Em homenagem à Dra. Yvonne Capuano, titular da cadeira nº 04 da Academia Cristã de Letras, cujo patrono é Dante Alighieri.
Dante Alighieri (1265-1321), florentino, foi o autor da Comedia, que depois foi reconhecida e chamada de divina. Essa obra-prima da literatura universal narra, com características de genialidade, a aventura espiritual da humanidade. Esta, representada pelo poeta, percorre os três horizontes do porvir: Inferno, Purgatório, Paraíso. Uma composição elaborada ao longo de quase duas décadas (1303-1321), baseada numa tríade que remonta à numerologia do pré-socrático Pitágoras. Dividida em três partes, ou “Cânticos”, cada qual composta por trinta e três cantos.
Era o alvorecer de um novo século, e o cansaço pelas injustiças de uma atribulada vida levou Dante, exilado, às terras da Lunigiana (perto de Pádua), no velho castelo de Mulazzo, onde começou a redigir seu imenso e monumental poema, só vindo a terminá-lo nos derradeiros anos de vida, em Ravena. Mais do que nunca a poesia se tornaria a intérprete das emoções e aspirações recônditas da alma, num intercâmbio entre a maestria do dolce stil nuovo e os mistérios da terra e de céu.
O viajante encontra-se perdido na floresta do pecado, uma “selva escura”, povoada de monstros, mas consegue ser retirado dela, graças à razão, simbolizada pelo clássico poeta latino Virgílio (70-19 aC), a pedido da alma de Beatriz, grande amor da juventude de Dante. Baseado numa cosmologia herdada de Aristóteles e Ptolomeu, guiado para os nove círculos do inferno, o poeta vislumbra os suplícios dos condenados, num préstito de grandes facínoras da história, podendo avaliar o mal em todo o seu espavento. As descrições são tão alucinantes (“dantescas”) que o Inferno adquiriu tamanha notoriedade que quase se autonomiza do conjunto da peça.
O poeta adentra o Purgatório, tradicional ficção da penitência, temperada pela esperança em forma de montanha de nove degraus.
O paganismo de Virgílio não lhe facilita o acesso ao Paraíso, recebendo então o poeta a orientação de Beatriz e de São Bernardo, bem como a de grandes interlocutores de Teologia, tais como São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão e Santo Tomás de Aquino. Tudo se consuma com a gloriosa visão de Deus.
Em tão resplandecente viagem, o poeta elabora uma verdadeira enciclopédia de todo o conhecimento até o século XIV. Tudo na mais variada e pujante versificação, a tal ponto de Dante tornar-se o criador do idioma italiano.
No atual cenário editorial temos quatro traduções principais da Divina Comédia acessíveis em português. São elas: a do historiador Hernâni Donato, a do professor João Trentino Ziller (tirolês, naturalizado brasileiro), a do professor e poeta Cristiano Martins e a do engenheiro e arquiteto Italo Eugenio Mauro. Machado de Assis e Haroldo d Campos traduziram partes da obra. Nem é preciso insistir no que representa de esforço, dedicação, pesquisa e persistência a tradução de uma obra como a Divina Comédia.
Neste ano comemoramos o sétimo centenário da morte de Dante. O Papa Francisco, sensível ao diálogo da Igreja com a cultura, publicou uma Carta Apostólica (Esplendor da Luz Eterna – “Candor Lucis Aeternae”
, 25/3/2021, quando a Liturgia celebra o mistério da Encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria, que lhe deu as feições humanas), onde relembra – citando Bento XV (1921) – o caráter profundamente religioso e místico do genial poeta cristão: “A obra de Dante é um exemplo eloquente e válido para demonstrar quão falso seja que o obséquio da mente e do coração a Deus corte as asas do engenho; pelo contrário, estimula-o e eleva-o”.Dante foi um homem de seu tempo. Mas será que não teria nada a dizer-nos na atualidade, além de um pacto com a fantasia e a beleza que se tornou paradigmático? Assim se expressa o Papa Fancisco: “Neste momento histórico particular, marcado por muitas sombras, por situações que degradam a humanidade, por falta de confiança e de perspetivas para o futuro, a figura de Dante, profeta de esperança e testemunha do desejo humano de felicidade, pode ainda dar-nos palavras e exemplos que estimulam o nosso caminho. Pode ajudar-nos a avançar, com serenidade e coragem, na peregrinação da vida e da fé que todos somos chamados a realizar até o nosso coração encontrar a verdadeira paz e a verdadeira alegria, até chegarmos à meta última de toda a humanidade, «o amor que move o sol e as mais estrelas» (Par. XXXIII, 145).
(*) Jornalista profissional, professor de Filosofia, titular da cadeira nº 28 da ACL.