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Rosa Maria Custódio  (Julho/2007)

Mais um avião caiu, ceifando duas centenas de vidas em poucos minutos. O terror e o sofrimento, envolto em negras e sinistras labaredas, amorteceu e asfixiou o coração de São Paulo, e foi se alastrando para dentro dos milhões de lares brasileiros, através dos meios de comunicação.

Mais uma tragédia na vida real para subverter o desvario coletivo diante dos filmes de violência e terror que invadem as telas de nosso mundo globalizado. Mais um fato real para servir de inspiração aos novos sucessos de bilheteria e Ibope. Assim caminha a humanidade nestes tempos de show business (onde aqueles que trabalham com os meios de comunicação têm um papel importante a desempenhar).

Enquanto isso, no planalto dos poderosos, o presidente da república se diz irritado com o caos nos aeroportos brasileiros. O presidente do senado, acusado de lesar o erário público, diz que estamos vivendo uma crise de esquizofrenia. O ministro dos transportes diz que a culpa é do progresso. O ministro da defesa, diz que a crise não vai ser resolvida em menos de um ano. E a ministra do turismo aconselha a todos que relaxem e gozem! Muitas décadas atrás, um presidente europeu disse que o Brasil não era um país sério. A população brasileira deve ser mesmo muito burra ou muito louca para ouvir tudo isso, se conformar com a realidade, e achar que vive na normalidade.

O fato é que, em apenas dez meses, o país sofreu duas grandes tragédias no cenário dos transportes aéreos, com centenas de vítimas fatais. E os usuários vêm sofrendo, cotidianamente, atrasos e cancelamentos dos voos, além de “overbooking” (venda de passagens acima da capacidade da aeronave) e tantos outros incidentes aeronáuticos. Sendo o aéreo um dos mais seguros meios de transportes na atualidade, isso tudo nos leva a concluir que estamos diante de muita incompetência, administrativa e operacional, dos órgãos e autoridades responsáveis pela regulação e fiscalização do sistema de transportes aéreos brasileiros!

Antes de perguntarmos de quem é a culpa, perguntamos: e quem paga a conta? Só tem uma resposta: É o usuário dos transportes aéreos e são todos os cidadãos que pagam altíssimos impostos para sustentar esse sistema de faz de conta que o governo zela pelo povo. Todo pacote ou pacotinho, ofertado como se fosse um presente, custa muito caro à população. Só a embalagem, bem bolada e festivamente apresentada, é muito mais dispendiosa do que o conteúdo que anuncia, nestes tempos de enganação.

O retrato da dor e do desespero, transmitido ao vivo pelos canais de televisão, é o retrato do povo brasileiro, que se sente enganado, trapaceado e sem rumo. As mazelas vão muito além das tragédias e do caos nos transportes aéreos. Podemos pensar no sistema de transportes brasileiro como um todo: os acidentes nas rodovias que estão em estado de calamidade; os roubos de carga que infernizam a vida dos motoristas de caminhões e trazem prejuízos aos proprietários das mercadorias; as dificuldades do trabalhador das grandes cidades que precisa trocar de ônibus muitas vezes, até chegar ao seu destino, e é obrigado a gastar muitas horas de sua vida em transportes desconfortáveis e inseguros, enquanto os bandidos estão soltos, armados e à espreita.

De quem é a culpa, afinal? Investigações serão realizadas, interesses serão contrariados, provas serão forjadas, desculpas serão inventadas. E a verdade, adulterada e envelhecida, quando chegar, não encontrará mais audiência, como já é costume. Outros fatos, outros acidentes, outras tragédias, reais e fictícias, estarão ocupando o centro das atenções das massas manipuladas, que recebem bolsa família e agora aparecem pulando e cantando nos programas políticos que são mostrados na televisão. As mesmas massas que são aduladas e aliciadas nas épocas das eleições.

A culpa é do progresso, disse o ministro. Por mais incoerente que possa parecer esta explicação para o caos em nossos aeroportos, e na nossa vida cotidiana, o ministro tem razão! O progresso, que hoje conhecemos e que beneficia um número cada vez mais expressivo de pessoas, deixou em seu rastro histórico um número bem extenso de vítimas. Mas, da maneira como está se desenvolvendo em nossos dias, sem controle, sem planejamento e sem considerar o bem estar e a segurança da sociedade, além das vítimas que faz, o progresso é o próprio retrato do caos!

De que adianta o progresso se as pessoas não têm mais a liberdade de ir e vir com segurança? De que adianta o progresso se a população vive acuada e ameaçada em suas próprias casas, nas ruas, nas lojas, nos bancos, em todo lugar? De que adianta o progresso, se a saúde, a educação e os demais serviços básicos prestados à população são tão ineficientes? De que adianta o progresso e o avanço tecnológico, se a vida, nosso bem mais precioso, não é valorizada nem respeitada?

PS.: No país do faz de conta, três dias depois da última tragédia, enquanto a população ainda procurava reconhecer seus mortos, dois diretores da Agência Nacional de Aviação Civil, receberam medalhas de mérito “Santos Dumont”, na Base Aérea em Brasília!