Juarez Avelar
Aos cinco anos de idade, decidi ser médico, em decorrência de súbita e dolorosa tragédia que se abatera sobre minha família, por grave queimadura com fogo, sofrido por meu irmão, dois anos mais novo que eu. Assim, ainda criança tangido por sentimento de compaixão humana, selou meu destino. Após sete décadas e meia, reafirmo, que, se tivesse de fazer, hoje, minha opção profissional, faria-a pela Medicina. Minha graduação só foi possível graças ao constante apoio e incentivo de meus saudosos pais (Anizio e Maria Avelar), minha determinação, empenho e todos os predicados que o destino me exigiu. Ainda nos bancos acadêmicos a Cirurgia Plástica foi a especialidade que me conquistou e a proteção Divina me conduziu a segui-la com meu saudoso Prof. Pitanguy.
A cirurgia reconstrutora da orelha, praticada até então, inquietava-me, deixando-me inconformado, pois, carecia de estudos, ideias, outras técnicas, para a obtenção de melhores resultados cirúrgicos. O Prof. Pitanguy acompanhou, com especial interesse, a evolução das minhas pesquisas e, em particular, o desenvolvimento de novas técnicas por mim idealizadas, e na divulgação nacional e internacional.
Descrevo aqui um episódio ocorrido no dia 1º deste mês de julho de 2.022, quando fui a Belo Horizonte proferir conferências sobre o tema, em importante congresso mineiro (REPARART).
Após as sessões do período da manhã, acompanhado por três destacados e competentes especialistas, Drs. Jorge Abel, Oromar e Raiff, caminhamos até um restaurante próximo ao memorável evento. No curto percurso, vi, alguns metros à nossa frente, um senhor com aparência de quarenta anos, exibindo sinais de que fora muito bem submetido a cirurgia de reconstrução da sua orelha esquerda.
Discretamente, sussurrando, comentei com meus colegas que aquele senhor apresentava sua orelha extraordinariamente bem reconstruída. Meus amigos, também discretos, comentaram a impecável precisão da técnica empegada para alcançar tão brilhante resultado. Meus colegas, expressaram unissonamente: “Dr. Juarez, aquela orelha foi reconstruída? Se foi, está muito bem operado com excelente aparência estética”.
Inesperadamente, enquanto sussurrávamos, a senhora que acompanhava o referido senhor, voltou-se em minha direção, dizendo-me:
- Dr. Juarez Avelar, o senhor está com a mesma aparência de trinta e dois anos atrás, quando realizou a reconstrução da orelha esquerda deste meu filho. Ele tinha apenas sete anos quando o senhor realizou a cirurgia, lá em São Paulo, com muito bom resultado.
Diante daquela inusitada cena, em plena via pública, reagi com espontaneidade e os cumprimentei com a natural satisfação. Meu paciente não teve a mesma percepção que sua genitora, visto que nosso contato ocorreu quando ele, ainda em tenra idade, não registrou em sua mente meus traços fisionômicos. Eu não o reconheci, porque, passados trinta e dois anos, ocorreram-lhe naturais modificações físicas e fisionômicas. Minhas primeiras palavras foram de constatação de que sua orelha fora muito bem reconstruída, conforme comentei com meus colegas, inclusive sobre o crescimento dela, proporcional ao seu desenvolvimento físico.
Minha satisfação profissional, diante daquele inesperado e feliz encontro, conduziu-me a refletir sobre a criatura e o criador, que, sob o Manto de Deus, Responsável por aquela obra cirúrgica e artística, que foi O Guia para minhas mãos, imaginação e coração.