Rosa Maria Custódio (2009)
Na sua grande maioria, o povo brasileiro é trabalhador, honrado, criativo e empreendedor; caso contrário o Brasil não seria o que é: um país pujante, vigoroso, de futuro promissor. Mas, infelizmente, entre os brasileiros, tem também um número bem expressivo de pessoas egoístas, inescrupulosas, corruptoras e corruptas, que exploram as riquezas da terra e os bens produzidos no país, sem nada oferecer em troca, a não ser o péssimo e lamentável exemplo.
Por dinheiro, poder, luxo e ostentação, essa classe de narcisos é capaz de qualquer coisa e, nas últimas décadas, vem atuando com desenvoltura em todas as esferas sociais, públicas e privadas; se serve de todos os meios possíveis, legais e ilegais, para ampliar o seu poder de ação e exploração, que é cada vez mais pernicioso. O que mais impressiona é o fato de que eles, os narcisos, só existem e atuam, com tanta liberdade e facilidade, porque ao seu redor gravita um número significativo de profissionais competentes (e bem pagos), das mais variadas áreas, que lhes prestam serviços e vassalagem.
No Brasil, está ficando muito difícil separar o joio do trigo. Não dá para cortar o mal pela raiz quando as sementes das ervas daninhas já foram espalhadas pelo vento e pipocam em todo lugar.
A condenação e prisão dos envolvidos no caso conhecido como Operação Narciso (iniciada por agentes da Polícia Federal, Ministério Público e Receita Federal, em 2005) que ocuparam as manchetes dos principais jornais e noticiários televisivos, é apenas mais uma pequena amostra do que se tornou corriqueiro no lamaçal dos negócios escusos que proliferam na sociedade brasileira. Por trás do luxo e da ostentação de riqueza, da butique mais cara do país (Daslu), o que havia era muito desvio de conduta. E mais: sonegação de impostos, importações fraudulentas, formação de quadrilha e falsidade ideológica.
Citemos um pequeno detalhe daquilo tudo que ficou comprovado na Operação Narciso: na famosa e rica butique, uma bolsa, comprada no estrangeiro por quase R$ 9.000,00 (e vendida aqui por um valor muito mais alto), entrava no Brasil com nota fiscal falsificada no valor de R$ 21,00. Um sapato, comprado por R$ 1.300,00, entrava no país com valor declarado de R$ 9,00. Ou seja, os empresários arrojados – que faturavam milhões, moravam em palacetes e eram bajulados por todo um séquito de profissionais da moda e da mídia – simplesmente enriqueciam ilicitamente. Burlavam as leis, sonegavam impostos, não contribuíam para o bem estar da sociedade, e assim prosperavam. Enquanto os empresários sérios e responsáveis, que se defrontam com todo tipo de dificuldade, e milhões de brasileiros, que mal ganham para sobreviver, são obrigados a pagar impostos injustos, que lhes são descontados na fonte.
A juíza federal Maria Izabel do Prado, da 2ª Vara Federal de Guarulhos, que proferiu a sentença, declarou: “os acusados associaram-se, de forma planejada e estruturada, com divisão funcional de atividades, tendo por escopo a obtenção de lucro ilegal". Os principais responsáveis, pela formação do esquema bilionário de importações fraudulentas e sonegação de impostos, foram condenados e presos. Mas, como todos os criminosos e contraventores de colarinho branco, independentemente do número de anos de condenação, eles logo conseguem a liberdade, através de um habeas corpus ou outros recursos. Enquanto isso, milhões de pobres brasileiros, desatinados, desamparados, humilhados e mal tratados, apodrecem nos cubículos imundos das instituições prisionais, que só prestam para fomentar a revolta e o desejo de vingança dos presidiários. Essas instituições falidas, improdutivas e onerosas ao erário público, só sobrevivem porque estão a serviço de um sistema viciado, corporativista, injusto e atrasado.
Infelizmente, o que mais se vê, hoje em dia, é a lei servindo de escudo aos verdadeiros bandidos, corruptos e corruptores, de colarinho branco ou não. É alarmante o número de profissionais bem preparados, principalmente legisladores e advogados, que defendem bandido bem sucedido (ou seja, rico). Eles esquecem que o exercício profissional, seja na esfera pública ou privada, não isenta o seu praticante da responsabilidade social e humana, tão importante quanto aquelas que tratam do exercício da cidadania.
Como ter orgulho de ser brasileiro, diante desta triste realidade? Como olhar para os nossos jovens e exigir bom comportamento e bom desempenho nos estudos e na vida, se os adultos que mais se destacam são tão indecorosos e irresponsáveis socialmente? Como exigir que um trabalhador, que ganha o salário mínimo seja honesto, honrado, educado, bom pai de família, se o dinheiro que ele ganha mal dá para pagar o aluguel de um cortiço? Como acreditar no futuro, se os velhos são tão maltratados e os aposentados não recebem o que lhes foi prometido nos anos de produtividade?