Rosa Maria Custódio (Setembro/2009)
Na introdução do livro Os Brasileiros (cuja primeira edição, no Brasil, foi em 1972 – sendo antes publicado no Uruguai, em 1969; e na França, em 1970), o antropólogo Darcy Ribeiro, autor de outras obras importantes (O Processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, O Dilema da América Latina, Os Índios e a Civilização) escreveu:
Poucos países juntaram, como o Brasil, tijolos e cimentos tão díspares em seu processo de constituição. Poucos também experimentaram vicissitudes que mostram de forma tão clara os caminhos pelos quais uma nação pode constituir-se não para servir a si mesma, mas para atender a interesses alheios.
Quatro décadas se passaram desde a publicação dessa declaração do grande estudioso de nossa raça, mas continuamos com a sensação de que, apesar de todo o desenvolvimento e progresso alcançados, vivemos numa nação constituída não para servir a si mesma, mas para atender a interesses alheios.
Acostumados a viver com esta herança cultural, os homens que hoje estão no comando do país, ou que detém o poder financeiro nacional, podem achar muito normal se apropriarem da maior parte dos bens produzidos coletivamente. Os interesses, nesse caso, são alheios e particulares. Não fosse assim, como explicar a grande desigualdade social ainda existente no Brasil? Como explicar o enriquecimento fenomenal e célere de muitos homens públicos, depois de poucos anos de mandato?
Agora, além da movimentação antecipada em torno da disputa pelas eleições de 2010, onde vale o jogo de faz de conta que a democracia existe e que os políticos representam os interesses do povo que os elege, os olhos da ganância se voltam para o litoral brasileiro, que, segundo os especialistas no assunto, contém reservas de petróleo que se estendem por 800 km e chegam a ter 200 km de largura. Isto tudo numa área de 112 mil km quadrados, que vai do estado do Espírito Santo à Santa Catarina. Uma área que se tornou cobiçada e que está despertando os mais variados tipos de sonhos, e pesadelos.
Aqueles que chegarem primeiro, com o aval dos homens da lei, começarão a exercitar a sua matemática bilionária para garantir a realização dos sonhos de todos os seus herdeiros. Se conseguirem dominar as altas temperaturas e pressão, da camada de sal e dos concorrentes. Tudo isto terá um custo, calculado em mais de um trilhão de dólares e levará muito tempo para se tornar exequível. Mas, para os governantes, não será problema: o povo é trabalhador e continuará dando seu suor e seu sangue para a grandeza da nação.
Enquanto isso... O salário dos trabalhadores brasileiros continuará sendo um dos mais baixos do planeta, e os aposentados continuarão a viver na miséria, com uma aposentadoria que vai evaporando a cada dia.
Crescerá o número de caminhões nas rodovias, automóveis nas ruas, engarrafamento no trânsito das cidades, poluição na atmosfera. E, na mesma proporção, as consequências negativas para o ser humano e toda a sociedade: maior número de acidentes com vítimas fatais, stress físico e emocional, baixa produtividade no trabalho, desperdício de recursos humanos e sociais, insegurança e violência...
Continuarão as desculpas de sempre: falta de recursos para a saúde, educação, habitação, bem estar social. Mas aumentará o número de funcionários públicos, com estabilidade nos empregos e todo tipo de benefícios, para atender as exigências crescentes de uma burocracia cada vez mais robusta e ineficiente na sua função nacional e social. Tudo isso pago com o dinheiro público que, para os aproveitadores e espertalhões, parece cair do céu.
Aumentará a criminalidade, que já está socializada, assim como a transgressão à ordem inversa e injusta que vigora no país, onde os ladrões de galinha (mortos de fome) vão para as cadeias lotadas e desumanas, enquanto os bandidos poderosos, vivem na mordomia e são aplaudidos pelo populacho, que ainda acredita em papai Noel, e os vê na televisão, bem vestidos, disfarçados de homens de bem.
As emissoras de rádio e televisão, estatais, financiadas com o dinheiro público, continuarão a mostrar a ilha da fantasia, cada vez mais grandiosa, colorida, espetacular, cheia de efeitos especiais, criadas e mantidas com a ajuda de profissionais da imprensa e da mídia, que agora não precisam de diplomas e nem perder tempo nos bancos de uma faculdade.
A imprensa e as emissoras de rádio e TV, “livres”, continuarão cavando dinheiro no asfalto, ou choramingando verbas públicas ou privadas, em troca de propaganda e publicidade, às vezes enganosas. A Imprensa continuará a informar a sociedade, fazendo a cobertura de todos os acontecimentos, e entrevistando todos os personagens “importantes” da história que se repete. A mídia televisiva continuará com seus programas sensacionalistas, mostrando com detalhes a cara e as façanhas dos bandidos, e incentivando a criminalidade; ou transmitindo, ao vivo e à cores, shows que divertem o populacho ocioso no corpo e no espírito; ou exibindo enlatados estrangeiros de baixo nível, que só exploram a violência e pregam a inversão de valores.
Quem acredita, em sã consciência e inteligência, que existe liberdade de expressão? Só se for a favor daqueles que estão no poder. São muitos os exemplos de profissionais, da imprensa e da mídia, que, ao longo da nossa história, perderam o emprego, ou foram ameaçados e processados, por dizerem ou escreverem o que sabiam e pensavam. Que “liberdade de expressão” é esta?
Só mudam os cenários, os figurinos e os nomes dos personagens. Daqui a quarenta anos, estaremos escrevendo a mesma história. Ou não?