John Henry Newmann (Londres 1801– Birminghan 1890), que acaba de ser canonizado pelo Papa Francisco (13/10), foi um dos mais eminentes homens de fé e cultura da Inglaterra. Ao mesmo tempo que desenvolveu imensa atividade intelectual e universitária, famoso escritor, foi dotado de grande bondade e humildade, cuidando de enfermos e pessoas desvalidas, confirmando na prática de cada dia o que acreditava e ensinava aos seus estudantes.
O brilhante jovem John nasceu numa família que pertencia à Igreja anglicana. Certamente uma família piedosa, mas foi aos 15 anos de idade que neste jovem se deu uma verdadeira mudança de vida. Não se tratou de mera emotividade, mas de um elã espiritual que marcou toda a sua vida.
Com apenas 16 anos (1817) foi admitido na prestigiosa Universidade de Oxford, onde estuda apaixonadamente a história, os idiomas, as ciências, a poesia, a teologia. Os que leem a sua biografia (Apologia pro vita sua) se certificam da grande aventura intelectual e a mística que o conduziram a membro do corpo professoral da universidade e, com opção pelo celibato, à ordenação sacerdotal na Igreja anglicana (1825), vindo a receber paróquias nas quais ficou conhecido como dedicado pastor, profundo estudioso da literatura patrística e esmerado orador.
Em 1833 sofre uma grave enfermidade durante uma viagem à Sicília, quando realiza nova experiência espiritual, cujo ápice o leva a compor uma célebre oração: Lead, Kindly Light (Guia-me, doce Luz).
O Movimento de Oxford
Pouco tempo após seu retorno à Inglaterra, Newmann lança o que ficou conhecido como Movimento de Oxford, que consistia na pesquisa e difusão de obras contra o liberalismo teológico e redescobrir a fé das origens cristãs, especialmente pelo aprofundamento do conhecimento dos Padres da Igreja (os autores cristãos que elaboraram uma teologia baseada nos Evangelhos, em diálogo com o mundo greco-latino (séculos I e VIII, antes do surgimento da Escolástica). O Movimento defendia também a independência da Igreja Anglicana em relação ao poder político, esforçando-se para levar o Anglicanismo às camadas populares. Em face de uma prática sacramental bastante pobre, Newmann revigora o culto eucarístico.
Em 1841 Newmann publica uma obra que causou grande polêmica na Inglaterra, fazendo uma revisão criteriosa dos motivos de levaram à separação da Igreja anglicana em relação à Igreja católica romana. Como a época era de desconfiança em relação à Igreja católica, a obra foi censurada pela Universidade. Foi quando, num longo retiro em Littlemore, através de leituras e orações, opta por reconhecer a Igreja anglicana como cismática e decide seguir na Igreja romana, para qual, após pedir demissão de suas funções até então, solicita o sacerdócio. Em 9 de outubro de 1845 Newmann é recebido na Igreja católica romana.
Dirige-se a Roma para se preparar para as ordens sagradas e decide entrar para a Congregação do Oratório, fundada em 1575 por São Felipe Neri, composta por sacerdotes seculares sem profissão religiosa, mas vivendo comunitariamente segundo uma Regra comum. Ordenado sacerdote católico em 1847, no ano seguinte funda o primeiro Oratório na Inglaterra, em Birmingham.
Cardeal da Igreja católica
A vida de Newmann não foi fácil naquelas novas condições, chegou a passar por suspeições, mas conseguiu realizar obras relevantes. Dentre essas, destaca-se a criação da Universidade católica da Irlanda, da qual foi o primeiro Reitor. E pelo reconhecimento de seu grandioso e notório trabalho como intelectual e pastor, em 1879 o Papa Leão XIII o nomeou Cardeal. É verdade que já chegava à última década de sua vida, pois, com 89 anos, falece em 11 de agosto de 1890. As palavras que escolheu para serem gravadas em seu túmulo resumem seu itinerário de fé: Ex umbris et imaginibus in veritatem (das sombras e imagens à verdade).
Publicou cerca de 40 livros de teologia, numerosas orações e sermões, e milhares de cartas. Sua influência cresceu cada vez mais, a ponto de o acadêmico francês Jean Guitton qualificá-lo como “pensador invisível do Vaticano II”. Foi beatificado pelo Papa Bento XVI em Birminghan, aos 19 de setembro de 2010. Finalmente, acaba de ser canonizado pelo Papa Francisco, em Roma, com a presença do Arcebispo-Primaz da Inglaterra e de uma delegação do Reino Unido presidida pelo Príncipe herdeiro.
Domingos Zamagna - Jornalista profissional, Professor de Filosofia e membro da ACL.