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Gabriel Kwak

“Foi uma polêmica de alto nível”. Assim definiu o poeta PAULO BOMFIM ao lembrar a mim o episódio que passo a contar aqui. Quando prefeito de São Paulo na sua última passagem pelo cargo, Jânio Quadros deliberou trocar o nome da praça Rodrigues de Abreu, no bairro do Paraíso, para Reino de Marrocos. Movia-o oferta ao município do embaixador daquele país no Brasil de monumento naquele logradouro. Em 21 de julho de 1987, o eterno Príncipe dos Poetas publicou protesto sob a forma de artigo no Jornal da Tarde contra a medida. Paulo saiu em defesa da memória do poeta capivariano contra o memorando do prefeito.

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Em resposta, o prefeito escreveu as seguintes linhas em despacho publicado no “Diário Oficial”:

“O erudito poeta fez uma oração histórica, na qual só nos falta ameaçar com uma invasão sarracena. Equivoca-se em sua ilustração, e boa fé. O reino de Marrocos vai doar à cidade um monumento, enviando da África, artesãos para erigi-lo. Há uma condição: a pequena praça, e só ela. Cauteloso, solicitei de S. Exª, de idêntico significado urbano para Rodrigues de Abreu. O que faria meu amigo Paulo Bomfim? Atenderia à exigência ou sacrificaria a cidade?”

O “Diário Popular”, de 23 de julho, estampou a tréplica do poeta de “Aquele menino”:

“(...) E a obra de Rodrigues de Abreu, não será ela monumento muito mais importante à paisagem cultural de nossa terra? O precedente não é bom. Daqui a pouco estaremos modificando os nomes de Praça da Sé para Praça Tanzânia. Praça da República para Praça do Suriname e o Largo São Francisco para Largo de Andorra. Tudo para que a metrópole pudesse ser agraciada com monumentos vindos do exterior.

Não entendo também qual o fascínio que a Praça Rodrigues de Abreu exerce sobre o Reino de Marrocos, a ponto de exigir esse exato logradouro para o local do monumento. Só mesmo se for comovedora homenagem do islamismo à Catedral Ortodoxa ali existente! O ilustre prefeito de São Paulo não deve sacrificar a memória de Rodrigues de Abreu, seu irmão de poesia.”

A fiel secretária de Jânio, Kalime Gadia, agendou então encontro na Prefeitura do folclórico chefe do Executivo com  Paulo Bomfim e Honorio de Sylos.

Lá chegando ambos, à hora aprazada, Jânio assim saudou o poeta:

— Bomfim, você ganhou a parada, os marroquinos se comprometem a oferecer a obra de arte, mantendo o nome do poeta na praça.

E diz ao acadêmico Honorio de Sylos:

— As pancadas do Paulo doeram no meu lombo!

E é Paulo quem contou em página de reminiscência como terminou a audiência:

“Em seguida conto a ele que Osmar Pimentel, seu colega de turma, estava há muitos anos doente, imobilizado numa cama. Falo que levei Lygia Fagundes Telles para visitá-lo, e que para preparar o ambiente, subira na frente dizendo: — Adivinhe quem veio ver você? Osmar prontamente responde: —Jânio Quadros! Lygia aparece em seguida, diz umas palavras carinhosas ao colega enfermo e, à saída, declara: —Ora, se estivesse escuro, até que eu imitaria o Jânio, só para contentá-lo.

Peço licença ao prefeito para usar o telefone e coloco Osmar Pimentel na linha. Jânio, visivelmente emocionado, fala durante meia hora com seu colega.

Tenho certeza de que essa deve ter sido a última alegria de Osmar Pimentel que pouco depois falecia.”

Tempos de polêmicas elevadas. Assim era Jânio, assim era o terno Paulo Bomfim.

Em tempo: de onde dedilho estas linhas vejo na minha estante as lombadas de duas brochuras: do livro “Casa Destelhada”, de Rodrigues de Abreu (praticamente em formato de bolso) e a biografia que lhe dedicou o saudoso Roque Luzzi.