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  • Fonte: Luiz Eduardo Pesce de Arruda

Publiquei este artigo no dia 20 de abril de 2020, quando o meu mano Luiz Augusto , o Tú, completava setenta anos. Infelizmente, quis a vontade divina que ele não completasse 71 anos entre nós. Dia 17,arruda e irmao 251d0 três dias antes do seu aniversário, A COVID o levou para o Céu. Saudades. Seja feira a vontade de Deus.

O TÚ 

Luiz Eduardo Pesce de Arruda

O Tú é um ararense que nasceu em Rio Claro, filho do Benedicto Arruda e da Rosinha Pesce. O Dito e a Ró se conheceram na fila do Cine Santa Helena em um sábado de 1948, quando o Dito havia acabado de se mudar para Araras, atraído pelo emprego no Departamento de Pessoal da Companhia Nestlé, onde ingressou por indicação do tio Jorge Muller (marido da tia Dayse, irmã de sua mãe) e de onde só saiu aposentado. Na fila do Santa Helena eles se viram, foram apresentados e se encantaram.

Namoraram, noivaram e se casaram em maio de 1949. E em 20 de abril de 1950, lá chegava o Tú.

Como primeiro filho, foi paparicado, fotografado, recebeu confidências e lições do avô Pesce que só se passam ao primogênito. Era fresco, brincava no barro com a ponta dos dedos, impecável, não gostava de se sujar e a mãe Rosinha vivia obrigando o Tú a se emporcalhar e a se molhar. Assim cria anticorpos, dizia ela.

Com 11 meses ele apresentava uma acentuada obesidade e a Rosinha meteu o bebê em regime. Em 1951, um tempo em que bebê gordinho era sinônimo de saúde, falar em regime para bebê emagrecer era anátema. Mas a Rosinha, sempre à frente do seu tempo e adepta da ciência, consultou o médico e fechou a boca do Tú. Nunca mais ele teve problemas com peso.

Com dois anos e meio, descobriram que o Tú era brutalmente alérgico a picadas de insetos. Até hoje é. Aos sete anos, viajou a Bertioga e quase morreu de alergia a picada de borrachudo. Foi salvo pela intercessão de Santo Expedito, um milagre difícil de negar até para os mais céticos.

Foi um aluno de altos e baixos, brilhante em algumas disciplinas, ruim em outras. E se não gostava da disciplina, travava nas provas. Em um tempo de ortodoxia da educação, não era tão comum que os professores compreendessem essas diferenças sutis entre os alunos. Assim, o Tú perdeu dois anos de escola. Terminou o ensino médio na Escola de Comércio e se deu super bem com os cálculos.

Amou o Tiro de Guerra. Ficou amigo do Sargento Ibanez e do Sargento Tognonato, mesmo eles sendo rigorosos e exigentes.

Mas o Tú foi promovido a cabo da sua Turma e viveu os dias de apreensão e medo, quando a Região Militar avisava o Tiro de Guerra que o paiol de munições e a reserva de armas estavam na mira de grupos terroristas, que pretendiam expropriar fuzis. Noites insones, um bando de meninos assustados e armados, esperando o ataque que, felizmente para eles, ali nunca aconteceu.

Ainda em 1968, ano do Tiro, a casa dos seus pais estava em obras. Foi brincar de guerra de pedrada com o irmão mais novo e tomou uma pedrada na testa que foi só melado que voou. O pequeno, antevendo que a cinta ia cantar, correu para o asilo diplomático da casa dos avós, que impediram o justiçamento da criança.

Nesse mesmo ano, o Tú conheceu a Cristina, uma morena linda campeã regional de natação. Começaram a namorar e estiveram juntos até o último dia de vida do Tu.

Era 1971. O Tú seguia trabalhando no Rotary, havia concluído a Escola Técnica de Comércio e estava ganhando quase nada, quando chegou a notícia. Fora aprovado no concurso do Banco do Brasil. Alcançado o sonho da classe média, sua vida mudou. A mãe da namorada até achou que era um bom moço e eles, enfim, puderam namorar em paz. E na sala da casa dela, porque até entao, para se encontrarem escondidos, adotaram um código de flores: Flor branca, me encontre atrás da igreja depois da missa das 10. Flor vermelha, me encontre no cinema e por aí a coisa andou.

Ingressou no Banco, trabalhando de madrugada na agência CEAGESP. A Tia Penha e o Tio Rodolpho levaram o Tú para morar na casa deles até ele se acostumar com São Paulo e arrumarca pensão da dona Noêmia, que assumiu o papel de mãe postiça.

Quando eu ainda era menino, uma noite ele me levou degustar a famosa sopa se cebola do CEASA. Foi a glória.

O Tú e a Tina se casaram e tiveram três filhos. O Tú foi sempre um marido fiel e apaixonado pela Tina e um pai participativo, que comprou um veleirinho só para os filhos poderem velejar e levava as crianças competir, identificar a diferença de ninho de coruja e de cobra no terreno defronte ao condomínio onde moravam. Ele junto, é claro.

Um dia, instigou a filhinha caçula – a Camila – a pedir dinheiro ao vô Dito para comprar um cavalo. Cavalo de verdade, não cavalinho de pau. O Dito, um emérito gozador, percebendo a inviabilidade da proposta, perguntou onde o cavalo iria morar e onde iria papar. Como a criança não soube responder - por óbvio- o Diro matou a ideia no ninho, ensinando a menininha inocente a responder:

- Papai, o vovô mandou você ir pra puta que o pariu.

