Ruy Altenfelder
No momento em que no mundo assistimos a ações políticas insensatas, achei prudente reler a historiadora norte-americana Barbara W. Tuchman, que procurou investigar as razões pelas quais os seres humanos com poder de decisão agem de forma contrária àquela apontada pela razão. O seu livro A Marcha da Insensatez é de leitura recomendada. Pesquisando documentos históricos, BarbaraTuchman registra um dos mais estranhos paradoxos da condição humana: a insistente procura pelos governos e seus integrantes de políticas contrárias aos seus próprios interesses.
A autora estabelece a distinção entre insensatez e outros tipos de desgoverno identificando sua característica: o ato autodestrutivo não considera a existência de uma alternativa viável e reconhecida. Os exemplos descritos são inúmeros, precisos e inexplicáveis. Ela descreve lugares, pessoas e acontecimentos de cada época — pactos decisivos no turbilhão da história: A Guerra de Tróia, demonstrando como os troianos rejeitaram as advertências explícitas, acolhendo o cavalo dentro de suas muralhas e fazendo a escolha de um rumo que os levaria ao fatal desastre.
Descreve as seis décadas de desgoverno dos papas, período que coincide com o auge da explosão da Renascença. Com esse pano de fundo, analisa a vida dos que, ignorando os apelos e protestos por imprescindíveis reformas, romperam a união da cristandade e perderam significativo número de fiéis para a secessão protestante.
Relata a série de acontecimentos mediante os quais o Rei Jorge III da Inglaterra e seu governo, envenenaram, injusta e repetidamente o relacionamento com as colônias americanas, perdendo o controle que exerciam sobre seu Império na América. Os 30 anos de envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã descrevendo a anatomia do processo, desde o relutante endosso de Roosevelt à norma colonial dos franceses na Indochina, passando pela chamada “teoria do dominó”, que elevou a pressão a níveis intoleráveis.
O que emerge dessa dramática e impressionante análise é a “crônica do cinismo” e da perda de confiança dos cidadãos em seu governo. O livro faz-nos olhar e refletir sobre os fatos históricos passados e se presta a revelar a causa fundamental da insensatez: a impotência da razão ante os apelos da ambição egoísta e da chamada covardia moral.
Merece uma lupa poderosa a descrição que a autora faz do governo Nixon e da Guerra do Vietnã. Dominado pelas paixões suscitadas, o caráter de Nixon e de seus colaboradores fermentou, transformando sua administração no que ela chama de ensopado que iria azedar todo o respeito existente pelo governo.
A desgraça de um governante pouco significa na historia da humanidade, mas a desgraça do governo é traumática, pois os governos não podem funcionar sem respeito. A Marcha da Insensatez faz-nos compreender e buscar a espécie de governo no qual poderemos confiar.
Os fatos se aplicam ao mundo contemporâneo, notadamente no Brasil em que a insensatez, em geral, tem prevalecido, tornando-se um obstáculo para o nosso desenvolvimento pleno e sustentado. No Brasil, as propostas de reforma tributária precisam ser amplamente debatidas, pois impactarão nos resultados dos balanços empresariais, e nos bolsos dos contribuintes.
Relevante é a medida para privatizações, pois, como disse o ministro Paulo Guedes em entrevista à Folha: “É o fast track. Já tem o entendimento do Supremo de que é possível privatizar, mas precisamos de um processo mais ágil para privatizar as empresas-mãe”.
Também merece destaque a relacionada com a desvinculação do Orçamento. Como disse o ministro: “É mais um capítulo: desvinculação, desobrigação, desindexação. Descarimbar o dinheiro. Devolver os orçamentos públicos para a classe política. Hoje, o Brasil é gerido por um software. Está tudo carimbado. Já está escrito quanto será gasto com educação, saúde, com salários”. É o momento de transformarmos a marcha da insensatez em marcha da sensatez!
Ruy Martins Altenfelder Silva é Advogado, Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp)