Desde o processo de contratação, companhias podem, com esforço e investimento, ajudar a formar líderes mais diversos.
Por que as empresas brasileiras têm tão poucos negros em posição de liderança? Segundo o Índice de Igualdade Racial das Empresas (Iire), feito por pesquisadores da Faculdade Zumbi dos Palmares, pouco mais de 6% dos cargos de diretoria no País são ocupados por pessoas negras. No nível de gerência, esse número sobe para cerca de 18%. Ainda assim, trata-se de um número muito baixo para um país no qual mais de 50% da população é negra (preta e parda). O que explica essa discrepância? E o principal: como as empresas podem ajudar a melhorar esses índices?
O primeiro passo é reconhecer que essa situação não é fruto do acaso, e sim resultado da falta de políticas de reparação. A história brasileira é marcada por mais de três séculos de escravidão. Durante esse período, recebemos quase 5 milhões de africanos cativos, o que fez de nosso país o maior polo de trabalho escravo em todo o mundo ocidental.
A abolição veio no final do século 19, com a Lei Áurea (de 1888), mas isso não representou o fim da opressão à população afrodescendente. O Estado brasileiro deixou de tomar medidas para integrar plenamente essa população negra recém-liberta, que continuou majoritariamente sem acesso a educação, moradia, empregos e alijada de diretos como cidadãos. Ações como a adoção de cotas raciais no ensino superior representaram as primeiras tentativas do poder público, em mais de cem anos, de reduzir a desigualdade racial que persiste entre os brasileiros.
E há, por fim, a chaga do racismo, que atravessa a cultura e as relações sociais brasileiras. A noção de “racismo estrutural”, conforme definida por intelectuais como o professor Silvio de Almeida, nos ajuda a compreender que, diante de instituições historicamente excludentes, toda omissão é uma forma de concordância tácita. É preciso ir além, lutando para desmontar, em si mesmo e no mundo, as estruturas psicológicas e sociais que garantem a perpetuação do racismo.
Diante deste quadro, o que pode ser feito? Cremos que o caminho passa por não nos contentarmos apenas com processos seletivos e planos de carreira que reflitam a diversidade da nossa população. É preciso garantir condições reais de acesso aos melhores empregos para cidadãos oriundos de grupos minorizados.
Em outras palavras, a ideia de ação afirmativa – ou mesmo de “cota” – precisa deixar de ser um tabu no universo corporativo. É urgente promover a equidade também nesses espaços e assumir um papel mais ativo na inserção e no desenvolvimento profissional desses grupos.
Todo executivo ou executiva de sucesso, de alguma forma, teve ajuda para crescer profissionalmente – uma pós-graduação ou curso de extensão pago pela empresa, uma viagem de negócios, um treinamento no exterior. Você, leitor ou leitora, certamente já ouviu a história de empresários de sucesso que, no início da carreira, desconheciam vários aspectos do mercado. O conhecimento chegou para eles, certamente, oportunizado por alguém. Precisamos ter o compromisso social de também criar oportunidades para outros.
A lição, aqui, é evidente: desde que o profissional tenha o perfil adequado para o cargo, há uma série de conhecimentos e habilidades que ele pode adquirir ao longo da carreira, com o apoio e a confiança de seus contratantes.
Ocorre que, no caso das populações marginalizadas, a ausência de alguns itens “básicos” do currículo – um curso de idiomas, um intercâmbio, uma pós-graduação – representa, não raro, um obstáculo intransponível em suas carreiras, pela concorrência que enfrentarão nos processos seletivos das empresas.
Trata-se, portanto, de mudar essa cultura corporativa. Talvez as empresas devam dar mais peso a outros critérios de avaliação, escolhendo os novos colaboradores com base em seus interesses, habilidade de comunicação, capacidade de resolução de problemas, criatividade e inovação – traços indispensáveis a qualquer posição de comando. Complementarmente, elas devem investir mais na capacitação de suas lideranças, assumindo parte da responsabilidade pela formação desses profissionais.
Parece desafiador? Talvez. Mas é o necessário para que possamos tirar do papel a tão falada noção de responsabilidade social contida na sigla ESG (Environmental, social, and corporate governance, sigla em inglês). Afinal, ação afirmativa é isto: colaborar ativamente, com esforço e investimento, para reduzir injustiças. É colocar a mão na massa para garantir aos grupos minorizados não privilégios, mas “paridade de armas” na competição com quem teve melhores condições sociais e educacionais a vida inteira.
Toda mudança cultural é difícil, incômoda, mas creio que só temos a ganhar, especialmente as próprias empresas, que terão a chance de descobrir lideranças cada vez mais diversas, competentes e determinadas.
- SÃO, RESPECTIVAMENTE, ADVOGADO E PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS; E DIRETORA-EXECUTIVA DA FUNDAÇÃO BUNGE