Slide
  • Fonte: Geraldo Nunes*

pero vaz de caminha 67fabA Carta do Descobrimento escrita e assinada por Pero Vaz de Caminha, completa 522 anos neste 1° de maio. Nesses tempos de pandemia, acompanhei um pronunciamento online no qual o interlocutor, em seu discurso, repetiu um erro histórico praticado há décadas que acusa Pero Vaz de Caminha, da prática de nepotismo com pedido de emprego junto ao rei de Portugal, para um sobrinho. Tal informação não é verdadeira. Trata-se de um equívoco e mais que isso, em linguagem atual, poderíamos dizer que tudo não passa de uma “fake news”.

Nem se sabe de quem partiu este engano, mas a acusação sobre o ilustre personagem de nossa história segue sendo repetida. Em uma versão modernizada da Carta do Descobrimento, transcrita para o português atual pelo cronista Rubem Braga, em 1968, se torna claro que o pedido de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel, foi de perdão para o genro degredado na Ilha de São Tomé. Historiadores explicam que pesava sobre este parente, a acusação de assalto contra uma igreja onde um padre foi ferido.

Vale ressaltar que antes desse pedido, o autor da carta faz uma descrição maravilhosa das belezas naturais encontradas nas terras brasileiras e de seus moradores nativos. Só depois, no final, o escriba faz seu pedido que pela nossa interpretação não se trata de nepotismo.

A Vossa Alteza peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que d'Ela receberei em muita mercê... Beijo as mãos de Vossa Alteza, deste Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, 1º dia de maio de 1500.”

Não queremos culpar ninguém pelos comentários equivocados a respeito de Pero Vaz de Caminha, porque, como foi dito, há muitos anos se repete a mesma coisa sem se conferir nos livros. Daí, o nosso empenho na tentativa de esclarecer os fatos.

A Carta do Descobrimento foi levada a Portugal por uma das naus que retornou a Lisboa, para informar o rei sobre as novas terras. Do Brasil, a expedição zarpou rumo às Índias, com Pero Vaz de Caminha ao lado de Pedro Álvares Cabral a bordo da nau capitânia. A chegada em Calicute, nas Índias, aconteceu quatro meses depois, no dia 13 de setembro de 1500, após de uma série de percalços, com tempestades gigantescas e baixas que reduziram a frota a somente 6 das 14 embarcações que partiram de Lisboa, em março daquele ano.

Ao ancorar, a primeira iniciativa de Cabral nas Índias, foi levar adiante as tratativas comerciais iniciadas por Vasco da Gama, em 1498, com o Samorim. O líder político e comercial da região exigia sempre mais coisas em troca, mas ficou acertada a instalação de uma feitoria pelos portugueses para facilitar o embarque das especiarias a serem levadas para a Europa.

No meio desses entendimentos, entretanto, houve uma reviravolta e na noite de 15 de dezembro de 1500, o entreposto foi atacado de surpresa por um exército árabe-hindu e Pero Vaz de Caminha acabou sendo morto neste confronto. Em contrapartida Cabral mandou bombardear Calicute, matando uma infinidade de pessoas. Com isso, os portugueses deixaram o local e conduziram a expedição para o reino de Coxim, vizinho 200 quilômetros, onde foram bem-recebidos.

Cabral retornou a Lisboa com as caravelas abarrotadas de especiarias e o resultado da expedição foi considerado um sucesso. O rei Dom Manuel, o Venturoso, só foi saber da morte de Pero Vaz de Caminha, no dia 21 de julho de 1501, mais de seis meses depois. Sensibilizado, atendeu ao último desejo do escritor da Carta do Descobrimento e mandou libertar do desterro o genro tão querido.

Por tudo isso, Pero Vaz de Caminha merece o respeito de todos nós brasileiros e não pode continuar sendo acusado de nepotismo. O que ele fez, na verdade, foi um apelo de misericórdia aceito pelo rei e interpretado de maneira errônea, séculos depois, não se sabe por quem.

Seguem abaixo alguns trechos da bela Carta do Descobrimento:

... Os nativos da terra eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas... ao domingo de Pascoela, pela manhã, determinou o capitão irem todos ouvir missa e pregação naquele ilhéu e assim foi feito, à qual foi dita pelo padre-frei Henrique, em voz entoada ...e, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles da terra, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço...

... Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença... não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade...

... Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa, portanto, Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação e prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim...”

 

Existem os que repetem equívocos por desinformação, mas há outros que buscam detratar nossa História por maldade, em algumas ocasiões, para ressaltar a superioridade de algum outro país em relação ao nosso Brasil e fazem isso de modo pejorativo, mas a estes segue o aviso: Jamais, em hipótese alguma, a ignorância irá prevalecer.

 

Fontes: Carta ao rei Dom Manuel – Versão Moderna Rubem Braga: 1968 – Edições Best Bolso – Rio de Janeiro

A Viagem do Descobrimento – Eduardo Bueno: 1998 – Editora Objetiva – Rio de Janeiro

 

*Geraldo Nunes, jornalista, ocupa a cadeira 27 da Academia Cristã de Letras