O descaso com a transparência está relacionado com a percepção de certas autoridades: não se enxergam como servidores, mas como donos do poder
A dicotomia é cada vez mais evidente e está gritando na força irreprimível da verdade dos fatos e das fotos. Existe um Brasil dominado por uma casta que vive do poder, do dinheiro, da vaidade e da ideologia manipuladora. E existe um Brasil constituído por um povo trabalhador, amável, tolerante, carregado de valores e que, finalmente, despertou para o exercício da própria liberdade. O Brasil daqueles que vivem do poder foi flagrado em dois episódios recentes aqui reproduzidos.
A BAT Brasil, anteriormente conhecida como Souza Cruz, patrocinou o “1.º Fórum Jurídico: Brasil de Ideias” em Londres, que contou com a presença de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), autoridades do governo Lula da Silva, juízes de Cortes Superiores e representantes de empresas privadas no hotel de luxo The Peninsula.
A empresa de tabaco está envolvida em pelo menos dois processos na Suprema Corte e tem interesse em outra ação sob relatoria do ministro Dias Toffolli, que compareceu ao evento de 23 a 26 de abril. Conflito de interesses na veia.
Para a diretora de Programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, os magistrados ferem a Constituição ao ocultar as agendas e impedir o controle social de suas atividades. “Esse fato é bastante grave se você considera que o STF é o guardião da Constituição. Atenta contra a Lei de Acesso à Informação, que é a regulamentação de um direito da Constituição que determina que as informações sobre atos e ações de órgãos públicos devem ser publicitados sem que ninguém deva pedir ativamente”.
O descaso com a transparência está intimamente relacionado com a percepção de certas autoridades: não se enxergam como servidores, mas como donos do poder.
Vamos ao segundo episódio: A imagem do fracasso. Eis o título de um cirúrgico editorial do jornal O Estado de S. Paulo. “É histórica, desde já, a constrangedora foto do presidente Lula da Silva discursando para um punhado de gatos-pingados em pleno 1.º de Maio. A imagem não deixa margem para dúvida: a agenda política da esquerda – e a do PT, em particular – se desvela hoje tão vazia quanto a minguada plateia reunida no estacionamento do estádio do Corinthians, em Itaquera, zona leste da capital paulista”.
O outro Brasil, majoritário, trabalhador e carregado de valores, mostra uma realidade bem diferente. Basta pensar na passeata do dia 25 fevereiro na Avenida Paulista. Que contraste! Parcela considerável dos que lá estavam não eram radicais ou extremistas. Eram cidadãos que têm saudade de um Brasil aberto, miscigenado, livre, sem repressões infundadas e à margem da lei. Querem respeito à Constituição, à liberdade de expressão e às leis. Estão cansados da corda esticada e nostálgicos de uma liderança capaz de devolver aos brasileiros a capacidade de sonhar com um projeto grande de país.
Sou otimista. Acredito no Brasil. Aposto na democracia. Considero que o diálogo honesto é sempre o melhor caminho para solucionar conflitos. Mas não posso deixar de reconhecer uma preocupação com o futuro do Brasil. Em nome da defesa do Estado Democrático de Direito, importante e necessária, foi-se fechando o cerco à liberdade de expressão e à legítima manifestação de amplos setores da sociedade.
Preocupa, e muito, as frequentes jogadas ensaiadas entre o Poder Executivo e o Judiciário. Paira no ar uma perigosa e desagradável sensação de tapetão. Uma minoria, sem povo e sem voto, quer impor sua agenda a todos os brasileiros. Não vai ser fácil. Não é possível camuflar a força dos fatos e das fotos. A verdade é incontornável.
A renovação da consciência e da própria identificação com uma visão mais conservadora é um fato inequívoco: são vozes no Congresso, entre intelectuais, alguns jornais, blogs e revistas, formadores de opinião, jornalistas e até mesmo algumas iniciativas relevantes na produção de conteúdo, sem falarmos do aumento da participação da população em um forte despertar espiritual.
Na tentativa de desqualificar os anseios e aspirações conservadoras e liberais, vozes de esquerda rotulam de bolsonaristas a todos que não se alinhem com seu campo, tentando reduzir a ascensão dos conservadores a um personagem controverso e conflitivo. O fenômeno do conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro.
Alheios a esse movimento, o presidente Lula e ministros do STF fazem uma dobradinha para diminuir e enfraquecer o papel do Congresso Nacional. Um persegue a sua agenda de domínio, aumento do alcance e do tamanho do Estado e fortalecimento de alianças com governos socialistas e autocráticos ao redor do mundo. Os outros avançam incessantemente com suas pautas identitárias e decisões tomadas à margem de preceitos constitucionais, num ativismo judicial sem precedentes na história do País.
Não canso de manifestar meu respeito ao Supremo Tribunal Federal. Trata-se de instituição essencial para o bom funcionamento da democracia. Chegou a hora, no entanto, da promoção de uma séria auditoria e reforma do Judiciário. É urgente. Caso contrário, o Brasil continuará patinando numa grave e arriscada insegurança jurídica. Com a palavra, o Senado Federal.
Carlos Alberto Di Franco, jornalista e titular da cadeira 14 na Academia Cristã de Letras – ACL, mantém coluna quinzenal em O Estado de S. Paulo