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  • Fonte: Geraldo Nunes

Para entender a Revolução Constitucionalista de 1932 é preciso retroceder à Proclamação da República, em 1889.

O fim da Monarquia não suscitou na implantação da plena democracia, fez sim ascender ao poder os grandes fazendeiros, empresários e comerciantes ligados ao café.

São Paulo, até então uma província interiorana afastada dos negócios e dos interesses da capital federal se viu transformada na “locomotiva da nação”.

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Todo o café produzido era exportado e o que ficava da safra excedente era comprado pelo governo e depois queimado.

Assim, os preços no exterior se mantinham estáveis e, no mercado interno, o mesmo se fazia em relação ao leite produzido nas fazendas de Minas Gerais.

Tal procedimento garantia a riqueza dos fazendeiros independente do que acontecesse no plantio ou na colheita.

Em razão disso passou a haver alternância do poder somente entre governantes paulistas e mineiros.

Para se ter uma ideia de como era o Brasil nesses tempos, a participação popular na política se limitava a apenas 5% da população com direito ao voto.

Quase não havia para a classe média oportunidades de emprego, deste modo o que se almejava na vida era seguir uma carreira tradicional de comerciante, padre ou militar.

Isto fez surgir uma quantidade enorme de tenentes, ou seja, oficiais de menor patente que com o passar do tempo ficou em número maior que o de oficiais graduados como coronéis e generais.

Esta situação conflituosa deu origem a um movimento político iniciado dentro dos quartéis chamado tenentismo.

Medidas que desagradavam os tenentes, davam motivo para insurreições como foi o caso da Tomada do Forte de Copacabana, em 1922 e a Revolução de 1924, em São Paulo.

A quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, afetou a economia brasileira, os preços do café despencaram no mercado externo e isto fez aumentar internamente o desemprego e a fome.

Em consequência, os fazendeiros de São Paulo e Minas se desentenderam e o então presidente Washington Luiz, decidiu quebrar a regra de alternância e buscou eleger um outro paulista para a presidência da República, Júlio Prestes.

Os tenentes que já haviam tentado destituir a República do Café com Leite, nos levantes de 1922 e 1924, se revoltaram contra o resultado das eleições.

Diferente das outras vezes, a mobilização dos tenentes aconteceu em todos os quartéis do país e o presidente Washington Luiz foi deposto e seu sucessor, Júlio Prestes, nem chegou a assumir.

Os tenentes unidos aos militares de maior patente decidiram conduzir ao poder Getúlio Vargas, que havia sido derrotado nas urnas por Júlio Prestes, em uma eleição considerada por eles fraudulenta.

Este desenrolar entrou para a história com o nome: Revolução de 1930.

Em São Paulo, o PD - Partido Democrático – surgido de uma dissidência do PRP – Partido Republicano Paulista, de início apoiou Getúlio Vargas.

Este, desfila em carro aberto pela capital paulista, antes de prosseguir sua viagem de trem na direção do Rio de Janeiro onde tomaria posse.

Se acreditava que Getúlio Vargas fosse nomear para o governo paulista algum integrante do Partido Democrático, mas essa expectativa não se concretizou.

Em vez de governadores, Getúlio Vargas nomeou para os estados, tenentes-interventores e para São Paulo, escolheu João Alberto Lins de Barros, um pernambucano linha dura e fiel cumpridor de ordens.

Tal atitude irritou os liberais paulistas que deixaram de apoiar Getúlio.

João Alberto para contrapor e provocar a população, colocou seus colegas tenentes vindos de outros estados em cargos importantes do funcionalismo e estes passaram a abusar do poder.

Os nomeados de João Alberto compareciam a lugares de luxo como os restaurantes, por exemplo, comiam e depois penduravam a conta em nome da Revolução de 1930.

No Distrito Federa, o "governo provisório", seguia baixando decretos e mantendo fechadas as casas legislativas, sem manifestar a intensão de transferir o poder de forma democrática e sem sequer cogitar a possibilidade de elaboração de uma nova Carta Magna.

Em 1º. de janeiro de 1931, uma quinta-feira, o jornal O Estado de S. Paulo publicou um editorial no qual propunha ao país a realização de uma assembleia constituinte e fazia lembrar que já era hora de se retomar a normalidade democrática.

Getúlio responde ao jornal através de um porta-voz de sua confiança, Juarez Távora e diz ser ainda cedo porque, “antigos republicanos poderiam reacender a manipulação das eleições”.

Ao retrucar o jornal, o porta-voz acabou unindo os opositores de São Paulo contra os tenentes e contra Getúlio.

Os estudantes da Faculdade de Direito passaram a sair às ruas promovendo comícios e conclamando o povo a pedir uma nova constituição.

João Alberto se contrapõe e dá início à repressão, tendo o cuidado antes de retirar as armas dos quartéis da Força Pública de São Paulo para assim evitar uma possível reação.

