A Academia Sul-Mato- Grossense de Letras fez recentemente uma homenagem ao escritor, jornalista e folclorista Hélio Serejo, que nasceu em Nioaque em 1912 e faleceu em Campo Grande em 2007. Com o intuito de estudar engenharia, Serejo alistou-se no 3º Regimento de Infantaria, no Rio de Janeiro e foi preso em 1935, durante a Intentona Comunista. Até provar sua inocência, permaneceu detido na Ilha das Flores por seis meses, sendo excluído do exército. Retornando a Mato Grosso, trabalhou como fiscal, escrivão e jornalista. Fixou residência em Presidente Wenceslau, em 1948. Mudou-se para Campo Grande e trabalhou como ervateiro. Foi assim que conheceu o universo de sua gente da fronteira, retratada em suas obras com amor e compaixão. Foi membro de diversas instituições, dentre as quais o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
Foi uma noite de declamações, leitura de textos, poemas, trechos de contos, fotografias, músicas, num espetáculo orquestrado pelos escritores Rubenio Marcelo, Henrique Medeiros e Ileides Müller. A presença da escritora Helita, filha de Serejo, trouxe grande emoção para um público sensível e interessado.
Resgatei então este meu texto escrito em memória de Hélio Serejo, que transcrevo abaixo:
ERVAIS
Outro grande tema regionalista é o drama dos ervais. O gaúcho Tomás Laranjeira, auxiliar da comissão de limites do governo imperial, logo após a Guerra do Paraguai, palmilhando a matéria da serra de Maracaju, observou as árvores de erva-mate, que apareciam exuberantes até o Apa. Trouxe então gente do Rio Grande do Sul e iniciou a exploração das matas de erva-mate, empregando também os paraguaios.
A erva-mate, exportada para o Uruguai e a Argentina, dava muito lucro e assim foi fundada a Companhia Mate Laranjeira, tendo como sócuito lucro e assim foi fundada a Companhia Mate Laranjeira, tendo como so durante a, e volta para sua e no "uai"ios políticos influentes, os irmãos Murtinho.
Na esteira do desenvolvimento da Companhia Mate Laranjeira surgiram vários núcleos populacionais que se tornaram cidades deste sul de Mato Grosso: Ponta Porã, Porto Murtinho, Nioaque, Bela Vista.
Hernâni Donato (1922-2012), escritor e historiador que pertenceu à Academia Paulista de Letras e à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, escreveu o romance Selva Trágica, focalizando os conflitos na região ervateira, um vivo quadro da tragédia dos homens escravizados pela extração da erva-mate, mergulhados no “inferno verde”, bruto e absurdo.
Hélio Serejo, nosso folclorista, registrou com alma várias passagens pungentes ocorridas nos ervais e foi assim, inspirada nos seus livros Vida de Erval e Homens de Aço, que escrevi o poema “Vida de Erval”.
Os ervais se estendem como um manto,
Muralha verde e movediça,
Cada folha é a vida de um homem
E todas juntas contam a história deste sul,
Deste Estado calcado em sangue e clorofila.
No mesclado vegetal
O ervateiro é rude,
Puro músculo de tigre,
Mas na noite profunda e silenciosa
Sabe embalar o filho
E amar com ternura a mulher guarani.
Pela manhã, madrugada ainda,
Sonda o tempo:
O verão torra a terra,
Urutau, ave do sol,
Pousa sobre as erveiras arredondadas.
Ao trabalho!
Não importa o sacrifício,
O que vale é o mate;
Não importa a liberdade,
O que vale é a produção;
O patrão tem chicote de lagarto papo-amarelo
Para arrebentar todos os órgãos e sonhos.
Se tem baile,
Por um momento esquece a luta;
Quanta fita encarnada,
Quanta chica bonita!
Mas por ciúme ou desdita,
Pode haver quebra-quebra,
Sururu bravo
E acabar em defunto,
Em peito aberto a navalha
Como um cravo colorado.
Se a tarde ameaça chuva,
Os espíritos caminham no lusco-fusco:
É o duende que vem na garoa,
É a alma feminina do fogo e da erva-mate;
Onde a estrela d´alva
Com seu leite,
Sua benção branca?
No pequeno cemitério da fronteira,
Povoado de cruzes esquálidas,
Trançadas por tiras de pano
Que lembram rotos sudários,
Há tantas vítimas,
Tantos heróis,
Tantos carrascos...
E lá, onde começava o manto dos ervais
Ainda se ouvem os gritos de ira e entusiasmo dos ervateiros.
O fim do monopólio da exploração dos ervais é prova de que os empreendimentos humanos são passageiros. Que o poder terreno é ilusão verde que se dissolve na mata.