Passados 90 anos de sua eclosão, os sons do movimento constitucionalista de 1932 ainda ecoam em nosso cotidiano. E os conflitos de narrativas e os argumentos que as sustentaram em 32 ainda estão presentes no Brasil e, mais particularmente, em São Paulo.
Durante Aula Magna ministrada a estudantes, reunidos no teatro de arena da UNICAMP, em 05 de maio de 2022, o ex-presidente Lula, dirigindo-se de público a Fernando Haddad, candidato ao governo do Estado de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores, abordou o tema, da seguinte forma:
“ – Algumas pessoas me disseram, Haddad- eu não sei se é verdade – que quando São Paulo perdeu a Revolução de 32 - que eu não acho que foi revolução, eu acho que foi um golpe que os paulistas tentaram dar no governo federal - quando eles perderam a guerra, eles resolveram ganhar a elite, e resolveram criar a USP para fazer da USP um centro de excelência para que a USP fizesse a inteligência desse país. E aí perdeu-se o interesse de fazer universidade federal.[...] ”
Ao referir-se a 32, o ex-presidente Lula questionou tratar-se de uma revolução.
Esse argumento pode encontrar sustentação em Hannah Arendt, que afirma que “É evidente que [...] as revoluções são mais que insurreições bem-sucedidas e que não temos o direito de chamar revolução a qualquer golpe de Estado ou até de vermos uma revolução em cada guerra civil” . Sob tal conceituação teórica, é passível de discussão se realmente o movimento foi “revolucionário”, embora defenda que sim, pelos reflexos do movimento constitucionalista na vida política, industrial, acadêmica (criação da USP e da Escola Paulista de Medicina), na aceleração da integração de imigrantes à vida nacional, na dignidade dos afrodescendentes e mesmo na igualdade feminina no Brasil (eleição de Carlota Pereira de Queiroz como primeira deputada federal).
O ex-presidente, além disso, fez eco a um dos argumentos mais recorrentes da propaganda da ditadura Vargas, que difundia que o que ocorreu foi um golpe das elites paulistas para retornar ao poder, do qual havia sido apeada pela revolução de 30. Fato é que, entre 30 e 32, vigorou no Brasil uma ditadura brutal, e foi a guerra dos paulistas e mato-grossenses, irmanados a democratas de todo o Brasil, que contribuiu para acelerar a volta do país à ordem constitucional, em 1934.
Muito me admirou que nenhum campineiro ou campineira aproveitasse o evento para esclarecer os fatos e até mesmo convidar o ex presidente a visitar o cemitério da Saudade, onde repousam aqueles jovens que lutaram na Revolução e deram a vida por São Paulo e pelo Brasil. Faltou ensinar ao desinformado ex presidente que a mais jovem vítima da guerra, o escoteiro Aldo Chioratto, morto na Praça da Estação de Campinas, antes de completar 10 anos, foi vítima de bombardeio aéreo das forças democraticas da ditadura Vargas, que atacaram uma área urbana sem discriminar seu alvo, fato tão repugnante que somente os nazistas seriam capazes de repetir em Guernica, anos depois.
Importa, em síntese, ressaltar quão incômodo é esse tema, noventa anos depois de sua eclosão.
E por isso merece ser estudado e tratado sem leviandade, com respeito, para que não seja abordado por figuras públicas relevantes com tamanha imprecisão.