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Rosa Maria Custódio (Setembro/86)

Em janeiro deste ano, no Teatro Casa Grande, aqui no Rio de Janeiro, o ex-ministro da Justiça, Fernando Lira, anunciou para um entusiasmado auditório, na maioria intelectuais e artistas, que a censura estava extinta.

Logo em seguida, pressionado pelas forças conservadoras da Igreja Católica, o presidente José Sarney, antes de decretar o Plano Cruzado, que lhe traria o apoio da maioria dos brasileiros, se viu obrigado a proibir a exibição do filme “Je vous salue, Marie” (Eu vos saúdo, Maria), do controvertido cineasta francês, Jean-Luc Godart. Neste filme, a protagonista representa o papel de Maria, a Nossa Senhora do século atual, e seu comportamento, naturalmente, nada tem a ver com o comportamento da Virgem Maria. Na realidade este filme é uma afronta à religião católica e fere os princípios da Igreja.

Com a substituição de Fernando Lira por Paulo Brossard na recomposição do Ministério da Nova República, o anteprojeto de lei que acabava com a censura, elaborado pelo ex-ministro, foi engavetado. Mas a polêmica criada em função da censura aplicada ao filme “Stallone Cobra” levantou a poeira em torno do assunto “censura” e, como sempre, em termos de consenso, a unanimidade é fruta rara no quintal dos mortais.

Afinal, o que é censura? Para que serve a censura? Quem aplica a censura? O que leva alguém a ser o censor e o que leva alguém a ser o censurado? Qual é a moral da censura, dos censores e dos censurados? Quem perde e quem ganha nesta história toda?

O assunto é muito complexo e poderia ser tema de tese de mestrado. Como ainda não cheguei lá, só me cabe fazer uma análise ligeira e rasteira daquilo que entendo à respeito.

Vejamos: sinônimos de censura: reprovação, condenação, repreensão, crítica...

A censura sempre esteve ligada ao exercício do poder, ao jogo de dominação onde uma ideia ou um sistema tem que prevalecer sobre os demais. Em casa, na escola, no trabalho, nas relações pessoais e nas reuniões sociais, a censura sempre esteve presente. Todos nós somos censores e censurados no cotidiano de nossas vidas. Basta que alguém faça alguma coisa que não agrade ou que fira os interesses de outra(s) pessoa(s) para que um olhar, uma palavra ou gesto de censura seja manifestado.

Geralmente é o mais forte, o mais poderoso, o dominador, que censura o mais fraco, o mais oprimido, o dominado. Os pais censuram os filhos, os professores censuram os alunos, os adultos censuram os mais jovens, os homens censuram as mulheres, os patrões censuram os empregados etc. Até chegar ao poder do Estado e da Igreja, onde os poderosos regulam e censuram o comportamento dos povos.

Mas, apesar da carranca antipática, a censura tem sua função social, e é um instrumento que serve para reforçar o cumprimento de normas morais, religiosas e sociais, indispensáveis à integração e harmonia da vida em sociedade. O homem é um ser complexo e, para viver em grupos ou associações, não pode prescindir de códigos normativos, que devem ser observados e respeitados por todos para o bem-estar comum.

O problema que se coloca é o abuso do poder que resulta no abuso do uso da censura e tolhe a liberdade de expressão do indivíduo. Na maioria das vezes, os poderosos, e os censores a seu serviço, estão mais preocupados em assegurar o seu poder do que resguardar a harmonia e o bem-estar comum. Neste caso, a censura é arbitrária e injusta. Neste caso, a censura é uma violência.