As propostas constitucionalistas apresentadas por São Paulo ganham adeptos no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

O Partido Democrático rompe com Getúlio e cria uma frente única propondo um governador paulista.

Em 25 de janeiro de 1932 acontece um grande comício na Praça da Sé e em várias partes do país surgem descontentes que apontam estarem os tenentes mandando mais que os generais.

No Rio Grande do Sul e em São Paulo se iniciam mobilizações para que Getúlio seja afastado do poder. Este, pressionado, destitui João Alberto.

Depois de idas e vindas, em 7 de março de 1932, Getúlio Vargas indica um paulista como interventor: Pedro de Toledo.

Em São Paulo, os generais Isidoro Dias Lopes e Euclides de Figueiredo articulam com o general Bertholdo Klinger, do Mato Grosso, um plano para destituir Getúlio Vargas.

No sul do país, o general Flores da Cunha, antigo aliado getulista, se diz revoltado e promete enviar tropas em apoio a São Paulo, assim como o governo de Minas Gerais.

Essas informações chegam até o gabinete presidencial que passa a prometer eleições e uma assembleia constituinte para o ano seguinte, mas já era tarde.

Em 22 de maio, estudantes paulistas se municiam de armas e seguem até a Praça da República com o objetivo de invadir a sede política dos tenentes.

Há um tiroteio e a batalha termina na madrugada do dia 23 de maio com vários corpos de estudantes estendidos nas calçadas entre a Praça da República e a Rua Barão de Itapetininga.

Entre os manifestantes mortos aparecem os nomes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, um deles de apenas 14 anos, fato causador da comoção popular e revolta contra o ditador.

No dia seguinte é fundado o movimento MMDC, com as iniciais dos quatro jovens, cuja missão seria a de conclamar as pessoas para uma guerra pela destituição de Getúlio e criação de uma assembleia nacional constituinte.

A data para o ataque fica marcada para o dia 14 de julho, a mesma da revolução francesa, mas Getúlio ao ser informado, destitui do cargo, o general Klinger, comandante militar no Mato Grosso.

Isidoro Dias Lopes sugere então que os paulistas se antecipem ao ataque, porque se temia não haver tempo para os gaúchos e mineiros chegarem antes da data acertada e a tese de Isidoro acaba prevalecendo.

“Os jornais não falavam em revolução, anunciavam que haveria uma guerra e passam a convocar os jovens paulistas para o alistamento e adesão a um exército paulista formado por São Paulo”, explica o historiador Hernâni Donato, em sua obra, “Breve História da Revolução Constitucionalista”.

"O clamor popular é intenso e até as jovens solteiras conclamam à luta seus noivos ou namorados: Houve quem dissesse a quem não quisesse vestir a farda, que então vestisse uma saia”. Outra fase: “Homem que é homem vai à guerra", escreve Hernâni Donato em seu livro.

Mais de 200 mil paulistas se inscreveram nas frentes de batalha, muitos jamais haviam pegado em armas, mas foram à luta com coragem e disposição. “Todos os que lutaram pela causa constitucionalista, em 1932, devem ser considerados heróis”, ressalta o historiador em suas páginas.

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Cerca de 100 mil mulheres residentes na capital e em outras cidades, passam a oferecer serviços às organizações de apoio para costurar os uniformes dos voluntários e a confecção de agasalhos.

O inverno de 1932 foi dos mais rigorosos as mulheres voluntárias confeccionaram mais de 440 mil fardas e várias delas se prestaram aos serviços de enfermagem para o atendimento dos combatentes feridos.

Ninguém cobrou pelos serviços, as costureiras se revezaram em turnos diurnos e noturnos à frente de 800 máquinas de costura.

"Tal disposição não pode ser esquecida, as mulheres paulistas se portaram como verdadeiras heroínas", destaca o escritor.

A Associação Comercial se mobilizou na manutenção dos salários às famílias dos voluntários em guerra. Até menores de idade foram recrutados para serviços de “office-boy” dentro da cidade.

Na madrugada de 9 de julho, as tropas comandadas pelo general Euclides Figueiredo seguiram rumo à divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Lá, bloquearam o túnel ferroviário, impedindo a passagem do trem que ligava o distrito federal com a capital paulista.

Ali parados, ficaram esperando o reforço das tropas que acreditavam vir em apoio do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais.

Em revide, Getúlio determina a interdição do Porto de Santos e impede a chegada ou a saída de qualquer tipo de embarcação ou mercadoria.

Ao mesmo tempo, o ditador passa a negociar no sentido de demover os comandantes militares dos outros estados da ideia de se associar ao movimento constitucionalista de São Paulo.

No dia seguinte, por aclamação, Pedro de Toledo é nomeado governador de São Paulo, enquanto do outro lado, o poder central passa a divulgar a notícia inverídica que a luta dos paulistas era separatista.

Já o noticiário de guerra dava conta aos jornais de São Paulo que a cada dia as tropas avançavam na direção do Rio de Janeiro, mas Hernâni Donato, em uma entrevista nos disse: “As notícias eram estranhas porque citavam avanços dos soldados, mas ou se andava em círculos ou se recuava”.

