças daquela liberdade pueril, quando então, do quintal aberto para um mundo envolto de cores e sabores e sensações transbordantes de alegrias, eu, realmente, podia sentir toda a magia de uma liberdade inconteste.
Aqueles dias de convívio com a natureza tinham uma liberdade enriquecedora, a qual somente agregava valores ao meu viver, permitindo-me, hoje, como reflexo positivo, o equilíbrio necessário com as pessoas e com os ideais e sonhos de cada um.
Eram generosos os fetiches infantis permitidos pelo sonhar inocente, que davam asas e o poder de voar. Voar pelo espaço afora. Ir, como os pássaros, aos céus, às estrelas, à Lua, ou simplesmente ao galho mais alto da paineira – reflorido gigante sobranceiro. Saborear livremente cada fruto, cada instante, cada melodia suavizada pelos encantos da natureza preservada da ganância da modernidade.
Compartilhar interagindo com o pulsar harmonioso das criaturas que coloriam minha vida e rendilhavam minha alma: o beija-flor, frenético, pairando no ar pelo néctar saboroso e vital; os vaga-lumes, ponteando de magia o verdeal escondido na escuridão das noites. Um mugido, um latido, um relincho, ora aqui, ora ali, entre as ramas e os galhos recobertos pelas flores do cipó-de-são-joão - adocicadas e recheadas de conquistas. Também as paineiras, com a suavidade das painas acariciantes como a brisa que as sopravam.
Do pilão e suas batidas triturantes desta saudade que sinto.
Do fogão à lenha, da chaleira fumegante e do grande bule que despejava um café quentinho - servido acompanhado do mais simples e saboroso bolo de fubá.
Das águas cristalinas e ressoantes do monjolo, que corriam em terreno gentil, alimentando a horta e as jabuticabeiras e, depois, aquele pequeno lago (que nos parecia tão grande), no qual eu e meus irmãos nos deliciávamos a todo instante... a toda hora.
O colo materno - aconchegante e primordial -, e o abraço paterno - carinhoso e protetor -, sempre presentes, cuidando e orientando.
Assim, a vida seguia o ritmo da natureza, da harmonia e do amor.
Tudo era bucólico, mas, jamais triste. Tinha, sim, o ritmo da liberdade. O ritmo da liberdade de quem não tinha necessidade de estrangular-se nos afoitismos e preocupações desmedidas e, muito menos, com os sobressaltos hoje provocados pelo receio e pelo medo constantes face ao nosso próprio semelhante.
Ao menos, essa era a sensação que nos passavam nossos pais e, também, a própria intensidade com que a natureza celebrizava os dias e a vida de tudo e de todos daquele meu mundo que sempre me pareceu resplandecido de paz, aromas e cores... vivas e deleitantes.
Por isso é que mantenho em meus sonhos uma frondosa mangueira, daquelas de imponente porte centenário, sob cuja fronde gentil e refrescante eu posso fechar os olhos e sonhar meus sonhos de saborosas e lúdicas lembranças.
Reinaldo Bressani - Cadeira nº 15 da ACL