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  • Fonte: Domingos Zamagna (*)

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Todas as atividades da Academia Cristã de Letras começam com a Oração de São Francisco de Assis, Padroeiro da Academia. Esta Oração é sempre calorosamente acolhida pelos acadêmicos. O Poverello de Assis é um representante da alma humana universal, não há quem resista ao encantamento do seu amor.

Uma das estrofes ensina: “Que eu procure mais amar que ser amado”. Quem duvida em responder à pergunta: O que é melhor: Amar ou ser amado? A nossa natureza pede ser amada, e geralmente contentamo-nos em ser acolhidos pelo outro. Amar um outro é trabalhoso, é uma conquista e é muito difícil convencer o outro que o amamos. Ser amado, porém, é a maior doçura.

Ser amado significa que somos eleitos, escolhidos, talvez únicos para alguém, sem precisar do inventário de provas. Quem ama se entrega, cuida do amado, não se cansa de repetir “Eu te amo”, esquadrinha cada palavra, cada expressão do(a) amado(a). Consegue intuir seus sentimentos, até os mais secretos.

O Novo Testamento (Fl 2,5-11) usa uma expressão grega, a “kénosis”, para exprimir o despojamento, o abaixamento, o quebrantamento, o esvaziamento, para designar o aniquilamento que opera naquele que ama. Não para esmagar o amante. Tudo nele se transforma, tudo muda no que ama, em função da pessoa amada. Trata-se de um arrebatamento, um direcionamento de todas as forças para energizar graciosamente o objeto de nosso amor. Paradoxalmente, a maior tristeza é dizer ou ouvir alguém dizer que não é amado. Por que? Porque sem amor a vida cai na languidez, no entorpecimento, na falta de sentido, na irrelevância. Portanto: Ai daquele que boicota, bloqueia, impede o amor. Ai do arauto da indiferença, do ódio, do desamor.

Teilhard de Chardin (1881-1954), cientista, filósofo, teólogo, poeta, místico, na sua principal obra (“O Fenômeno Humano”), ensina que o ápice, o clímax da evolução é quando ela mergulha na perfeição do amor (o Ponto Ômega). Coincidirá com o alcançe do máximo da inteligência, a culminância da evolução da biosfera para a noosfera, o suprassumo da complexidade organizada, para nós quase inimaginável. Um ponto de irreversibilidade da excelsa atração do amor.

Na linguagem bíblica, Jesus nos legou a polarização do amor: “Quando eu for erguido atrairei tudo a mim” (Jo 12,32). Esta atração que a natureza humana não pode sopitar é a Ressurreição do Cristo como o supremo regalo que Deus concedeu à humanidade, a passagem das trevas para a luz, a magnificência da pobreza para a riqueza, a invasão da plenitude, que a Carta aos Colossenses (1,13-25) chama de “pléroma”.

A Quaresma é o tempo litúrgico que nos prepara para a Páscoa, a reconciliação da terra com o Céu, quando, pelo sangue da Cruz, a criação reencontra a Paz.

A Paz é a consequência do amor, é quando o ser amado se sente no centro afetivo do universo. Foi o que São Francisco realizou, por ter seguido o Cristo. Por causa desse amor superabundante, ele se tornou o artesão da Paz, tão vibrante que reverberou pelos astros, pelas montanhas, pelos campos, pelas águas, pelos animais, pelos seres humanos, especialmente os mais pobres.

Fantasia, quimera, devaneio? Não, a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo nos conferiu a ternura vigorosa do amor. Ninguém nos amou tanto quanto o Filho de Deus, razão pela qual devemos nos sentir alegremente amados. Nada pode haver de mais transformador, nenhuma conversão pode ser maior, nada pode ser mais “novo” nesta vida difícil, tantas vezes sofrida: “Eu vos dou um novo mandamento: Que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,34-35). Aí está o fundamento da súplica de jovem santo de Assis: é melhor amar que ser amado. É quando nós galgamos um patamar superior da existência.

Quando o Cristianismo quis definir quem é Deus, não foi possível encontrar outra convicção: “Deus é Amor” (1Jo 4,16). Este amor maior é que pode resgatar a humanidade e, na ameaça das dilacerações sociais, da guerra ou da catástrofe ecológica, assegurar-nos a salvação.

No ocaso desta vida seremos julgados pelo amor” (São João da Cruz).

 (*) Jornalista profissional e professor de Filosofia, titular da Cadeira nº 28 da ACL.