O professor Donato descreve que os jornais um dia informavam que os soldados paulistas estavam no município de Lavrinhas, no outro dia em Piquete, mas não havia um avanço efetivo.

A verdade, soube-se depois, é que a principal frente de batalha ficou parada na divisa com o Rio de Janeiro”, assim conclui o historiador.

Nos dias da revolução, a Rádio Record se tornou a porta-voz dos paulistas com a narração das notícias vindas do front nas vozes de César Ladeira e Nicolau Tuma se revezando nos microfones.

Mensagens de apoio escritas pelo poeta Guilherme de Almeida passaram a ser lidas tendo como fundo musical a marcha Paris Belfort.

A escolha da música se deu de forma aleatória pelo técnico de som, mas se tornou o tema que faz lembrar a Revolução Constitucionalista.

As tropas provenientes de Minas Gerais vieram como se esperava, mas ao contrário do previsto, chegaram atirando nos paulistas pegando-os pelas costas e de surpresa.

O mesmo aconteceu em Itapeva e Buri, ao sul do estado, diante das forças provenientes do Rio Grande do Sul.

Houve ataques também em outras localidades do interior paulista pelas tropas provenientes do Mato Grosso e aviões bombardearam o Campo de Marte para impedir a saída da pequena aviação paulista pertencente à Força Pública.

Diante destes acontecimentos, a população começou a ficar temerosa com o risco da cidade de São Paulo ser bombardeada como já havia acontecido durante a Revolução de 1924.

Ao final, as tropas federais ao entrarem por São José do Barreiro, atacaram as trincheiras paulistas e tomaram para si o controle do túnel ferroviário.

Não havia mais o que fazer, São Paulo perdeu a guerra nas armas.

No dia 3 de outubro de 1932, uma segunda – feira, o Estadão publicou em primeira página os termos de um armistício que colocou fim à guerra. 

Ao lado, na primeira página do jornal, o governador Pedro de Toledo, publica uma mensagem onde explica: “Tudo o que e se pôde fazer foi feito, até uma moeda paulista foi emitida quando os recursos federais foram cortados...”

Uma campanha com valores em ouro de fato foi feita, para dar lastro ao novo dinheiro emitido durante a revolução: “Ouro para o bem de São Paulo”, se chamou o movimento.

 Após a revolução, o que sobrou do montante arrecadado se aplicou na construção de um prédio no centro da cidade, cujo formato lembra a bandeira paulista.

Todos os que comandaram a revolução foram exilados e só depois de longas tratativas, anistiados.

Como o ideal constitucionalista ultrapassou as fronteiras do estado de São Paulo, o país todo passou a exigir uma posição do governo a esse respeito.

Por isso é que se diz; São Paulo não venceu nas armas, mas ganhou graças à defesa dos ideais democráticos.

Isto é verdade, cerca de mil soldados morreram do lado paulista durante a Revolução de 1932 e desse total aproximado, somente 634 foram devidamente identificados estando seus nomes e suas biografias publicados no livro “Cruzes Paulistas – os que tombaram em 1932 pela glória de servir São Paulo”, cuja edição original é de 1936.

A publicação aconteceu como parte de uma campanha desenvolvida para a construção do monumento e do mausoléu hoje existentes no Ibirapuera.

Em 2014, graças ao empenho da Sociedade dos Veteranos de 32 e do incentivo do Centro de Memória Eleitoral do TRE-SP, a obra foi reimpressa pela Imprensa Oficial do Estado para lembrar a existência destes heróis às novas gerações.

No ano de 1934, o Brasil obteve uma constituição que assegurou pela primeira vez, preceitos democráticos que permaneceram garantidos pelas constituições que vieram depois como o direito ao voto secreto com dignidade e o direito de voto à mulher.

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Para se entender ainda mais o sentido da Revolução dos Paulistas, é importante fazer lembrar que, até então, não se sabia no Brasil o amplo significado da palavra democracia, como demonstra o histórico levantado neste texto.

A defesa dos ideais democráticos deve ser encarada pelos mais jovens como uma luta permanente em defesa da transparência, cidadania e do estado de direito para todos.

São palavras atuais que fazem sentido também aos ideais do passado, daqueles que lutaram na Revolução Constitucionalista de 1932.

Sempre que surgirem na vida pública, decisões que não respeitem esses princípios, serão contrariadas as propostas daqueles que tombaram não só por São Paulo, mas pela Pátria.

Não podemos dar ouvidos aos golpistas, a democracia é, e será sempre fundamental.

Por tudo isso a melhor definição para o movimento constitucionalista continua sendo a do poeta Paulo Bomfim: “A trincheira de 32 foi a pia batismal da democracia em nossa terra”.

Geraldo Nunes, jornalista e escritor, ocupa a cadeira 27 da Academia Cristã de Letras