Ele ficou puto e não gostava que brincásseemos sobre a história do cavalo. E o Dito – e todos nós – ríamos em lembrar da história.

Mas a vida não é só festa. O Tú caiu, levantou-se, fez faculdade de administração (primeiro aluno do curso) ese tornou um especialista em gestão condominial, respeitadíssimo no seu meio profissional.

Foi generoso sem limite. Quando ia receber seu primeiro salário, mandou que eu – dez anos mais novo - escolhesse um presente. E ele me deu uma máscara de mergulho italiana, um snorkel e um par de pés de pato. Foi um dos presentes que mais marcou minha vida.

Sempre se envolveu em causas sociais e, bom gestor, conseguiu tirar água de pedra em favor dos menos favorecidos. No Lions, presidiu o clube e foi diretor de Governadoria em 1985.

Teve amigos fiéis que vêm desde o grupo escolar. Nelsinho Assumpção, Vianinha, o Luppi, o Gipão e tantos outros, sempre juntos.

Tinha uma habilidade e uma inteligência lógica de causar inveja. Se se dispunha a montar um galeão espanhol com 2.000 peças, o kit ficava mais realista que o da foto da caixa. Assim, com eletricidade, com mecânica, com carros e máquinas.

Numa dessas, caiu da moto e levou trinta anos pra perna ficar boa. Mas ele não esquentava, dizia sorrindo.

O Tú era multitalentoso. Foi fera na música, na matemática, na contabilidade, no planejamento estratégico. Meticuloso e detalhista, perfeccionista ao limite. E ainda escrevia bem!

Teve vários carros antigos- eu me lembro de uma Bel Air 1952 azul e branca- que ele restaurava até ficar 0km e vendia. Só pelo prazer de comprar outra e seguir restaurando.

Um dia, com 12 anos, aluno do “Cesário Coimbra”, construiu um canhão em miniatura com o Nelsinho e disparou. O obus cruzou o quarteirão inteiro pelo céu e foi estilhaçar uma das janelas da escola. Depois, torneou um foguete, que funcionou e sumiu no azul do céu. E montou um planador primário, que o tirou do chão, arretando o ao céu, em pleno campo de aviação, para desespero do Pavãozinho, o instrutor chefe do aeroclube. E fez planos para uma asa delta, um ultraleve e um hovercraft. Todos factíveis, Mas esses não chegou a por em prática.

Apaixonado pelo voo, aprendeu a pilotar sozinho. Mas se perguntavam se já pilotou ele desconversava, porque o DAC (atual ANAC) é fogo, ele dizia.

Seu neto mais velho, o Mateus, esse se encontrou desde criança na informática e com 18 anos estava ensinando engenheiros a operar comportas por telecomando em São Paulo, em Mato Grosso e em Rondônia.

Submetido ao isolamento do coronavirus, o Tú chorava de saudades falando com a Luiza, sua netinha mais nova, no Skype.

Capaz de negociar duramente com condôminos e fornecedores, nunca perdeu a pureza da alma, que o fazia divertir-se rindo gostosamente quando assistia Os Três Patetas ou os desenhos animados do Tom e Jerry. E – diziam as más línguas familiares, zoando com ele - que se ninguém estivesse vendo, ainda seria capaz dele torcer pelo gato Tom.

Foi um sogro dos sonhos, amado pelo genro e pelas noras, dos quais era grande amigo e confidente.

Foi um filho responsável, cuidadoso e amoroso com o pai Benedicto e a mãe Rosinha. Levava- os para viajar juntos, cuidava deles, sempre com apoio da sua amada Cristina. Amada até seu último momento de vida.

Aliás, foi dele a ideia de reunir a família no bar do Valadares, na Lapa, onde o Dito e seus filhos, cunhados, sobrinhos, irmãos, amigos, tomaram todas e riram de chorar, numa digna e monumental despedida da vida, que viria com a cirurgia do pai Dito, dois dias depois.

Com o mesmo amor e carinho cuidou com humor e cuidado de nossa tia-mãe Luizinha, na serenidade de seus 97 anos, hoje vivendo em seu mundo intimista. Cozinhava para ela, punha músicas italianas para ela ouvir, brincava e, com isso, conseguia roubá- la de seu mundo particular para que pudéssemos, ainda que por breves momentos, convivermos com ela em nosso mundo.

Como avô, construiu uma casinha de bonecas para a Luisa (filha da Camila, aquela que pediu dinheiro pra comprar um cavalo).A casinha tem mais de trezentos itens, e merecia estar exposta num museu, tamanha perfeição de detalhes.

No dia em que fez 70 anos,desejei ao Tú muita saúde, paz, amor e sucesso, e uma vida longa e feliz ao lado da Tina e de todas as pessoas que ele amava. Disse que ele era o melhor irmão mais velho que qualquer pessoa poderia ter. Pedi de novo desculpas pela pedrada.

Tendo contraído COVID e na iminencia de ser intubado, disse sereno ao medico que, se hora dele havia chegado, partia feliz, grato a Deus pela família que ele amava. Partiu tranquilo. Segundo a netinha, foi ajudar Jesus a construir casinhas pera crianças que moram no céu. Até a vista, Tú. Amo você, meu irmão!

18/04/2021, 16:44h