Geraldo Nunes*
Pouco se sabe hoje a respeito de Frei Germano de Annecy, religioso e cientista que morou em São Paulo, docente em Matemática que deu aulas no antigo Colégio Episcopal, atual Colégio Arquidiocesano.
Quem primeiro me falou a respeito deste verdadeiro gênio, foi o saudoso professor emérito da FAU/USP, Benedito Lima de Toledo.
Algumas das atividades deste cientista estão presentes no livro de Roberto Pompeu de Toledo, São Paulo Capital da Solidão, publicado em 2003 pela Editora Objetiva.
Seu nome de batismo era outro, Claude Charles Marion, nascido em 10 de agosto de 1822, em Annecy, uma bela cidade francesa aos pés dos Alpes, região da Alta Saboya.
Em razão da sua ordenação religiosa, em 1845, modificou sua assinatura, mas seguiu estudando. Graduou-se em Física, Matemática, Botânica, Mineralogia e Astronomia, sua maior paixão.
Viajou para a América do Sul como missionário e nesta condição passou por outros países como Chile e Uruguai.
Veio para o Brasil em 1857, a pedido do bispo diocesano Dom Antônio Joaquim de Melo, que precisava de professores para o Seminário Episcopal que funcionava no prédio onde está a igreja de São Cristóvão, na atual Avenida Tiradentes.
Estudioso dos avanços científicos que levaram à descoberta da eletricidade, o frei realizou a primeira experiência de iluminação pública que se tem notícia em São Paulo, ao utilizar dois eletrodos de carvão conectados a um acumulador colocado dentro de um vidro de remédio.
Em contato um com o outro, os eletrodos aqueciam e ficavam incandescentes. Depois, afastados ligeiramente, formavam um arco luminoso.
Quando São Paulo comemorou em festa a vitória de Humaitá pelos brasileiros, durante a Guerra do Paraguai, em 1868, Frei Germano iluminou o Largo de São Gonçalo - no passado Largo da Cadeia - atual Praça João Mendes, em frente à igreja ainda existente como forma de alegrar aquele acontecimento.
Sua experiência se deu antes da comprovação científica de Thomas Edison, ao acender uma lâmpada elétrica nos Estados Unidos, em 1879.
O religioso também montou um observatório astronômico no terraço do seminário onde era professor e, no pátio interno, instalou um relógio solar algo até então nunca visto naquela São Paulo do século 19.
Ao fazer uso desses equipamentos conseguia obter a previsão do tempo para o dia seguinte e a explicação para os alunos de fenômenos como eclipses e o movimento dos planetas.
Podemos considerá-lo o primeiro astrônomo e o primeiro “homem do tempo” de São Paulo, muito antes do nosso querido e saudoso Narciso Vernizzi ter nascido.
A direção da Companhia de Estradas de Ferro São Paulo Railway, após vencer as agruras da Serra do Mar, na ligação por trilhos entre Santos e Jundiaí, achou que o restante seria fácil.
Frei Germano, entretanto, alertou que havia outras irregularidades no terreno até se chegar à capital paulista, mas os ingleses disseram a ele que não se preocupasse.
Aconteceu que, durante a viagem inaugural, o trem da São Paulo Railway descarrilou próximo a uma ponte sobre o Rio Tamanduateí e o acidente causou a morte do maquinista e ferimentos em diversas autoridades presentes nos três primeiros vagões.
Sua última experiência em São Paulo com iluminação elétrica teve lugar no Largo da Penha, em 8 de setembro de 1877, por conta das celebrações do dia da padroeira do bairro.
A luz elétrica em larga escala só chegou de fato nas terras de Piratininga, em 1905, ou seja, 37 anos depois do teste pioneiro de Frei Germano, quando a prefeitura firmou contrato com a Companhia Light and Power para iluminar a Rua Barão de Itapetininga.
Ao ser transferido para Franca, no interior paulista, Germano de Annecy desenvolveu um relógio solar vertical preservado até hoje em uma praça pública daquele município.
Como religioso passou também por Uberaba-MG onde celebrou missas e desenvolveu ações de pregação religiosa.
Enfraquecido por uma doença chamada beribéri, decidiu retornar à sua terra natal, mas morreu em 1º de maio de 1890, aos 68 anos, a bordo do navio “Bearn”, quando este seguia pelo litoral da Bahia.
A embarcação atracou para o desembarque do corpo que foi sepultado em um cemitério municipal de Salvador.
Frei Germano de Annecy é desconhecido pelos brasileiros de hoje, mas em sua época foi aclamado gênio pela comunidade científica mundial e reconhecido nacionalmente por Dom Pedro II que o considerava “brilhante e notável”.